segunda-feira, 24 de julho de 2017

Apollo XI



Passam hoje 48 anos sobre o regresso à Terra de três heróis contemporâneos, Neil Armstrong, Edwin “Buzz” Aldrin e Michael Collins, depois de terem sido os primeiros homens a viajar até à Lua e regressarem. Dois deles, Neil Armstrong e Edwin “Buzz” Aldrin foram mesmo os primeiros a descer ao nosso único satélite natural.
Tal como reverenciamos os exploradores marítimos portugueses de quatrocentos, devemos também homenagear estes homens que conquistaram um lugar na memória colectiva da Humanidade com a circunstância feliz de serem do nosso tempo, estando Edwin Aldrin ainda vivo e testemunhando um pouco por todo o lado o que foi viver aquela experiência. Aquele dia 21 de Julho de 1969 em que o módulo lunar Eagle da Apollo XI pousou suavemente na superfície lunar e dois homens caminharam pela primeira vez na Lua é um momento que ficou impresso na memória de todos os que tiveram oportunidade de o testemunhar, ainda que pela televisão a preto e branco, como foi o meu caso. Nos anos seguintes, outras missões semelhantes se seguiram, tendo a Lua sido visitada por um total de 12 pessoas, das quais as últimas foram Eugene Cernan e Harrison Schmitt da missão Apollo XVII em Dezembro de 1972. Numa dessas missões, a Apllo XIII, a tragédia esteve por um fio para acontecer, por avaria dos sistemas de oxigénio da nave, mas a coragem e conhecimentos técnicos dos astronautas permitiram o seu regresso em segurança à Terra depois de contornarem a Lua numa viagem de grande dramatismo, mas que acabou em bem.

Hoje em dia, para a maior parte das pessoas, parece mentira que algum dia tenha havido homens a passear no solo lunar, dado que isso não voltou a acontecer desde 1972. A investigação espacial tomou outro rumo e a tecnologia é hoje tão avançada que dispensa a ida de pessoas aos locais, havendo equipamentos comandados à distância com sensores que procedem a todos os testes, recolha de materiais, etc. As naves automáticas viajam nos nossos dias transmitindo informações para a Terra de paragens tão longínquas como Saturno, em cuja atmosfera dentro de poucas semanas mergulhará a sonda Cassini depois de ter orbitado vinte vezes em torno do planeta e de ter atravessado sem estragos os respectivos anéis.
O romantismo da ida à Lua que alimentou os sonhos de tantos durante séculos está hoje ultrapassado, falando-se agora em deslocações humanas a Marte para lá se estabelecerem colónias mas, acompanhando os tempos, em viagens privadas com intuitos comerciais.
Aquele momento em que Neil Armstrong colocou o pé na superfície lunar e proferiu a sua célebre frase “é um pequeno passo para um homem, um salto gigantesco para a humanidade” que, fosse ou não preparada mantém o seu profundo significado, permanecerá sempre como o símbolo do querer e da capacidade humana de se ultrapassar. O ano de 1969 era o último da década de sessenta e estava quase a terminar o prazo que o Presidente John Kennedy tinha definido em Maio de 1961, quando num discurso anunciou a meta de colocar um homem na Lua até ao final dessa década. A competição da exploração do espaço entre americanos e soviéticos atingiu nessa década o seu momento máximo. Depois de Yuri Gagarin ter sido o primeiro homem a, heroicamente, viajar no espaço em Abril de 1961, a definição de um objectivo concreto com um simbolismo excepcional orientou toda a investigação e desenvolvimento tecnológico bem como destinou meios financeiros gigantescos para o conseguir. Coube aos astronautas da Apollo XI esse êxito que ainda hoje raia os limites da impossibilidade.

Ao amararem suavemente no oceano Pacífico em 24 de Julho de 1969, os três astronautas terminavam uma viagem que tinha tido início oito dias antes, no momento do lançamento, em 16 de Julho, na extremidade do gigantesco foguetão Saturno V no Cabo Canaveral, na Flórida. Era o fim calmo mas glorioso, não apenas de uma viagem, mas de toda uma era que encontrava o seu fim naquele momento único da História da Humanidade.

