segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Marcelo, Presidente


Portugal acaba de passar por um dos períodos eleitorais mais longos da sua história democrática. As eleições legislativas de Outubro tiveram uma campanha eleitoral que não se limitou ao período definido na lei, dado que na realidade começou muitos meses antes. Seguiu-se-lhe a campanha presidencial que terminou com a eleição de Marcelo Rebelo de Sousa logo à primeira volta.
As eleições presidenciais tiveram vários aspectos dignos de nota. Desde logo porque houve dez candidatos, tendo-se considerado desde o início que havia nove candidatos contra um, Marcelo. Oriundos directamente do Partido Socialista, havia três candidatos a que se acrescentava um oficioso, independente “mais ou menos apoiado” pelo partido. Dois partidos, o PCP e o BE apresentaram os seus candidatos próprios, mesmo sendo estas eleições para o Órgão de Soberania Presidente da República, logo nominais e não para governação do país; claro que estão no direito de o fazer, mas não deixa de ser digno de registo que esses candidatos o sejam como militantes dos respectivos partidos e não em nome individual. Assistiu-se também a uma entrada inopinada e violenta do Tribunal Constitucional na campanha, liquidando instantaneamente a candidatura de Maria de Belém, ao escolher o momento para anunciar um acórdão sobre subvenções vitalícias atribuíveis aos titulares de postos parlamentares anteriores a 2005 que perfizessem 12 anos na AR; recorda-se que o assunto estava em apreciação no TC desde 2014, dizia respeito a centenas de políticos, mas só um deles era candidato naquele momento, pelo que o tiro foi de morte (política, claro está).

Os resultados eleitorais merecem também algumas observações. Desde logo a abstenção que foi de 51,2%, tendo portanto votado menos cerca de 700.000 eleitores do que nas eleições legislativas de três meses antes. Marcelo Rebelo de Sousa, foi eleito com 2,4 milhões de votos quando Cavaco Silva há dez anos obteve 2,8 milhões, Mário Soares teve 3 milhões em 1986 na segunda volta e Jorge Sampaio também 3 milhões em 1996.
Os partidos que apresentaram candidaturas próprias sujeitaram-se às inevitáveis comparações com os resultados das legislativas. Assim, o BE que em 2009 teve 590.000 votos e em Outubro passado 550.000, viu a sua candidata obter 470.000, longe portanto do grande sucesso propagandeado. Descida ainda maior teve o PCP que tem mantido consistentemente o seu valor eleitoral à volta dos 450.000 eleitores e viu o seu candidato perder mais de metade desses votos, devendo perguntar-se se isso terá razões conjunturais pelo apoio ao actual Governo, ou se será o caminho definitivo para a irrelevância política, tantos anos depois da queda do muro de Berlim. 
Estas duas descidas eleitorais são ainda particularmente significativas porque, em conjunto com os dois candidatos socialistas mais relevantes apoiantes da actual solução governativa, obtiveram um total de quase 2 milhões de votos quando os respectivos partidos haviam obtido, em Outubro, um total de 2,7 milhões, numa queda de 750.000 votos desde então.
O sucesso de Marcelo Rebelo de Sousa é indesmentível e resultado de uma campanha completamente definida e organizada pelo próprio candidato, que não colou um único cartaz nem deu canetas ou autocolantes. Marcelo é, indiscutivelmente, uma das personalidades portuguesas mais bem preparadas para o exercício de qualquer função no Estado. A partir de Março vai exercer a mais relevante de todas. Portugal atravessa um momento de grandes dificuldades, quer na sua afirmação externa como membro da União Europeia, também ela própria a passar por um momento difícil, quer sobretudo pela política interna que nos próximos anos vai ter que encontrar caminhos diferentes para aproximar o nível de vida dos portugueses daquele que todos ambicionamos.
Desengane-se quem pensa que Marcelo se vai imiscuir nas tácticas dos partidos do governo ou da oposição, ou mesmo nos pormenores da governação. Mas desengane-se também quem imagina que Marcelo chegou ao fim da sua brilhante carreira pessoal e que, não precisando de mais nada para se afirmar, irá agora descansar. Marcelo, o primeiro presidente da República portuguesa a ser chamado pelo nome próprio pela maioria dos portugueses, sabe diferenciar o dia-a-dia da estratégia que o país precisa e não vai ceder perante as facilidades ou mesmo erros governativos, seja qual for o partido que estiver a governar.


