segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

“Não matar o mensageiro”





Num tempo em que as sondagens atravessam a maior crise de credibilidade de que há memória, eis que em Portugal a generalidade da comunicação social saúda com visível satisfação as sondagens que vão surgindo, adiantando explicações delirantes para os resultados apresentados e utilizando-as mesmo como justificação para alteração urgente de lideranças partidárias.
A História e os clássicos são um bom instrumento para não nos deixarmos enganar pela chamada espuma dos acontecimentos e pela apressada interpretação do que por todo o lado nos é oferecido como sendo a realidade, deixando os realistas como sendo os maus da fita.
Mais de trezentos anos antes de Cristo, o exército do rei da Pérsia Dario III foi derrotado por Alexandre o Grande, na batalha de Issus. Dario havia sido avisado por Charidemos sobre as possíveis más consequências das suas decisões estratégicas, dado que este último conhecia bem os exércitos de Alexandre. Dario não gostou do que ouviu e matou Charidemos que, na realidade, lhe tinha transmitido a verdade honestamente, tendo-se tornado incómodo por isso mesmo.
No século XIII, o mongol Gengis Khan conquistou um enorme império, sendo conhecido até aos dias de hoje por vários aspectos inovadores, como a liberdade religiosa ou um serviço de correio montado em que os mensageiros oficiais podiam percorrer até 200 quilómetros por dia. Ficou também conhecido pela sua brutalidade, estimando-se que nas suas guerras tenham morrido dezenas de milhões de pessoas. E ficou célebre a sua sistemática reacção quando os mensageiros lhe traziam más notícias, que era a morte imediata dos mesmos.

Hoje em dia e entre nós a soberania está no povo, pelo que é a ele e às suas instituições que os mensageiros fazem chegar as notícias de que são portadores. E o curioso é que, de facto, as reacções são muitas vezes semelhantes às dos antigos reis. Quer no momento em que se tomam decisões de escolha, quer ainda anteriormente na fase das “sondagens”, a posição de recusa das más notícias parece-se muito com o que os antigos ditadores faziam. A diferença estará em que a “morte política” é agora muitas vezes o destino dos que trazem a verdade desagradável, principalmente quando o fazem antes da chegada das consequências, como sucedeu com o velho Charidemos.
Já Platão mostrou na sua “alegoria da caverna” como as pessoas têm dificuldade de sair da sua zona de conforto, ainda que não constitua mais do que um mundo irreal e falso, habituando-se a ele de tal forma que se recusam a aceitar a realidade e o mundo como ele é verdadeiramente e não o casulo em que se fecham. Nessa caverna, vivem seres humanos que ali estão desde que nasceram, não conhecendo o mundo exterior. Podem, no entanto, ver sombras projectadas na parede do fundo de pessoas que passam no exterior, sombras essas que para eles são a realidade. Se por acaso um dos habitantes da caverna vier para o exterior, a luz do dia quase que o cegará, impedindo-o de ver bem a realidade; ao regressar à sua “segurança habitual” da caverna, a escuridão não deixará ver alguma coisa, porque já habituado à luz. Pior ainda, os seus antigos companheiros virar-se-ão contra ele, mensageiro que ele era da realidade exterior em que não acreditavam e de que tinham medo.
Na nossa realidade actual deveremos perguntar-nos se, de facto, o ambiente cultural e social essencialmente criado por uma comunicação social homogénea que aceita acriticamente a propaganda como se de informação se tratasse, não constitui uma redoma artificial fofa e agradável na qual a maioria se convence de que é possível viver eternamente, rejeitando os mensageiros quem a avisam de que não é assim. Prefere-se viver como se fosse possível não haver nunca necessidade de sair da caverna para o mundo exterior da realidade, o que, mais cedo ou mais tarde acaba por levar à destruição dos mitos criados, obrigando a dor e sacrifícios generalizados. Já aconteceu no passado e voltará a acontecer. E certamente, poderemos ver de novo aqueles que perseguiram os mensageiros da realidade acusá-los do sucedido, recusando as suas próprias responsabilidades, como Platão bem ensinou.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Jethro Tull - Pass The Bottle (A Christmas Song) (The String Quartets)