segunda-feira, 17 de julho de 2017

EURSAX






Na quarta feira da semana passada, a Casa da Música foi palco de um concerto notável integrado no II Congresso Europeu de Saxofone. Com a plateia repleta de jovens músicos dos mais diversos países, foi possível ouvir obras interpretadas por uma orquestra e solistas de saxofone que demonstraram um virtuosismo contagiante que levou a assistência conhecedora ao rubro.
O EURSAX é o maior evento de saxofone da Europa e a cidade do Porto conseguiu atrair a realização da sua segunda edição, tendo a primeira decorrido em 2014 na Ciudad Real - Espanha. A organização apontou as diversas vantagens comparativas que Portugal apresenta nos dias de hoje para acolher este importante evento, designadamente a sua importância como destino turístico, a nossa diversidade cultural que atrai visitantes de todo o mundo. Em particular, é referido que, “na sequência de ser Capital Europeia da Cultura, a cidade do Porto mostra-se liderante na produção de música contemporânea, através da Casa da Música, influenciando não apenas o norte de Portugal, mas na realidade o sul da Europa”.
O programa do Congresso, com a duração de quatro dias, incluiu concertos de gala, masterclasses, conferências e recitais em vários locais do Porto, como o Conservatório de Música do Porto, a Igreja de Cedofeita, a Igreja dos Clérigos e a Casa da Música, proporcionando às centenas de congressistas a participação em diversos eventos culturais ligados ao instrumento musical da sua eleição, mas também um conhecimento da Cidade e das sua ofertas turísticas. O Porto teve mais umas centenas de visitantes que, com toda a certeza, depois de quatro dias de estada, irão divulgar a cidade por toda a Europa como destino turístico, mas também cultural ao mais alto nível.

O concerto de gala do dia 12 na magnífica sala Suggia da Casa da Música contou com seis afamados solistas de saxofone, de que me permito destacar talvez Mario Marzi que tocou há pouco tempo no Teatro alla Scala de Milão sob a direcção de Riccardo Muti e que aqui interpretou  a peça “Entente” de Gerry Mulligan de uma forma arrepiante e Jérôme Laran, impressionante ao extrair sonoridades inimagináveis do seu saxofone em “ Paganini Remix” de Shoichi Asai. Estarei a ser injusto com os outros intérpretes, evidenciando apenas o virtuosismo destes dois intérpretes. Em particular, a interpretação de Mário Marques, em estreia mundial, da peça “Concertino” de António Vitorino de Almeida impressionou a plateia pela beleza da música e capacidade interpretativa. No seu final foi tocante ver o compositor subir ao palco para abraçar comovido o solista e o maestro, cumprimentando toda a orquestra pela interpretação. O saxofonista Joaquim Franco encerrou o concerto interpretando “Hungarian Dance” de Pedro Iturralde com a secção de cordas da orquestra de forma superior, impressionando o som límpido e claro do seu saxofone.
Falta referir a orquestra, que foi mais uma vez absolutamente impecável, o que nestas obras com solos de um instrumento tão especial como é o saxofone, já não seria dizer pouco. As entradas e saídas, bem como a interpenetração com as partes do instrumento solista e os jogos de intensidade e tempo foram de uma precisão e capacidade interpretativa notáveis, sendo uma peça essencial do êxito do concerto. A satisfação é tanto maior quanto se tratava da Orquestra Clássica do Centro dirigida pelo seu Maestro titular José Eduardo Gomes que demonstrou, para além da direcção, uma capacidade de interligação com solistas de um virtuosismo assinalável que não se vê todos os dias. Um orgulho cultural para Coimbra, que possui hoje uma orquestra profissional capaz de executar os programas mais exigentes que todos os espectadores tiveram a oportunidade de apreciar a aplaudir com entusiasmo.

Se este concerto aconteceu no Porto, logo menos acessível ao público conimbricense, não posso deixar de aqui referir que, integrado no 9º Festival das Artes, a Orquestra Clássica do Centro vai realizar um concerto no próximo dia 22 de Julho no anfiteatro Colina de Camões na Quinta das Lágrimas. O concerto designado “ De Portugal a Viena via Paris” apresenta um programa excelente, com duas sinfonias de Mozart, uma abertura de Marcos Portugal e o “Entr’acte de Rosamunde de Schubert e é absolutamente a não perder. O maestro convidado será Andrew Swinnerton que já todos conhecemos das anteriores edições do Festival das Artes, como integrando a respectiva direcção artística. Aliás, todo o programa deste Festival das Artes é mais uma vez atractivo e de grande qualidade, merecendo a atenção e a visita de todos os que vêem na Cultura o alimento necessário do espírito e o principal instrumento contra a barbárie. No concerto de encerramento do Festival no dia 23 de Julho actuará a Orquestra Gulbenkian, que nessa noite será dirigida pelo maestro titular da Orquestra Clássica do Centro José Eduardo Gomes, outro concerto a não perder.