Quem me lê sabe que Marcelo Rebelo de Sousa era o meu candidato. Por isso mesmo, devo dizer que a minha exigência pessoal para com o seu exercício da presidência da República será maior do que seria com qualquer outra pessoa no cargo. A bem de Portugal e dos portugueses, desejo-lhe as maiores felicidades como Presidente da República de Portugal.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Tapar as vergonhas

A Europa do Século XXI é herdeira de muitos séculos de desenvolvimento social, económico e cultural de que, nós europeus, nos podemos muito legitimamente orgulhar. Esse caminho foi longo, teve altos e baixos, sucessos e tragédias lamentáveis, mas permitiu construir um legado cultural distinto até do resto do Ocidente. Desde a Grécia clássica e o Império Romano, a Europa foi-se construindo a si mesma, por dentro, evidentemente sujeita a invasões militares e culturais que também a foram influenciando, mas moldando-se sempre a si mesma de forma notável. Depois das “invasões bárbaras” e o desmantelamento do império romano do ocidente, o cristianismo foi durante séculos cimentando uma unidade social e religiosa que, apesar da Inquisição e da mistura perniciosa entre Estado e Igreja, veio a culminar num florescimento notável no fim da Idade Média e o Renascimento. O crescimento notável da Europa levou-a a expandir-se e a abrir-se para fora e ao resto do Mundo, no que os portugueses, que estavam estrategicamente localizados precisamente na extremidade ocidental do continente, foram cruciais para que tal acontecesse.

A Europa viu surgir o Iluminismo e o desenvolvimento dos ideais democráticos. A Revolução Francesa foi um marco na História Europeia, colocando os seus ideais da Liberdade, Igualdade e Fraternidade no centro das preocupações dos europeus.
Foi na Europa que tiveram origem as grandes ideologias políticas que avassalaram o mundo durante todo o Século XX, dando origem a algumas das maiores hecatombes humanitárias da História. Mas foi também na Europa que surgiram os movimentos sociais que levaram à libertação da Mulher e à afirmação dos movimentos e sentires da juventude que vieram trazer novas vivências e maneiras de estar na sociedade, com mais liberdade e respeito pelo Outro.
Tudo isto fez a Europa e a sua cultura. Dos cinco elementos que George Steiner aponta para caracterizar a Europa, três deles serão pacíficos: os cafés e as conversas que proporcionam, a geografia não muito extensa, calma e humanizada e ainda a força da História/passado sobre o presente. Os dois outros elementos identitários indicados por Steiner são um pouco mais difíceis de compreender. No quarto, a Europa surge como resultado da fusão das culturas Judaica e Helénica das quais se pode não gostar e que até são à partida antagónicas, mas sendo a realidade o que é, não se pode fugir dela. Já o quinto elemento tem a ver com a consciência de que a civilização europeia pode estar a chegar ao seu fim, perante o surgimento e desenvolvimento da globalização.
Infelizmente, o que sucedeu em Roma na semana passada aquando da visita à Europa do presidente do Irão na sequência do fim das sanções internacionais a este país parece ter tudo a ver com este último elemento da identidade europeia formulado por Steiner. O local escolhido pelo governo italiano para o encontro entre o primeiro-ministro italiano Matteo Renzi e o presidente iraniano Hassan Rouhani foi o Museu Capitolino em Roma, um dos locais mais representativos da cultura clássica romana. 
No entanto, supostamente para evitar ferir susceptibilidades do presidente iraniano que recorda-se, é o líder religioso da teocracia que governa o país, todas as esculturas com nus foram tapadas com grandes painéis brancos, tendo a foto oficial do encontro entre os dois políticos sido tirada junto da estátua equestre do imperador Marco Aurélio.

