segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Autarquias e representatividade





A Constituição da República Portuguesa prevê, no que respeita ao Poder Local, uma situação que não é habitual e que, em si mesma, introduz factores importantes de diferenciação na organização política e social das autarquias locais. Refiro-me aqui, em concreto, ao n.º3 do Art.º 239º que prevê a colegialidade para os órgãos executivos das autarquias locais, sendo designado presidente o primeiro candidato da lista mais votada. Como é normal, nas assembleias municipais estão os representantes de todas as forças políticas concorrentes, escolhidos de acordo com um método de representação proporcional, já que as suas funções são, essencialmente, deliberativas e de fiscalização da acção do executivo municipal. O que já não será tão habitual é que o próprio órgão executivo seja também constituído por representantes das forças políticas concorrentes às eleições, igualmente eleitos pelo método de representação proporcional. De facto, tal como acontece no Governo, o executivo municipal é o órgão da política local e, da mesma forma, poderia sair da força política mais votada ou que conseguisse a maioria na assembleia deliberativa. Mas, de facto, tal não acontece e não é evidentemente por acaso. Os constituintes de 1976, e neste aspecto as alterações posteriores da Constituição essencialmente não mexeram, entenderam que o poder local tem especificidades próprias e que não seria conveniente entregar a sua governação exclusivamente aos partidos vencedores, sem que a oposição tivesse a possibilidade de exercer a sua fiscalização dentro do próprio órgão executivo. Pessoalmente, já andei perto de pensar que a eficácia do poder local ganharia com uma alteração desta organização algo complexa, passando-se para executivos monocolores, que teriam ainda a vantagem de a responsabilização pela sua actuação por parte do eleitorado ser muito mais evidente e directa.
No entanto, como se costuma dizer, o caminho faz-se caminhando. E, ao fim de 40 anos de poder local democrático, o sistema que foi montado foi-se integrando no sistema político nacional, havendo mesmo a ideia de que, perante tudo o resto, não é o que funciona pior, muito pelo contrário.
De propósito, não abordo neste texto, as fragilidades do poder local que derivam na maior parte das vezes mais de defeitos e erros dos partidos políticos do que da organização política decorrente do texto constitucional. Essa análise pessoal ficará para outra oportunidade, espero que próxima.

O facto de os executivos municipais integrarem vereadores do partido do seu presidente, mas também outros de partidos que recolheram suficientes votos para neles participarem cria, nos vereadores ditos da oposição, um determinado tipo de responsabilidades políticas, mas não só, de que, infelizmente, não tomam muitas vezes consciência. Na realidade, os municípios não têm um governo de um partido e sim representantes escolhidos pelo povo que, umas vezes estão em desacordo com as medidas propostas pelo partido com responsabilidades de pelouros e votam em conformidade, mas outras vezes estarão de acordo e aprovam-nas. De uma posição e de outra não vem mal ao município, desde que todos assumam o seu papel.
Mas algo vai mal quando os edis escolhidos pelo povo se ficam pela participação nas reuniões do executivo para aprovar ou reprovar o que é proposto. A filosofia da Constituição é que o Executivo Municipal é composto por todos os vereadores eleitos, sejam da “situação” ou da “oposição”. E isso deverá transparecer para fora da “sala de reuniões da Câmara”, com a comparência em actos políticos, culturais ou mesmo apenas sociais promovidos pelo Município.


Não foi sempre assim, mas de há bastante tempo a esta parte tem-se notado que, quando um partido tem a presidência da Câmara, os vereadores dos outros partidos alheiam-se e não comparecem em actos públicos e a situação inverte-se quando muda o partido da presidência. Claro que cada um pode adiantar as razões que entender para a sua atitude, eventualmente responsabilizando o outro por falta de convite, ou qualquer coisa do género. Fica mal. Vereadores são todos os membros do Executivo e, se todos têm responsabilidades legais inerentes à sua eleição, têm igualmente responsabilidades representativas que, caso alijadas, bem poderão ser sentidas como desconsideração pelos eleitores que lhes confiaram o seu voto.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

