segunda-feira, 27 de março de 2017

A MÁQUINA COMO OBJECTO




 A medição do tempo foi sempre uma das preocupações do homem desde os tempos mais imemoriais.
De facto, as nossas vidas são reguladas em função dos ritmos que a Natureza nos impõe, dado que os dias se sucedem aos dias e os anos aos anos com a maior regularidade. Pelo meio, numerosos acontecimentos se sucedem, como as estações do ano e as fases da Lua.
Não admira que o Homem se tentasse orientar naquilo que parece ser uma grande complicação, e tão superior a ele próprio. 
Na verdade, desde a antiguidade que a humanidade engendrou sistemas para, de uma forma ainda muito primitiva, prever as estações do ano e os principais momentos do ano, como os solestícios e os equinócios. Tudo isto a partir de uma sistemática observação dos astros que permitia alguma orientação no tempo, facilitando a actividade humana, por exemplo facilitando o conhecimento do tempo para as plantações e do tempo para as colheitas. Por isso se foram definindo diversos calendários em função do pouco que se conhecia, um saber que se foi ampliando ao longo dos séculos.
Como sabemos, a Terra gira em volta do Sol, sendo a duração dos dias calculada em função dessa translação da Terra, que demora 365,242199 dias a completar-se.
O calendário actualmente seguido na maior parte dos países é o calendário gregoriano, introduzido pelo Papa Gregório XIII em 1582, e que vinha substituir o calendário anteriormente definido por Júlio César e Cleópatra que, por partir de uma duração do ano de 365,25 dias, levava já no século XVI um erro de 10 dias inteiros. Este erro foi resolvido através da adopção do sistema dos anos bissextos.
Só há poucos séculos o Homem conseguiu desenvolver máquinas capazes de “medir” o tempo com algum rigor: os relógios. Consta que a primeira manufactura, a Blancpain, iniciou a sua produção na Suíça em 1735.
Antes, havia produção de máquinas complicadas para medição do tempo, construídas de forma muito secreta para os navios. De facto, os nossos navegadores de quinhentos navegavam muito às cegas, pois embora conseguissem já calcular com alguma precisão a latitude da sua posição pela altura dos astros, a fundamental longitude era-lhes completamente impossível de calcular. Assim, os navegadores portugueses podiam andar até bastante próximos da costa africana ou da sul-americana, mas desconheciam completamente esse facto.