Fotos retiradas de  https://www.facebook.com/OrquestraClassicaCentro/

segunda-feira, 10 de julho de 2017

A cultura em tempos de transição



Se há algo que caracteriza os tempos que estamos a viver é uma extraordinária diversidade de experiências, de modos de sentir o mundo e mesmo de viver que existem de forma simultânea. Isto verifica-se em todos os aspectos, desde a política, à organização social, à religião e mesmo na organização do trabalho e da economia, com as máquinas a entrar decisivamente no que dantes era apenas humano.
É hoje claro, ao contrário de teorias que foram moda há poucas décadas, que o mundo está a passar por uma fase transitória sendo que, se conhecemos o que se passou até agora, não é ainda perceptível o que virá a seguir que poderá depender não de uma evolução contínua, mas de um pequeno facto disruptivo com consequências gigantescas. O que já é certo é que o tão celebrado “Fim da História” de Fukuyama foi tudo menos uma realidade, existindo hoje um mundo multipolar com ressurgimentos de nacionalismos diversos, com novas facetas de radicalismos religiosos e mesmo um país gigantesco com prática completamente capitalista sob direcção férrea de um partido comunista, a China.
A Cultura não foge a esta situação de diversidade algo anárquica. Sente-se que hoje não aparece nada de verdadeiramente original, assistindo-se a um estagnar da evolução artística. Por outro lado, como a tecnologia e a globalização colocaram o mundo inteiro ao dispor de qualquer cidadão, a riqueza de tudo quanto foi produzido pela humanidade ao longo da sua História está de certa forma ao dispor de todos, o que se transforma numa oferta gigantesca e impossível de ser totalmente absorvida por qualquer pessoa.
Será que aquilo que os actuais meios oferecem continua a ser cultura? Há algumas décadas T.S. Elliot via a cultura como caminhando para um fim através de uma decadência contínua que acompanharia o fim das elites necessárias à existência da “alta cultura”. Já George Steiner colocou em causa a simples possibilidade da cultura, depois das mortandades das duas guerras mundiais e, em particular, do extermínio gratuito de seis milhões de judeus do Holocausto. É o próprio conceito de Cultura que parece estar igualmente em fase de transição para outra coisa que não tem muito a ver com aquilo que vem de há séculos.

Nos nossos dias, mais parece que a cultura foi substituída pelo espectáculo. A produção artística foi tomada pela publicidade e pela organização de apresentações públicas de massa. Só interessa aquilo que vende, que dá rendimento imediato, logo que responde às aspirações e aos desejos das multidões que acorrem em uníssono a aplaudir os seus ídolos fabricados pelas máquinas produtoras.
Não se pense que me refiro apenas à chamada música popular, embora essa seja a manifestação artística que hoje em dia representa melhor o fenómeno da massificação e da completa ausência da essência da arte que é a beleza, tendo nos últimos anos enveredado por um caminho autofágico de substituição permanente de obras e artistas com uma velocidade estonteante. Também na literatura se verifica o mesmo fenómeno. Nunca se publicou tanto entre nós e nunca houve autores com edições tão gigantescas mas que de obras literárias só têm a forma exterior e o facto de terem letras no interior. A pintura, a partir das estéticas inovadoras dos primeiros decénios do século XX, entrou por caminhos estranhos à definição de arte, alimentada por “especialistas” que com isso ganham muito dinheiro. Na realidade como a maioria das pessoas não são capazes de detectar o mínimo de qualidade artística nas obras de autores incensados, torna-se necessário haver elites pretensamente conhecedoras que iluminem os espíritos e garantam que aquelas obras têm valor. E, como se confunde valor com o custo pelo qual são transacionadas, vira-se a essência da arte ao contrário, através da sua mercantilização e da vitória do efémero, banal e tantas vezes até grotesco sobre o labor solitário e inspirado de tantos artistas considerados menores apenas por não entrarem no mercado absurdo do mau gosto. O cinema tornou-se hoje em grande parte uma amálgama infantilizada de efeitos visuais, violência e barulho que não tem nada a ver com aquilo a que ainda não há muitos anos se chamava a sétima arte. A música dita erudita teve igualmente uma evolução que quase a liquidou mas que, mercê talvez das suas características intrínsecas, nos permite hoje viver quase num paraíso, tal é a oferta e de tão grande qualidade. Os caminhos de composição por que enveredou no século XX até à chamada música concreta desembocaram num beco sem saída, mas a evolução tecnológica colocou à disposição de todos não só as obras maravilhosas de imensos compositores durante séculos, incluindo contemporâneos, mas também as interpretações mais diversas dessas mesmas obras.
Na sequência de T.S. Elliot há quem diga que, nos dias de hoje, a cultura já morreu, como acontece com Mario Vargas Llosa. De facto, o espectáculo tomou conta de boa parte do espaço público, relegando a cultura para o interior de salas, sejam das nossas casas, sejam de museus ou de auditórios. Mas, curiosamente, nunca como hoje houve tão grande afluência aos museus. Observar o resultado do trabalho de grandes artistas como a Pietà de Miguel Ângelo ou a Guernica de Picasso é muito diferente de olhar para a sanita provocadora de Marcel Duchamp ou as obras de Damien Hirst e finalmente, cada vez mais pessoas percebem isso mesmo, e acorrem aos museus de “arte antiga” como nunca.