A guerra e as escolhas




 No passado mês de Dezembro cumpriram-se 75 anos sobre um dos mais célebres episódios militares da História, o ataque japonês a Pearl Harbour na ilha havaiana de Oahu, que ditou a entrada dos EUA na II Guerra Mundial. Neste ataque surpresa foram destruídos vários couraçados, tendo sido severamente danificados vários outros couraçados, contratorpedeiros e cruzadores, e morreram mais de 2.400 americanos. Este episódio tem sido abordado quer na literatura, quer no cinema, sendo hoje bem conhecido, tal como as suas consequências que acabaram por levar à rendição do Japão após o lançamento das bombas atómicas em Hiroshima e Nagasaki em Agosto de 1945.
O ataque a Pearl Harbour teve um estratega, o Almirante japonês Isoroku Yamamoto. Após o ataque, fez um comentário em que referia “recear que apenas tivesse acordado um gigante adormecido”. E Yamamoto sabia do que falava. Apesar de considerado um sucesso, na realidade não estava nenhum porta-aviões americano em Pearl Harbour, os submarinos não foram danificados e os depósitos de combustível também escaparam e ele sabia o que isso significava. Quando jovem Yamamoto foi para os EUA onde estudou na Universidade de Harvard então, como hoje, uma das universidades mais prestigiadas. Aí, a sua percepção do mundo mudou certamente da visão imperialista e fechada da filosofia medieval da “honra” dos samurais para uma abertura cosmopolita, mudança que terá sido ainda acentuada pelas suas funções posteriores de Adido Naval em Washington.

Por tudo isso era um opositor declarado à entrada do Japão em guerra com os EUA. Além de que, sendo um profundo conhecedor desse país onde vivera tantos anos, sabia exactamente o que significaria para o Japão entrar em conflito militar com os EUA. Por causa dessas suas posições, a sua vida ficou mesmo em perigo junto da clique militarista que rodeava o Imperador pelo que, se a nomeação como Comandante-chefe da Frota Combinada foi uma boia de salvação momentânea, colocou-o também na posição de responsável estratégico pela preparação do início da guerra com os EUA. E planeou um ataque de forma a infligir o máximo de estragos à Marinha Americana no Pacífico de uma só vez, prevendo a utilização de centenas de aviões transportados em porta-aviões, numa tática moderna até aí não utilizada. Os militares americanos falharam aqui redondamente porque, por um lado acreditaram que não haveria ataque sem prévia declaração de guerra e, por outro lado, não acautelaram devidamente a hipótese de ataque aero-naval combinado à distância que, no entanto, tinha sido previsto e analisado em pormenor pelo próprio Yamamoto enquanto fazia a sua preparação na América.
Yamamoto sabia que o ataque a Pearl Harbour, celebrado como uma grande vitória no Japão, havia sido um fracasso estratégico. Tal veio a confirmar-se seis meses depois num dos piores desastres navais da História, a batalha naval de Midway, em que quatro porta-aviões japoneses foram afundados pela Marinha Americana utilizando precisamente os seus porta-aviões que tinham escapado ao ataque de Pearl Harbour e que, mais uma vez, Yamamoto tentava destruir. O poderio naval japonês ficou praticamente anulado comprometendo definitivamente as aspirações de domínio do Pacífico pelo Império do Sol Nascente e colocando o Japão ao alcance dos aviões americanos. Em Abril de 1943, Yamamoto seria vítima de uma missão da aviação americana designada apropriadamente “vingança” que visou deliberadamente o abate do avião em que se deslocava quando fazia uma visita às Ilhas Salomão.
Antes de Pearl Harbour Yamamoto tinha avisado o governo japonês de que, depois de entrar em guerra com os EUA, estes demorariam entre seis meses a um ano a virar a sorte da guerra contra o Japão. Não conseguindo demover o seu governo, trabalhou depois para conseguir o máximo de eficácia naval com vista a obrigar os americanos a negociar a paz. Foi assim que delineou o ataque a Pearl Harbour e, depois às Ilhas Midway para eliminar a Marinha Americana e conseguir um domínio sobre todo o Pacífico.