Só o aparecimento dos primeiros relógios marítimos, conhecidos como cronómetros, veio a permitir calcular a longitude a bordo, através do conhecimento da hora no ponto de partida, imaginando-se o valor de tais aparelhos para quem os possuísse.
Assim que o conhecimento das técnicas de fabrico relojoeiro se difundiu, começaram a surgir manufacturas, algumas das quais ainda hoje existem, como a já citada Blancpain.
Breguet, por exemplo, começou a laborar em Paris em 1775, conseguindo captar clientes como Luis XVI e Maria Antonieta. Esta última, aliás, ficou célebre na indústria relojoeira por ter feito uma encomenda que, pela sua complexidade, só pode ser concretizada cerca de quarenta anos após a sua trágica morte. Curiosamente, até Napoleão foi um orgulhoso possuidor de uma máquina desta marca, que o acompanhava nas suas campanhas militares.
Consta que o primeiro relógio de pulso foi uma ideia do aviador Santos Dumont, que demonstrava desta forma ser detentor de um grande sentido prático. A marca que lho forneceu em 1904 foi a Cartier, que ainda hoje produz um belo modelo chamado Santos.
O século XX viu desenvolver-se a indústria relojoeira, particularmente na Suiça, de uma forma que permitiu a qualquer cidadão, por mais humildes que as suas posses sejam, possuir no pulso uma máquina que não o deixe ficar perdido, isto é, sem saber a que horas anda. Hoje em dia esse problema não existe, mas no início do século XX não era fácil saber se se chegava adiantado ou atrasado a um compromisso, ou mesmo ao emprego.
As diversas marcas foram desenvolvendo mecanismos, os chamados “calibres”, cada vez com mais precisão e capazes de fornecer muitas outras informações, para além das horas e dos minutos. Surgiram assim as “complicações” e até as “grandes complicações” que nos podem dizer o dia do mês, o dia da semana, o mês, o ano, a estação do ano e a fase da Lua. Isto para além de poderem ser cronógrafos, isto é, medir períodos de tempo concretos e informarem sobre médias de velocidade. Que nos podem dizer, é uma forma de expressão, dado que tais máquinas atingem hoje facilmente um valor de várias dezenas ou mesmo centenas de milhares de euros.
Uma das “complicações” mais complexas jamais produzidas é o modelo Blancpain 1735, que permite ter num mero relógio de pulso um turbilhão, repetidor de minutos, calendário perpétuo e cronógrafo.
O turbilhão merece uma referência especial. Os antigos relógios de sala estavam sempre na mesma posição, o que lhes provocava faltas de precisão ao longo do tempo, devido à força da gravidade. A solução inventada pela Breguet foi colocar as peças principais numa “gaiola”, que rodava toda ela em conjunto e à parte, efectuando uma rotação por minuto, e evitando assim os malefícios da gravidade. Essa invenção foi posteriormente adaptada aos relógios de pulso, num prodígio de engenharia e miniaturização. Quase todos os relógios com turbilhão o ostentam orgulhosamente no mostrador, sendo o seu movimento mágico e mesmo hipnotizador aos nossos olhos.
Recentemente, a Jaeger-LeCoultre, uma das melhores e das mais antigas manufacturas suíças, desenvolveu o giroturbilhão, que é um turbilhão esférico absolutamente espantoso de observar no seu funcionamento, que parece rodar suspenso no interior do relógio.
Como a Natureza é muito mais complexa do que parece, o tal ano medido em relação ao Sol é diferente do ano sideral, isto é, medido em relação às estrelas. Como a Terra roda em torno do seu eixo como um pião, e esse eixo está inclinado em relação ao eixo Norte-Sul, variando aliás também essa inclinação ao longo de milhares de anos, existe a chamada “precessão dos equinócios” que faz rodar a eclítica sobre o equador celeste, baralhando ainda mais as contas.

Acresce ainda que o dia definido acima em função da translação da Terra em volta do Sol é apenas um valor médio. Na realidade, como a Terra nessa translação segue uma elipse imperfeita, a duração real dos dias varia entre 23 horas e 44 minutos em 3 de Novembro e 24 horas e 14 minutos em 11 de Fevereiro, havendo quatro dias por ano com duração igual à duração média. A diferença entre estas duas durações chama-se “equação do tempo” e, pasme-se, existem relógios mecânicos capazes de resolver constantemente a equação do tempo no mostrador.
Na década de setenta do século passado, começaram a surgir os relógios de pulso electrónicos, funcionando a pilha, quase todos com origem no Japão. Como são muito mais precisos e mais baratos que qualquer relógio mecânico, a sua divulgação mundial foi imediata. Em consequência, a indústria relojoeira suíça quase foi à falência. Foi salva pela visão de Nicolas Hayek que resolveu fabricar na Suíça relógios de quartzo muito baratos, os Swatch, mas com uma grande componente de marketing, que transformou uma máquina essencialmente utilitária num objecto de culto. O sucesso foi gigantesco, tendo essa imagem de objecto de culto sido transferida para os relógios mecânicos de alta qualidade. Assim se salvou uma indústria que parecia já não ter lugar nos dias de hoje.
Existe um relógio mecânico que tem uma história muito especial, que merece ser contada, embora de forma sucinta. O modelo Speedmaster da Omega é ainda hoje o único relógio usado pelo homem na Lua e isso deve-se a vários factores muito curiosos. O modelo foi desenvolvido pelo fabricante na década de 50 e colocado no mercado em 1957. Quando os responsáveis da NASA desenvolveram o programa Apolo na década de 60 para levar o Homem à Lua, compraram cronógrafos de diversas marcas de qualidade numa loja de Houston e submeteram-nos a testes previamente definidos. O único que respondeu a todos os requisitos foi precisamente o Omega Speedmaster, pelo que a NASA mandou comprar numa loja perfeitamente vulgar os relógios que entendia necessários para os seus astronautas. Tudo isto sem conhecimento do fabricante. A Omega só soube do que se passava quando alguém da empresa reparou, numa fotografia dos astronautas no espaço, que o relógio que ia nos pulsos era fabricado por eles. Como desde as missões Apolo não houve mais nenhum homem a ir à Lua, o Speedmaster continua a ser o único relógio a ter sido usado no nosso satélite natural, sendo esse facto motivo de orgulho da marca e bom motivo de publicidade. Com este relógio passaram-se ainda duas outras histórias interessantes que justificam bem que ainda hoje seja o modelo mais procurado da marca. A missão Apolo XIII, como é bem conhecido, teve uma história dramática. A meio do caminho uma explosão avariou os sistemas a bordo da nave e obrigou a um regresso, com passagem por detrás da Lua para aproveitar o efeito da gravidade e impulsioná-la para o regresso a casa. Boa parte dos procedimentos baseou-se da precisão dos Speedmaster a bordo. O sucesso da manobra elevou aos píncaros a confiança naquele relógio. Por outro lado, na década de 70 um fabricante americano, a Bulova, forçou a NASA a cumprir uma lei americana que obrigaria a agência a escolher preferencialmente produtos americanos, desde que equivalentes em qualidade. A NASA fez um novo concurso, tendo os principais fabricantes de cronógrafos enviado os seus produtos para os testes incluindo, claro está, a Bulova. Mesmo a Omega enviou dessa vez não só o Speedmaster mas também um novo modelo de quartzo. Incrivelmente, o único modelo que passou em todos os novos testes foi de novo o velhinho Speedmaster. Claro que o fabricante ainda hoje o produz, continuando a ser mais barato que relógios equivalentes da concorrência.