Os Museus Capitolinos parecem ser uma escolha excelente para um encontro político de significado, como símbolo da cultura italiana e europeia, localizando-se no cimo da colina do Capitólio, à volta de uma praça desenhada por Miguel Ângelo, no século XVI. No entanto, em vez de nos orgulharmos da nossa História e Cultura, parece que nós europeus chegámos a um ponto em que nos envergonhamos delas, cobrindo e escondendo as manifestações artísticas mais representativas da grandeza do império romano de há mais de dois mil anos, como se fossem pecaminosas. De caminho, perdemos a nossa identidade e, estou certo, o respeito dos outros. Se nos envergonharmos dos nossos Valores, da nossa História e da nossa Cultura, resultado de milhares de anos de evolução social, económica e também, ou sobretudo, cultural, perderemos tudo o que alcançámos, começando pela Liberdade e a seguir sabe-se lá o quê.



sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Fala quem sabe bem o que diz, e não lhe podem chamar neo-liberal ou algo do género

El comportamiento arrogante de los líderes de Podemos, con humillaciones que ponen al descubierto cuáles son sus verdaderas intenciones, no se debe aceptar. Esos dirigentes, con el debido respeto que merecen sus votantes y los grupos que se han sumado a las distintas plataformas, quieren liquidar, no reformar, el marco democrático de convivencia, y de paso a los socialistas, desde posiciones parecidas a las que han practicado en Venezuela sus aliados. Pero lo ocultan de manera oportunista. Del mismo modo, dejaron de hablar de Grecia cuando más lo necesitaron sus amigos. Son puro leninismo.

Felipe Gonzales

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Responsabilidade Social

A visita aos sites das grandes empresas nacionais ou estrangeiras permite verificar a existência generalizada de uma área denominada “Responsabilidade Social” que informa sobre as actividades da empresa não ligadas ao seu negócio concreto, mas ao apoio social e cultural à sociedade em geral. Essas empresas atribuem assim uma parte do que seria lucro a distribuir pelos seus accionistas, a acções destinadas a melhorar de alguma maneira a vida não dos seus donos, mas de pessoas que não têm nada a ver directamente com a empresa, eventualmente mesmo alguém necessitado de apoio social.
Esta faceta empresarial começou há algumas décadas, quando as empresas passaram a preocupar-se não apenas com os interesses dos seus “shareholders” que nelas investem o seu capital, mas também com os “stakeholders” que é todo o conjunto de pessoas ou entidades ligadas ao funcionamento da empresa, sejam os seus trabalhadores, os fornecedores ou mesmo os clientes. Evidentemente, o facto de uma grande empresa manifestar preocupações sociais, eleva a sua imagem externa e interior, com claros benefícios para o próprio negócio. Mas muitas ONG (organizações não governamentais) que actuam pelo mundo inteiro não conseguiriam fazer o seu trabalho meritório e tantas vezes necessário e insubstituível, não fora o apoio de grandes empresas que deste modo se tornam parceiras desse trabalho humanitário.