 A batalha de Midway ainda hoje é estudada pelos oficiais de marinha e, embora os comandantes americanos chefiados pelo Almirante Nimitz tenham tido uma acção notável, não pode deixar de se pensar que a sorte teve também um papel essencial no resultado.
E Yamamoto ficou igualmente na História como um militar excepcional que, no entanto, colocou toda a sua competência e conhecimento ao serviço de uma política infame, com a qual aliás nem concordava, ligando a sua sorte ao destino dos criminosos imperialistas japoneses.

domingo, 15 de janeiro de 2017

Cumprimento do défice

Eis o número de vezes que os países europeus não cumpriram o défice de 3%.
Pelos visto a Grécia nunca cumpriu. Nós não andamos muito longe. Retrato miserável da despesa  exagerada dos governos.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Até sempre, Zé




 Podem fazer-se muitos ensaios científicos sobre o relacionamento entre as pessoas, que nunca encontrarão o fundamento e a razão da Amizade. Sentimento que nasce de companheirismo em boas horas e outras mais difíceis, de muitas horas de conversa e de discussão e de algo mais profundo que tem a ver com alguma empatia entre personalidades que, vistas de fora, até poderão parecer completamente diferentes ou mesmo opostas. Diferentemente da pulsão erótica, a amizade não pretende concretizar qualquer desejo e, por outro lado, ainda muito menos obter algo do outro. Parte do gosto de estar com, de partilhar sem compromissos nem necessidade de salvaguardar seguranças. Quando se constrói uma amizade assim é para sempre e mantém-se apesar da distância, não necessitando de juramentos. Nos reencontros, ainda que separados por anos, é como se a conversa continuasse e não tivesse havido interrupção.
Há poucos dias deixou-nos um grande Amigo, o Dr. José Manuel de Miranda Plácido dos Santos. Personagem inconfundível, de grande brilho intelectual, marcou todos aqueles que com ele contactaram ao longo da vida, e não foram poucos, dada a sua capacidade de estabelecer relações. Senhor de uma grande personalidade, desde muito novo que se habituou a ser independente, o que lhe conferiu um grande grau de exigência, desde logo para com a sociedade de que detestava hipocrisias que não admitia mesmo aquelas que todos nós nos habituámos a tolerar de certa forma, mas fundamentalmente para consigo próprio.
A sua faceta epicurista surgia quando à mesa com os amigos, suscitando longas conversas, em que a boa disposição nunca andava longe, ainda que os temas fossem, como aliás era muito frequente, de profunda densidade social, política ou mesmo filosófica. Quando de alguma forma ajudava alguém a superar uma dificuldade, ao agradecimento costumava responder com um sorriso aberto e a sua célebre frase “os longos anos e a experiência dão-me a certeza de servir bem os meus clientes”. E era assim, com a maior das simplicidades, que seguia adiante. Com esta sua maneira de ser, não é de admirar o elevado número de amigos que conquistou ao longo da vida, sem nunca distinguir classes sociais ou fortuna.
Poucos anos depois de se licenciar em Direito, foi viver com a família para o Algarve, onde construiu uma notável carreira de advocacia. A sua casa em Estômbar era um poiso para todos os seus amigos de Coimbra, tendo a porta sempre aberta para os receber com o seu carinho inexcedível.
Quis o destino que, poucas semanas depois de celebrar os sessenta anos, fosse infectado por uma mortífera bactéria ultraresistente ao fazer uns simples exames hospitalares na terra que o viu nascer, Coimbra, e que rapidamente o levou da companhia dos seus. Diz-se frequentemente que os melhores são os primeiros a partir e neste caso é a perfeita verdade.
Infelizmente, as circunstâncias da vida não me permitiram comparecer à sua festa dos sessenta anos, nem às suas cerimónias fúnebres, mas não ficaria de bem com a minha consciência se não deixasse aqui estas simples palavras. Coimbra perdeu certamente um dos seus melhores filhos e, se é verdade que a amizade não se agradece, aqui fica ao Zé Plácido o agradecimento por ter sido quem foi. Até sempre, Zé.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