Os relógios suíços de qualidade são hoje objectos de culto pelo mundo inteiro e a sua indústria uma componente crucial da economia daquele país. O coleccionismo destas máquinas transformou mesmo o negócio. Hoje em dia, ninguém compra um relógio mecânico apenas para saber as horas. Essa função é cumprida de forma muito mais eficiente pelos relógios de quartzo. Os relógios mecânicos de qualidade são comprados pela sua beleza, pela máquina que se sabe bater lá dentro e pelo prestígio que transmitem aos seus possuidores.
A indústria relojoeira suíça é um caso exemplar nos dias de hoje e caso de estudo nas escolas de negócios. Conseguiu usar as armas de quem a estava a matar para recuperar e virar do avesso todo um negócio. Todos os anos são apresentados novos modelos cada vez mais complicados e precisos, que revelam uma capacidade de inovação e tecnologia de miniaturização e precisão impossíveis de alcançar por qualquer outra indústria. É ainda a prova de que o marketing bem desenvolvido e orientado é crucial para criar todo um novo mercado e participar na manutenção da indústria bandeira de um país que, note-se, tem que importar todos os materiais que fazem parte de um relógio, impondo-se por uma enorme capacidade de criação de valor.

segunda-feira, 20 de março de 2017

O rumo da (ainda nossa) Europa







Um dos obstáculos à prossecução do caminho europeu foi ultrapassado na semana passada, com os resultados das eleições holandesas. O partido de extrema direita PVV de Gert Wilders que colocava em causa a continuidade da Holanda no Euro ou mesmo na União Europeia com as suas posições extremistas e populistas ficou longe da vitória. Apesar de ter descido na votação, ganhou o partido VVD do actual primeiro-ministro Mark Rutte, que terá agora de refazer a coligação governamental, já que o partido socialista praticamente desapareceu.
Faltam as eleições francesas em Abril e Maio e as alemãs em finais de Setembro. A campanha eleitoral francesa está paralisada pelo escândalo do candidato da direita François Fillon que ocupa todo o espaço mediático, impedindo qualquer discussão política séria entre os candidatos. Apesar do sucedido e da hecatombe da sua campanha Fillon recusou-se a desistir, deixando o campo da direita praticamente sem candidato. O jovem candidato centrista Emmanuel Macron vê-se assim numa situação que não desejava e que notoriamente o traz com um discurso algo perdido. Mesmo Marine le Pen se vê em dificuldades perante uma situação política que baralha os discursos, sem que as suas habituais propostas anti europa se sobreponham ao noticiário dos escândalos de Fillon. Os outros candidatos da esquerda Jean-Luc Mélenchon. e Benoît Hamon queixam-se de pura e simplesmente não serem ouvidos no meio do ruído mediático que abafa a campanha. Perante este cenário torna-se muito difícil fazer previsões sobre os resultados.