Pode dizer-se que a invenção da empresa foi uma das mais notáveis descobertas da humanidade. Juntar numa entidade capital, trabalho, gestão e matérias com pouco valor intrínseco e com isso tudo gerar emprego e fabricar produtos de grande valor que podem ser comercializados em todo o mundo, satisfazendo necessidades de milhares ou milhões de pessoas é, de facto, algo de notável. Para que sobrevivam e continuem a trabalhar, as empresas têm que dar lucro e é mesmo esse o objectivo inicial da sua criação. Tudo o resto vem depois, incluindo a possibilidade de a rentabilidade da empresa gerar o suficiente para pagar impostos. Impostos esses que, na sua totalidade, permitem o funcionamento do Estado e de toda a sua máquina voltada para a satisfação das necessidades dos cidadãos, seja a nível de infraestruturas e organização política, seja a nível do que habitualmente se chama “estado social” que se destina essencialmente a apoiar os cidadãos mais desprotegidos, eliminando desfasamentos e injustiças sociais. O pagamento dos impostos pelas empresas é a forma primeira de participar na redistribuição da riqueza produzida e é, claramente, uma obrigação a que as empresas não podem e não devem fugir.
No entanto, muitos gestores de grandes empresas tendem hoje em dia a querer substituir-se ao Estado através da “responsabilidade social” das empresas, argumentando que o Estado é ineficiente e até redistribui mal os impostos recebidos, afectando parte das receitas a actividades escolhidas que, no fim, ainda vão contribuir para melhorar o negócio através da melhoria da imagem. Trata-se, a partir de certa altura, de marketing associado ao bem-fazer.
Mas não deixa de ser surpreendente que empresas globais, ao mesmo tempo que gastam fortunas na sua actividade de “responsabilidade social”, tentem de todas as formas e feitios fugir ao pagamento de impostos, sua obrigação para a sociedade. Fazem-no das habituais formas muitas vezes legais de “optimização fiscal”, de maneira ilegal pela maquilhagem das contas ou, mais brutalmente, através da deslocação das suas sedes para países estrangeiros que têm políticas fiscais agressivas para chamar investimentos.
A manobra da americana Pfizer, através da aquisição da irlandesa Allergan e posterior domiciliação da actividade na Irlanda cujos impostos sobre os lucros da actividade das empresas são muito baixos, é exemplar, tendo originado enorme controvérsia nos EUA. Recorda-se que a Pfizer é uma das empresas que, historicamente, mais se orgulha da sua preocupação com a “responsabilidade social”, designadamente através das ONG’s que tentam melhorar as condições sanitárias e de acesso aos medicamentos em todo o mundo.
Também, entre nós, os últimos casos de insucessos empresariais, designadamente na Banca, com facturas a serem pagas por todos os contribuintes, mesmo os que não têm nada a ver com isso, nos devem fazer pensar. Os bancos intervencionados, resgatados ou vendidos tinham todos também os seus sectores de “responsabilidade social” e, apesar disso, não foram capazes de cumprir com as suas responsabilidades primeiras, as empresariais, que devem anteceder todas as outras.


O Pe. Edgar fez mau sermão

Os comunistas do PC tiveram o pior resultado de sempre. O afundanço total. Para onde estão a ir os seus votos fiéis. Imagino que para outros comunistas com candidatas mais engraçadinhas.

http://www.ionline.pt/artigo/494106/edgar-silva-comunistas-obt-m-o-pior-resultado-eleitoral-da-historia-do-partido?seccao=Portugal_i

Conta-me mentiras

Vai-se a ver e Marisa teve menos 80.000 votos que o BE há 3 meses.

Comunistas com sentido de humor

Quem quer casar com uma "candidata engraçadinha"?

http://observador.pt/2016/01/25/jeronimo-nao-quis-candidata-engracadinha-ter-votos/