2017: Corridas em vias paralelas




 Entrámos num ano que já todos sabemos de antemão ir ser cheio de dificuldades, dramas e mesmo confusões um pouco por todo o mundo. Depois de um ano em que por todo o lado se tentou abafar ou apenas esconder a realidade dos cidadãos, os resultados dos erros e mentiras vão surgir à luz do dia e, em muitos casos, não deverão ser bonitos de se ver. Como se houvesse uma parte do mundo que tenta viver dentro de um conforto habitual, enquanto outra parte resolveu acelerar e partir para outra realidade que não tem nada a ver com aquela e que corre noutra faixa.
As mudanças trazidas pela eleição de Donald Trump nos EUA vão ser catalisador para muitas alterações no xadrez mundial e que ninguém pense que só terão implicações internas. O eixo que já se vê em formação entre a Rússia e a América irá ter grandes implicações económicas e, sobretudo, políticas. A auto-defesa dos dois gigantes vai colocar um travão na globalização, o que de imediato provocará reacção da actual grande fornecedora mundial de bens de consumo que é a China. O exercício de António Guterres do cargo de Secretário Geral das Nações Unidas vai ser muito mais difícil do que se poderia supor e só podemos esperar que ele tenha mudado muito nos últimos quinze anos depois da fuga do “pântano”, para que esse exercício seja um êxito, como todos desejamos.

Na Europa, as eleições francesas já em Abril/Maio e as alemãs no Outono, trazem os responsáveis europeus em fuga constante da realidade, esperando não agitar muito as águas para evitar resultados catastróficos para a União. A presidência de François Hollande, a todos os títulos lamentável, colocou Marine Le Pen ainda mais perto de ser presidente da França do que nas últimas eleições, obrigando a exercícios de malabarismo por todas as outras forças políticas. Por toda a Europa se reza aos santinhos para que Angela Merkel vença as eleições alemãs, mesmo por muitos cuja principal diversão nos últimos anos foi insultá-la e desfazer na sua política. O que se passou nos patéticos referendos na Grã-Bretanha e na Itália não é de molde a sossegar ninguém, não se percebendo como o governo inglês e a Comissão Europeia continuam a assobiar para o lado, fingindo não ver o enorme monstro que ali está a olhar para eles.
Em Portugal, parece haver igualmente duas realidades que correm lado a lado. Para satisfação dos burocratas da União Europeia, o país apresenta um número de défice de 2016 que lhes evita terem que tomar decisões sempre difíceis, principalmente numa altura em que aquilo de que querem menos ouvir falar é em mais sarilhos.
 Que o número seja atingido com o desaparecimento do investimento público que é, em função do PIB, só o mais baixo dos últimos 60 anos e que os serviços públicos como a saúde e a educação penem com dificuldades financeiras inauditas, isso não é obviamente o problema deles. Já o crescimento da dívida a um ritmo de 40 milhões de euros por dia em todos os dias de 2016 deveria preocupá-los, mas lá está, desde que o défice se cumpra, “no problem”. E para manter as taxas de juro num valor aceitável, o Banco Central Europeu lá vai dando diariamente o seu copinho de metadona aos viciados em dívida através da compra maciça de dívida pública, enganando a realidade, evitando reformas e assim comprando problemas ainda maiores no futuro, com os “malvados mercados” sempre à espreita.
Como o discurso do maior partido da Assembleia da República, circunstância que o facto de estar na oposição não anula, é altamente inconveniente porque não tem alinhado com esta realidade correndo na sua própria pista, abriu a caça à sua liderança. Como argumentos, nada melhor que acenar com sondagens em que hoje em dia ninguém acredita e salientar dificuldades na preparação das autárquicas que serão só no próximo Outono. Quando surge um pouco mais de política nos discursos, lá surge o estafado argumento de que o PSD já não é verdadeiramente social-democrata e que agora está muito liberal. Parece que voltámos aos tempos da caça a Sá Carneiro, desde os tempos do grupo de Sá Borges em 75 até aos inefáveis “Inadiáveis” de Abril de 79 que, curiosamente, viram a AD ter maioria absoluta em Dezembro do mesmo ano, todos eles sempre a bater nessa mesma tecla.

O ano de 2017 não vai ser fácil para ninguém, por mais sorrisos que se mostrem em público. Só podemos fazer votos para que Trump e Putin não façam demasiados disparates, que a União Europeia sobreviva aos resultados eleitorais em França e na Alemanha e que, entre nós, se consiga fugir a um destino que parece traçado e por que tantos anseiam, já que os seus esforços para que tal suceda são enormes e permanentes.