Cidade com passado, do presente e com futuro





As cidades são seres vivos que nascem, evoluem e podem, eventualmente, definhar e mesmo morrer. A História está cheia de casos de cidades que, em determinada altura foram farol da civilização e que desapareceram na poeira do tempo. Quem cuida de uma cidade tem, a par do conhecimento do seu passado, que ser capaz de perceber as pulsões profundas que sempre existem e de as orientar para caminhos que, em vez de levar a um enfraquecimento, permitam chegar a um futuro de sucesso e de afirmação.
Coimbra tem uma História rica e longa de muitos séculos que estendem até aos fenícios muito tempo antes de ser a capital romana Aeminium, tendo conhecido altos e baixos ao sabor das conquistas por novos povos e senhores. A estabilidade veio com o estabelecimento da corte do nosso primeiro Rei Afonso em Coimbra, o que fez dela a primeira capital de Portugal. A identidade mais duradoura e profíqua da Cidade de Coimbra é a sua Universidade fundada originalmente pelo rei D. Dinis em 1290 e aqui instalada de forma definitiva em 1537. O reconhecimento desta importância veio com a classificação da Alta e Sofia como Património Mundial da Humanidade, pela UNESCO em 2013 e é só por si, um facto do presente que puxa pelo passado projectando-se no futuro. Sendo o bem classificado uma universidade, mal ficaria a Coimbra se não elegesse a Cultura como vector fundamental da sua afirmação. Valorização que passa, não pela chamada esporádica de Rolling Stones ou outros que pouco ou nada cá deixam e levam muito dinheiro, mas pelo apoio permanente e dedicado a quem cá produz arte nas suas diversas formas, seja a música erudita, o teatro ou o jazz, que lhes permita serem vectores da projecção de Coimbra para o exterior.

O surto de industrialização das primeiras décadas do século XX desapareceu já, levado pelas alterações políticas, sociais e económicas que caracterizaram o Portugal das últimas décadas. Coimbra apresenta hoje uma economia baseada em serviços públicos, de que a economia da saúde e empresas das tecnologias de informação são as excepções mais notórias e importantes, com a circunstância de a área estatal da saúde ser claramente o esteio da privada, sem o qual esta desapareceria em pouco tempo.
Como é de uma evidência total, a dimensão dos serviços públicos não tenderá a crescer, razão pela qual Coimbra necessita de atrair investimento privado, não só para se manter com alguma viabilidade, mas sobretudo para se afirmar no panorama nacional. O tempo dos professores que de cá saiam para em Lisboa tomarem conta da política nacional já acabou há muito e não voltará nunca. A Universidade de Coimbra foi formalmente a única do país até ao início do século passado e de facto até aos fins do século XVIII. Felizmente, há hoje muitas instituições de ensino superior de grande qualidade por todo o país, pelo que se a Universidade de Coimbra quer continuar a ter um papel importante tem que fazer por isso em igualdade de oportunidades e não por ser património mundial, o que lhe pode trazer muitos visitantes, mas também obriga a muitas responsabilidades.
O desenvolvimento do país tem proporcionado um crescimento anormal das áreas urbanas de Lisboa e Porto, numa lógica territorial que, aliás, é perfeitamente terceiro-mundista e diz bem da qualidade dos governantes que temos tido. Coimbra e a sua região que é a Região Centro/Beiras têm ficado como que ensanduichadas (passe o neologismo) entre aquelas áreas metropolitanas Deve recordar-se que a importância da localização de Coimbra não é de hoje, tem mesmo a ver com o seu início e com a ligação viária entre Norte e Sul que vem desde os romanos, a meio caminho da ligação entre Olissipo e Bracara Augusta com passagem por Cale que hoje conhecemos como Porto.
Aqui reside a outra grande linha estratégica de actuação política. Coimbra não pode deixar-se apertar, necessitando como de pão para a boca, de se assumir como pólo aglutinador das Beiras aos mais diversos níveis. Deve esquecer a região centro tal como se encontra hoje definida para a CCDRC que, de forma errada e pensando apenas nos fundos europeus, foi evoluindo para ser “tomada” precisamente pelas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, perdendo a sua identidade histórica.
As próprias Comunidades Intermunicipais (CIM) estão a evoluir para organismos burocráticos, onde os interesses de cada município se sobrepõem ao interesse comum.

Por isso, Coimbra tem que agregar os municípios à sua volta com os quais tem já relações metropolitanas informais de alguma dimensão, de que os fluxos diários de dezenas de milhar de deslocações por dia são um bom indicador. Deve dirigir-se a eles, estudar aquilo que de comum pode puxar por todos e trabalhar com eles em conjunto, sem qualquer espírito de superioridade, mas de colaboração para um desenvolvimento social e económico espacialmente coerente. 