Na Alemanha os motores dos partidos ainda não aqueceram, havendo apenas sondagens em que, algo surpreendentemente, o social-democrata Martin Schulz que fez carreira política mais no parlamento europeu do que na Alemanha surge com intenções de voto semelhantes às de Angela Merkel. Se o resultado eleitoral do partido de extrema-direita “Alternativa para a Alemanha” (AfD) liderado por Frauke Petry permanece ainda uma incógnita, não deverá no entanto ser significativo se Le Pen sair derrotada em França. Sendo Merkel ou Schulz chanceler, há uma grande probabilidade de haver de novo uma grande coligação a governar a Alemanha de uma forma não muito diferente da actual.
Quanto à União Europeia, está notoriamente paralisada à espera dos resultados eleitorais da França e da Alemanha. Caso os populistas saiam derrotados, restará a questão do Reino Unido que, recorda-se, não integra a zona Euro, podendo então ultrapassar-se a situação pantanosa em que tem vivido no último ano.
Aí Portugal terá que enfrentar uma nova situação e deixarão de folgar as costas. O BCE tem amenizado os problemas da nossa gigantesca dívida, que continua a crescer a um ritmo preocupante, com a compra de dívida pública, ou “quantitative easing”, como forma de estímulo à economia, o que deverá cessar antes do fim do ano. Recorda-se que, mesmo com essa política do BCE, em 2016 o nosso crescimento económico ficou abaixo do previsto no Orçamento, sendo mesmo inferior ao de 2016 e os spreads da nossa dívida relativamente à alemã continuam num nível altamente crítico. No que respeita ao défice de 2016 que tem sido apresentado como tendo sido de 2,1% do PIB, já não é segredo para ninguém que esse valor não é sustentável como foi salientado pelo Conselho de Finanças Públicas, tendo sido obtido por receitas extraordinárias e por adiamento de pagamentos e um corte drástico no investimento que foi o mais baixo das últimas décadas. Num recente artigo num jornal diário nacional, o ex-deputado socialista Vítor Baptista sustentava ter sido o défice real de 3,4 na lógica da contabilidade nacional. Por alguma razão o ministro das Finanças alemão nos convidou na semana passada a verificarmos com cuidado se não vamos precisar de outro resgate. 

A União Europeia sabe muito bem o que se passa em Portugal e nas nossas contas, preferindo assobiar e olhar para o lado enquanto não se resolverem as eleições nos grandes países europeus. E depois? Bem, depois a realidade cairá em cima de nós e, eventualmente, tomará força a ideia da Europa a duas velocidades. Os países do Norte da Europa deixarão de ter razões para puxar por nós deixando de nos financiar e em pouco tempo sairemos do Euro e mesmo da União. Tal como é desejado pelos populistas de toda a Europa, (que defendem o fim da moeda única, do livre comércio, o restabelecimento das fronteiras e do controlo nacional sobre a moeda, a renegociação da dívida, etc.,) incluindo os que cá temos, que entre nós são de extrema-esquerda, e que suportam o Governo minoritário socialista.

terça-feira, 14 de março de 2017

JARDINS DE BENFICA

Assim eram os jardins de Benfica em 1785, por Jean-Baptiste Pillement



(retirado de https://mydailyartdisplay.wordpress.com/)

segunda-feira, 13 de março de 2017

Autárquicas 17: para onde vai Coimbra?