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Pontes Culturais

De entre todos os tipos de laços que se podem estabelecer entre países, os culturais serão os que estabelecem raízes mais profundas, porque entre os povos e não entre agentes económicos ou políticos que, como se sabe, vão e vêm conforme ventos e interesses temporários. Merece portanto todo o relevo a notícia de que a Orquestra Clássica do Centro está de novo em Cabo Verde, através de um grupo de câmara, onde irá realizar vários concertos e ainda uma acção de formação numa escola. Não é a primeira vez que a OCC vai a Cabo Verde, onde já esteve em 2014 e 2015. Estas deslocações seguem-se a um estreito relacionamento de há vários anos com agentes culturais e responsáveis políticos daquele país irmão, que teve início em 2005, num festival realizado em Coimbra denominado “Coimbra à Descoberta do Mindelo” em que se deslocou a Coimbra uma representação da criação artística do Mindelo, que é cidade-irmã de Coimbra. 
Nessa altura, a OCC interpretou uma obra sinfónica do compositor cabo-verdiano Vasco Martins, um dos poucos compositores africanos da música designada como erudita, com reconhecimento mundial.
Na deslocação a Cabo Verde em 2014 a OCC participou na criação da Orquestra Nacional de Cabo Verde, no que se tornou um marco nas relações culturais entre os dois países, tendo o ministro da Cultura de Cabo Verde Mário Lúcio designado a OCC como membro fundador da nova Orquestra Nacional daquele país.
Mário Lúcio, que em 2015 veio a conquistar o Prémio Literário Miguel Torga Cidade de Coimbra com a sua obra “Biografia do Língua”, tendo participado como cantor no espectáculo que se seguiu à cerimónia de entrega do prémio que aconteceu em Julho, em Coimbra.
 Nesse concerto participou ainda Vasco Martins que apresentou várias das suas obras, numa sessão que terá ficado na memória de todos os que a ele assistiram.
Vasco Martins é também o coordenador do Centro de Estudos da Morna, sendo o responsável pela preparação da candidatura da Morna a património mundial imaterial da Unesco. 
Ainda durante os primeiros meses deste ano a OCC vai promover a gravação de um CD com obras de Vasco Martins para diversas formações de orquestra clássica e instrumentos solistas inspiradas na Morna, num projecto apoiado pela Direcção Geral das Artes.
A Morna e o Fado são patrimónios culturais que, hoje em dia, se considera terem raízes que se cruzam ainda com a modinha brasileira e que se desenvolveram autonomamente a partir do Século XVII.
Cesária Évora foi um dos expoentes da Morna, tendo levado a sua arte a todo o mundo, que se rendeu a essa grande artista. Por isso mesmo, a OCC editou a obra “Cesária – A Rota da Lua Vagabunda” da autoria de Vasco Martins e ainda do grande pintor cabo-verdiano Tchalé Figueira, que partilham histórias do convívio que ambos mantiveram durante muitos anos com Cesária Évora.
No próximo dia 20 será inaugurado o Museu do antigo campo de concentração do Tarrafal, essa vergonhosa memória colectiva que também partilhamos com Cabo Verde. 
Lá estarão representantes dos dois países ao mais alto nível, desde os primeiros-ministros aos ministros da Cultura, participando ainda o presidente da Câmara Municipal de Coimbra, que assim acompanha a Orquestra Clássica sediada na nossa Cidade, num acontecimento de elevado significado e grande importância para as relações entre os dois países. Foi em Coimbra que Mário Lúcio anunciou doar o montante do prémio Miguel Torga que lhe foi atribuído para ajuda da construção do Museu do Tarrafal. Certamente não por acaso, na cerimónia de inauguração deste Museu, actuará a Orquestra Clássica do Centro.
A Orquestra Clássica do Centro estabelece-se, assim, como um dos construtores de uma ponte cultural entre Cabo Verde e Portugal, firmando Coimbra como um dos seus pilares fundamentais. Num mundo atravessado por conflitos e lutas de interesses que minam um futuro em progresso e paz, é bom poder ver iniciativas que, pelo contrário, constroem a fraternidade, no respeito pelas diferenças, mas também pelo passado comum, baseadas no património cultural, de ontem e de hoje.


segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Admirável mundo novo? Outra vez?