Em Lisboa desenham-se, tantas vezes de forma artificial, políticas de desenvolvimento regional. Cabe a nós, de Coimbra, tratar do nosso futuro, se não queremos que os nossos filhos e netos sejam tudo, menos conimbricenses.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

É só escolher


Castro (e o seu Rolex)


Primeiros de Dezembro




 Neste ano em que o 1º de Dezembro voltou a ser feriado, perante tudo o que li e ouvi, não posso deixar de partilhar algumas notas pessoais sobre esta data.
Esta data é das mais impressivas na minha memória. Quando tinha uns dez anos de idade e vivia em Oliveira do Hospital, com a Serra da Estrela ali em frente coberta de neve nessa altura do ano, lá íamos todos nós marchar às nove da manhã para umas cerimónias que não recordo, mas que tinham a ver com as comemorações do 1º de Dezembro. O que recordo sim, é que estava um frio de rachar e que a farda da "Mocidade Portuguesa" contemplava uns simples calções e uma camisa com as mangas dobradas pelo cotovelo. A minha Mãe, com o maior carinho, enchia tudo por baixo da farda com a roupita mais quente que encontrava, de forma a que não se visse por fora e que disfarçasse um pouco o frio. 

Durante o Estado Novo o 1º de Dezembro foi sempre uma data marcadamente celebrada e ensinada aos jovens como sendo a data da Restauração, por ser aquela em que “corremos com os espanhóis” e recuperámos a nossa independência. Essa celebração tinha um forte cunho patriótico e mesmo nacionalista, pela glorificação do povo português e diabolização dos espanhóis. Na realidade, Filipe II de Espanha apenas havia herdado o trono português depois dos disparates do nosso Rei D. Sebastião, que ele próprio Filipe tinha tentado dissuadir de ir para o desastre de Alcácer Quibir. Tudo tinha a ver com as famílias que detinham e governavam os seus reinos, estabelecendo entre si acordos familiares pelos casamentos, pelo que os reinos iam e vinham consoante as heranças, os casamentos e as guerras que irmãos e primos faziam entre si. Não havia ainda na altura o conceito de Estado-Nação. Anos antes, houvera igualmente tentativas dos nossos reis para virem a herdar os reinos de Espanha por via da política de casamentos o que, por mero acaso, não veio a suceder. O 1º de Dezembro de 1640 foi um golpe de algumas elites na tradição acima referida e não uma revolta popular. Por mim, tenho um grande, muito maior respeito pelo que se passou entre 1383 e 1385, vendo aí verdadeiros motivos de celebração que, no entanto, passam ao lado dos feriados e das comemorações nacionais. Talvez porque o povo teve aí um papel decisivo.
Entendo, apesar de tudo, que alguma data deve haver para celebrar a independência de Portugal. Não havendo tradição na celebração da fundação essencial pelo acordo entre o nosso primeiro Rei Afonso e seu primo D. Afonso de Castela em 1143 ou da entronização do nosso Rei João I, o 1º de Dezembro também poderá servir para o efeito. 
É por isso que lamentei que esse feriado tivesse sido suspenso pelo governo de Passos Coelho e fico satisfeito com a sua reposição. Mas não posso deixar de me referir ao comentário de que essa suspensão do feriado se teria dado para apoucar ou menosprezar a data. De facto, numa situação de desespero económico-financeiro como aquela por que passámos em 2011/2013, faz todo o sentido puxar o mais possível pela produção nacional e os feriados contribuem, obviamente, para a reduzir. Para aqueles que se referem a esta situação com algum sarcasmo lembrarei muito simplesmente o célebre "dia de trabalho para a nação" de Vasco Gonçalves. Quando a situação é de penúria, fazem-se sacrifícios e quem não entende isto não pode cuidar do bem comum. Devo ainda recordar que a reposição deste feriado no corrente ano apenas antecipou em um ano o que estava anteriormente previsto para a sua reposição, que se verificaria em 2017. Numa situação em que, depois de os portugueses terem passado por grandes sacrifícios, já não dependemos do estrangeiro para todas as nossas contas, passamos a poder fazer escolhas. É por isso que fico satisfeito por voltarmos a poder prescindir da produção de um dia de trabalho, gozando de um feriado que relembra a recuperação da Independência. 
O que ouvimos dos principais responsáveis políticos neste 1º de Dezembro foi, contudo, lamentável a todos os títulos, por demonstrar falta de respeito pelos sacrifícios por que os portugueses passaram na sequência do resgate que nos trouxe a troika, chamada in-extremis em 2011 situação que, essa sim, significou verdadeira perda da nossa soberania. Façamos votos para que os responsáveis pela governação, na tentação do fácil e imediato, nunca mais nos coloquem na necessidade de pedir resgate seja a quem for, até pela situação gravíssima que os diversos nacionalismos a ressurgir por esse mundo, mas principalmente na Europa, nos poderão vir a criar.