 Todos os sinais apontam para que as próximas eleições autárquicas em Coimbra venham a proporcionar aos eleitores uma inusitada possibilidade de escolha. Tal facto é, já por si, de saudar como uma capacidade da sociedade gerar dentro de si respostas para questões que, neste momento concreto, sente como vitais para a definição do futuro. O regime democrático assenta nos partidos que são a expressão política do livre associativismo, dando voz às diversas opções político/ideológicas. Mas a liberdade de expressão política não deve ser exclusiva dos partidos, razão por que existe a possibilidade de surgimento de candidaturas independentes dos partidos nas eleições autárquicas.
É hoje evidente algum cansaço eleitoral que se traduz nas taxas de abstenção que têm vindo a subir paulatinamente de acto eleitoral para acto eleitoral. A actuação dos partidos não é alheia a este abstencionismo. Particularmente a nível local fecham-se nas suas estruturas não surgindo publicamente senão em alturas de eleições. Dentro de poucos meses os conimbricenses vão ter a possibilidade de fazer uma opção dentro de um leque variado de propostas. Desde logo, os partidos tradicionais vão estar presentes com as suas candidaturas. O PCP, através da coligação CDU que há anos é a sua imagem eleitoral, vai certamente apresentar uma candidatura à semelhança das eleições anteriores, sendo o cabeça de lista à Câmara Municipal o responsável pela estrutura partidária concelhia. O resultado eleitoral da CDU não deverá ser muito diferente dos anteriores, pelo que garantirá o seu lugar na vereação, muito provavelmente para gerir aquela que muitos chamam a segunda câmara que está instalada há anos na Rua da Sofia. Como em equipa que ganha não se mexe, o PS já indicou como candidato à Câmara o seu actual presidente Manuel Machado, não devendo haver por aí grandes novidades. Manuel Machado já é bem conhecido dos conimbricenses, no que tem de bom e naquilo que tem de menos bom pelo que, a ser reeleito, o seu mandato não deverá trazer grandes surpresas de actuação e Coimbra continuará no trajecto dos últimos anos. Do lado do PSD surgiu uma candidatura cuja face é o médico Jaime Ramos que já era aguardada há anos. Desta vez regressa a coligação com o CDS e com o PPM, pelo que a possibilidade de vitória é real, atendendo a que o PSD nunca ganhou as autárquicas em Coimbra, concorrendo sozinho. Acresce que Jaime Ramos tem experiência autárquica e possui um currículo notável na área da intervenção social. A vitória da coligação dependerá, no entanto, da capacidade de afirmação para além dos partidos que a compõem, com tradução não só nas propostas, mas também na composição das equipas, que deverão afirmar-se pela qualidade e independência, mas sem perder a alma da base política que a sustenta.
Os Cidadãos por Coimbra voltarão certamente a apresentar-se nestas eleições. A sua imagem de independência está de alguma forma afectada pela preponderância do Bloco de Esquerda que toda a gente sente, malgrado a actuação verdadeiramente independente e capaz do seu actual vereador Ferreira da Silva. A hipótese de o actual representante do CPC não voltar a ser cabeça de lista e a forma como José Manuel Silva foi publicamente tratado não auguram, contudo, um resultado superior ao das últimas eleições.
A surpresa destas autárquicas reside na apresentação de uma nova candidatura independente, personalizada no candidato a presidente da Câmara, o antigo bastonário da Ordem dos Médicos José Manuel Silva. A sua imagem de independência radical e a capacidade de afirmação poderão garantir-lhe, á partida, a eleição de um ou dois vereadores. Um resultado acima disso será extremamente difícil, devendo o médico, para além das propostas que serão garantidamente de qualidade, evitar rodear-se de académicos que tradicionalmente não são muito bem recebidos pelo eleitorado de Coimbra, pese embora o factor Universidade na cidade. A comparação com o caso de Rui Moreira no Porto poderá ser enganadora já que, por detrás da sua candidatura, havia muito do mundo dos partidos, do PS ao CDS, passando por muitos apoiantes de Rui Rio no PSD.
Sendo certo que daqui até à marcação da data das eleições alguma surpresa ainda poderá surgir, o cenário inicial das autárquicas não deverá fugir muito do que aqui se deixa descrito. A partir daí, o resultado final dependerá da capacidade de afirmação das diferentes candidaturas perante as outras, aos olhos do eleitorado.


segunda-feira, 6 de março de 2017

Há doenças, ou pessoas raras?