Trazer a felicidade aos cidadãos parece ser o objectivo de muitas pessoas que se dedicam à política. Devo afirmar, desde já, que desconfio sempre de tais atitudes, ainda que pareçam suscitadas pelas melhores intenções, por me parecerem mais do domínio do irreal do que da prática de cuidar do bem comum, que é a governação.
No seu “Admirável Mundo Novo” Aldous Huxley alertava já, em 1933, para a tragédia de uma sociedade completamente organizada para trazer a felicidade a cada pessoa, que aliás nunca poderia fugir a essa mesma felicidade.
Muitas religiões estruturam-se à volta do conceito de um “homem novo”, livre das imperfeições humanas, à imagem de Deus, estado apenas possível de conseguir pela obediência a determinadas regras morais ou por um misticismo cego à realidade humana.
Ao longo da História, e à imagem deste desígnio de carácter religioso, foram-se sucedendo as situações, normalmente de tipo revolucionário, em que os homens entrariam num mundo novo, abandonado que estaria o velho. Foi assim na Revolução Francesa, em que o “antigo regime” desapareceu perante um novo no qual os cidadãos seriam todos iguais. Como sabemos, poucos anos depois desembocou no império de Napoleão o qual, logo de seguida, deu lugar ao regresso dos antigos “Luises”. 

Só posteriormente veio a República, de uma forma bem mais pacífica, recuperando os valores da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, mas já sem a pretensão de construir um “homem novo”.
No início do século XX, veio a revolução bolchevique que, de uma forma determinada e violenta, pretendeu criar o “homem novo”, desta vez chamado socialista, num regime que seria tão perfeito a trazer a felicidade a todos, que seria como um sol na terra. Todos sabemos qual foi o resultado deste regime que seguiu uma ideologia política como se de uma religião se tratasse. Esta característica leva ainda hoje muitos a defender a sua validade, dado que, perante a construção de um “homem novo” e a felicidade para todos, mesmo os sacrifícios e “eventuais” excessos normalmente inaceitáveis passam a ser compreensíveis e suportados, dando razão ao velho Huxley nos seus livros premonitórios. É também o motivo por que, enquanto se aceitam os comunistas que ainda hoje acreditam na “sua” religião, ninguém no seu perfeito juízo defende o nazismo que também queria construir um “homem novo”, mas neste caso louro, de olhos azuis e a dominar o mundo pela sua superioridade rácica e esmagamento e dominação de todas as outras raças consideradas inferiores ou mesmo infra-humanas.
Mesmo Portugal não fugiu à regra. Depois da chamada revolução Nacional de 1926 em que a tropa tomou o poder acabando com a 1ª República e instaurando a sua Ditadura, veio o poder civil de Salazar que se auto designou como “Estado Novo”. Novo pois, como se haveria de chamar, para estabelecer o contraste forte com o regime anterior da 1ª República responsabilizando-o por todos os problemas do país quando, na realidade, fora apenas a continuidade do nosso desgraçado século XIX?
Todos estes exemplos, e muitos mais que se podem extrair da História, se referem a situações de rotura violenta relativamente ao existente.
Nas democracias representativas como é a nossa, a substituição dos órgãos de soberania eleitos faz-se por escolha popular e não por revolução ou golpe de estado. De cada vez que se escolhe, tem-se um Presidente da República ou uma Assembleia da República de que emana um Governo que só são novos no primeiro dia. Essa designação cai logo no dia seguinte, havendo uma normal continuidade do Estado.

Assim sendo, em democracia não há novos presidentes para novos tempos. Há presidentes com competências definidas na Constituição e não outras, que devem exercer de acordo com a sua consciência e opções políticas; não deve haver presidentes em função de situações governativas, sejam elas do seu agrado ou não, que são sempre temporárias e substituíveis nas eleições, como aliás os presidentes o são todos. Afirmar o contrário é, no mínimo mostrar ingenuidade ou impreparação política ou, no máximo manifestar-se disponível a abrir a porta a outros mundos que não a Europa ocidental, livre e democrática.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Ano que começa