segunda-feira, 3 de julho de 2017

“Doces águas e claras do Mondego, Doce repouso de minha lembrança”



“Doces águas e claras do Mondego,
Doce repouso de minha lembrança”
Foi através de referências às águas do Mondego que Camões fixou na Arte a sua passagem por Coimbra. E tal não aconteceu por acaso. A relação de Coimbra com o Mondego é tão antiga que a cidade deve a sua existência ao próprio rio. Recuando até tempos tão antigos como o dos Fenícios, o rio Mondego era navegado desde a sua foz até precisamente ao ponto onde as montanhas começavam e o limite da navegação se situava. Naquele primeiro monte se veio a situar uma pequena povoação que cresceu até os romanos lhe reconhecerem a importância estratégica e lhe chamarem Aeminium.
Passaram séculos e civilizações várias até que no início do século XII um jovem chamado Afonso Henriques fez dela a capital do seu reino em construção, que haveria de ser Portugal. Coimbra é hoje a cidade que todos conhecemos, herdeira deste passado e do muito mais que desde então se passou, incluindo a Universidade que se transformou no seu símbolo universal. E se a cidade ao rio se deve, é notória a difícil relação que com ele teve durante muitos anos, mais parecendo que lhe virava as costas, como ainda hoje é visível em boa parte das suas margens no interior da área urbana. Aquele rio a que os conimbricenses chamavam carinhosamente “basófias”, só foi domado nos anos setenta/oitenta do século XX, com as obras do “Aproveitamento Hidráulico do Mondego” que incluíram o sistema constituído pelas barragens Aguieira/Fronhas como instrumento de regulação de caudais, para além da produção eléctrica.
Apesar disso, de vez em quando ainda lá vêm cheias, o que teoricamente não deveria acontecer. A de 2001 foi tão intensa que, para além dos prejuízos nas margens da cidade, danificou ou destruiu mesmo grande parte das obras do Baixo Mondego, para além dos prejuízos que causou à produção agrícola. Mais recentemente, todos nos recordamos das cheias dos últimos anos que danificaram gravemente as obras de aproveitamento das margens, o Parque Verde tão solicitado pela população e inundaram também o Mosteiro de S.ta Clara-a-Velha. As consequências da última cheia, em Janeiro de 2016, são ainda visíveis pelos danos nas chamadas “docas” do Parque Verde que não voltaram a funcionar desde então. A situação foi tão grave que o Governo encomendou um relatório técnico à Ordem dos Engenheiros para se determinar as causas do sucedido e apontar soluções para evitar repetições no futuro. Sendo o relatório chamado “Caracterização das condições de escoamento do rio Mondego que deram origem às inundações em Coimbra em Janeiro de 2016” datado de Setembro de 2016, só foi apresentado publicamente em Janeiro de 2017, faz agora portanto, seis meses. O relatório apresenta inequivocamente as condições de exploração das infra-estruturas existentes, leia-se barragens, como condicionante principal da ocorrência de cheias no Mondego. É, aliás, muito fácil perceber porquê. Não havendo uma estrutura que, a nível superior, concilie os diversos interesses contraditórios em jogo, muito difícil será evitar que se verifiquem novas situações de cheia em Coimbra. Sendo a EDP responsável pela exploração da barragem da Aguieira e sendo o seu objectivo a maximização da produção eléctrica, muito dificilmente a APA (Agência Portuguesa do Ambiente) conseguirá que os níveis da barragem da Aguieira estejam permanentemente dentro dos parâmetros de segurança.
O empreendimento do “Aproveitamento Hidráulico do Mondego” foi uma das obras mais marcantes de toda a região Centro, nas últimas décadas. Como os excelentes técnicos que nele trabalharam durante anos sabem, após a conclusão das obras deveria ter sido constituída uma Entidade com capacidade de gestão e exploração dos Planos de aproveitamento hídricos de fins múltiplos, como sucedeu, por exemplo, no Alqueva com a EDIA, não abandonando uma estrutura tão complexa e valiosa aos diversos interesses próprios das entidades de exploração. As conclusões de um relatório tão importante não podem ser esquecidas, sendo necessário saber exactamente o que está a ser feito, seis meses depois da sua apresentação e um ano após a sua elaboração. A relação da cidade de Coimbra e da sua região com o rio Mondego é demasiado importante para que fique tudo no esquecimento de uma qualquer gaveta.
Não se trata apenas de evitar que Coimbra volte a ser inundada e que as suas margens estejam permanentemente à mercê da Natureza. É todo o território banhado pelo Mondego nos seus troços designados médio e baixo Mondego que exige um acompanhamento constante e conhecedor dos múltiplos factores em jogo: técnicos, económicos e sociais.
Para que seja, como Camões também cantou:
“Vão as serenas águas
do Mondego descendo
mansamente, que até o mar não param;”