 Todas as pessoas são diferentes e únicas, logo cada uma é a própria definição de raridade: é impossível encontrar outra completamente igual, no meio das mais de sete mil milhões de pessoas que habitam o mundo nos dias de hoje.
Além da sua raridade como ser humano, há ainda outras pessoas que têm ainda outra circunstância específica: padecem de doenças que atingem muito poucas pessoas. Tão poucas, que são no máximo uma em cada duas mil pessoas sendo, em Portugal, uma população de 600 a 800 mil pessoas. Algumas dessas doenças atingem alguns milhares de pessoas, mas outras há que não ultrapassam as escassas dezenas ou ainda menos. Daí se percebe uma das maiores dificuldades trazidas por este tipo de doenças, que é o facto de, sendo o número de doentes tão reduzido, não suscitarem um grande interesse económico na pesquisa e procura de tratamentos específicos por parte da indústria farmacêutica.
De entre as cerca de 7.000 doenças classificadas como raras, há um grupo específico que é objecto de investigação científica em Coimbra, com vista ao seu diagnóstico, conhecimento das causas e pesquisa de terapêuticas.
Integrado no Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra, o Laboratório de Bioquímica Genética (LBG), faz investigação de referência nacional e internacional na área das Citopatias Mitocondriais. Trata-se de mais um laboratório na área da medicina em Coimbra, quase desconhecido do grande público, e que se afirma pela qualidade e exigência do seu trabalho de investigação.
As citopatias mitocondriais são doenças raras, ainda sem cura, ao nível das mitocôndrias que, basicamente, são as fábricas de energia do nosso organismo.
Apesar da dificuldade de encontrar material de trabalho, devido precisamente à raridade destas doenças, o LBG leva já vinte e dois anos de desenvolvimento de testes bioquímicos e genéticos numa investigação com o objectivo de encontrar métodos de diagnóstico mais capazes e de descobrir terapêuticas eficientes. A sua directora Prof. Doutora Manuela Grazina é um exemplo de entusiasmo e dedicação profissional que transforma o seu trabalho numa verdadeira missão.
No passado dia 28 de Fevereiro ocorreu o Dia Internacional das Doenças Raras e, como era em simultâneo o dia de Carnaval, Coimbra teve a possibilidade de participar num Concerto especial da Orquestra Clássica do Centro que aliou a alegria da festa do entrudo ao apoio ao LBG, dado que o valor da bilheteira lhe foi dedicado.
Na continuação da colaboração entre as duas entidades, hoje à noite no Pavilhão Centro de Portugal, vai ainda decorrer um jantar comemorativo do aniversário do Laboratório de Bioquímica Genética, sendo o valor apurado destinado também a ajudar financeiramente o LBG que necessita muito de ser apoiado.
O desconhecimento generalizado destas doenças é uma dificuldade acrescida, quer para os serviços de saúde que têm de fazer o seu diagnóstico e tratamento, quer para os familiares dos doentes que, para além da doença, têm que lidar com a falta de informação.
Por isso mesmo, a existência de um laboratório que se dedica precisamente ao estudo dessas doenças é um bem social inestimável, merecendo quem lá trabalha e se dedica a ajudar estes doentes todo o apoio dos responsáveis pela investigação em Portugal, mas também o reconhecimento dos cidadãos em geral, para além da comunidade científica.
Nestas linhas semanais tenho, com a humildade de quem observa de fora e cuja relação com a área da saúde é apenas a de utente, sublinhado a relevância para Coimbra do sector económico ligado à saúde. Mas não deveremos esquecer que esse sector só se tem afirmado porque existe por detrás uma capacidade excepcional ao nível do conhecimento e da excelência da investigação científica, como é o caso do Laboratório de Bioquímica Genética.