Quando os nossos antepassados mais longínquos começaram a praticar a agricultura, verificaram que havia fenómenos astronómicos ligados à periodicidade regular com que surgiam a chuva, o calor e o frio e de como isso influenciava a cultura dos produtos de que se alimentavam. A existência de estações tornou-se evidente e o seu conhecimento necessário para a mais adequada prática de sementeira e colheita dos produtos agrícolas. Essa periodicidade das estações surgia agrupada num outro período de tempo que acompanhava o Sol e a sua altura relativamente ao horizonte, de forma absolutamente regular. Daí surgiu o conceito de ano que se foi desenvolvendo lentamente, mas os egípcios que praticavam uma agricultura muito desenvolvida no vale do Nilo, já cinco mil anos antes de Cristo tinham adoptado um ano civil fixo de 365 dias. Sabemos hoje que o ano trópico usado para a regulação das estações e calendários solares tem a duração precisa de 365 dias, 5 horas, 48 minutos e 45,3 segundos, que é ligeiramente mais curta do que o ano sideral que é a duração da translação da Terra à volta do Sol em 50, 24 segundos por ano, acontecendo isso devido à famosa precessão dos equinócios que faz rodar a eclíptica sobre o equador celeste como um prato sobre uma mesa. Toda esta complicação, que é simples para os astrónomos e que estraga a vida aos astrólogos, teve implicações ao longo da História da Humanidade, obrigando à sucessiva adopção de diversos calendários ao longo dos tempos. Júlio César decidiu encontrar a melhor solução, daí o calendário Juliano que entrou em vigor 45 anos antes de Cristo, com 365 dias nos anos comuns e 366 dias nos anos bissextos, de quatro em quatro anos. 

Mesmo assim, algumas centenas de anos depois, dado que o calendário juliano tinha um erro anual de alguns minutos, o equinócio da Primavera já surgia cada vez mais afastado do dia 21 de Março, altura do ponto vernal em que o Sol passa para o lado de cima do equador celeste, no nosso hemisfério Norte. Por isso, no século XVI, num tempo em que o equinócio da Primavera já andava por 11 de Março, o Papa Gregório XIII promoveu a adopção de um calendário, que ficou conhecido por gregoriano, na base da duração do ano com um erro de apenas 27 segundos, o que significa um dia após 3.000 anos. Finalmente um calendário passou a ter um erro sem qualquer significado na vida das pessoas, durando até hoje como calendário seguido por quase todo o mundo.
Cada vez ouço mais pessoas dizer que a mudança de ano não interessa para nada e que a seguir a 31 de Dezembro vem o 1 de Janeiro e que nada muda. Para além do significado imediato de tal afirmação que revela um distanciamento cada vez maior das pessoas relativamente à Natureza que as rodeia, há algo mais, talvez mais profundo e importante. Na realidade, a artificialização da nossa vida quotidiana, potenciada pela internet, separa-nos cada vez mais do Universo e da Natureza, criando espanto e mesmo revolta generalizada, quando alguma tragédia acontece apenas pela natureza das coisas: vulcões, tremores de terra, furacões, inundações, epidemias, etc. A bolha protectora em que a vida moderna nos coloca permanentemente cria a ilusão de que estamos imunes à Natureza e que tudo à nossa volta existe para nosso conforto.
Mesmo a morte parece afastada do nosso quotidiano e é escondida, criando-se a ilusão de que não existe, quando na verdade começamos a morrer quando nascemos.

Este texto pode parecer algo fora do contexto do desejo de bom ano novo, mas foi mesmo a melhor maneira que encontrei para o fazer, meu caro amigo leitor. Ter consciência de quem somos, do nosso lugar na Terra e no Universo e perceber que o tempo passa é, penso eu, a melhor maneira de segurar o futuro que começa por nós mesmos e pelo que fazemos, a partir do primeiro dia do novo ano, neste caso 2016. Exercitar previsões sobre o que o futuro reserva, não passará de uma sublimação dos nossos desejos e ambições, actividade mais própria de charlatões e videntes tão numerosos hoje em dia, não obstante o conhecimento científico estar hoje ao alcance de todos. Que não entremos no ano de 2016 com optimismo ou pessimismo, mas com a noção de que ele será o que dele decidirmos fazer e a certeza de que essa resolução será a principal para que no seu final, 2016 tenha sido um bom ano.