segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Haverá mesmo BREXIT?



Na semana passada teve início a segunda ronda de negociações entre a Grã-Bretanha e a União Europeia para se chegar a acordo quanto à saída daquele país da EU.
Recordo que já passou mais de um ano sobre o referendo decidido pelo antigo primeiro-Ministro James Cameron, num dos maiores disparates políticos das últimas décadas, cujo resultado inesperado ditou a saída da Grã-Bretanha da União e naturalmente, o desaparecimento de Cameron da cena política, tendo sido substituído por Theresa May à frente do Governo de Sua Majestade. Também já decorreram quase quatro meses sobre o momento em que a Grã-Bretanha invocou o Art. 50 do Tratado da União Europeia, a partir do qual começou a contagem do prazo final para a saída, que terminará em 30 de Março de 2019. Claro que, para haver sucesso nestas negociações, terá que estar muito pronto antes dessa data, prevendo-se que o acordo deva ser concluído antes de Novembro de 2018 para que a economia possa continuar sem percalços de maior lembrando-se, por exemplo, as necessárias preparações das companhias de aviação, dos bancos, etc.
Tendo em conta tudo o que se soube da primeira ronda das negociações entre as equipas da Grã-Bretanha liderada por Davis Davis e da União Europeia chefiada por Michel Barnier, será muito difícil que estes prazos se venham a cumprir. Pelo que transparece das negociações e pelas declarações públicas, especialmente do lado de responsáveis governativos da Grã-Bretanha, este país está muito mal preparado para as negociações, por vezes mesmo de uma forma difícil de acreditar pela falta de profissionalismo e desnorte de objectivos que revela, de que a fotografia da reunião inaugural é um símbolo: do lado britânico da mesa, três negociadores com sorrisos abertos e sem qualquer papel à frente e do lado comunitário três negociadores com ar muito mais sério e com grossos dossiers contendo o trabalho prévio sobre a mesa.
A Grã-Bretanha dá hoje em dia um triste espectáculo sobre estas questões, mantendo ainda nesta altura discussões políticas sobre o caminho a seguir nas negociações, isto é sobre “soft brexit” ou sobre “hard brexit”, como se ainda tivesse tempo para isso. Parece até que muitos políticos desejariam um segundo referendo sobre a saída, embora o povo britânico, goste-se ou não, tenha já optado pelo divórcio com a União Europeia. E o ambiente político britânico não poderia estar mais crispado. Há poucos dias James Chapman, o chefe de gabinete do responsável britânico Davis Davis até se demitir em Junho passado, veio mesmo afirmar publicamente que o Brexit é uma catástrofe e que, caso houvesse uma efectiva lei eleitoral, os defensores do Brexit com Boris Jonhson à cabeça deveriam estar presos atrás das grades por todas as mentiras que disseram ao povo britânico levando-o a decidir maioritariamente pelo Brexit no referendo de Junho de 2016.
O actual clima político surge muito em consequência do resultado das eleições pedidas por Theresa May realizadas em Junho passado e que, ao contrário da maioria absoluta que pretendia, a colocaram nas mãos de pequenos partidos retirando-lhe margem de manobra negocial e colocando mesmo em causa a aprovação parlamentar do acordo a que chegar com a União Europeia quando e, fundamentalmente se, chegar o momento para tal.
Theresa May bem pode ir dizendo que não vai pagar a conta a apresentar pela União Europeia de cerca de 60 milhões de Libras pelos custos da saída britânica mas sabe que, mais milhão menos milhão, vai ter de pagar sob condição de não ter acordo nenhum até à data fixada, o que seria trágico para o seu país, mas não para a União Europeia.
E depois há o próprio significado do resultado de referendo que basicamente significou o desejo dos britânicos “recuperarem” o controlo das fronteiras, das leis e do dinheiro que limita fortemente o poder negocial do lado britânico. De facto, querer manter as prerrogativas actuais para os seus cidadãos e para as suas empresas na União Europeia e regressar às fronteiras no sentido oposto não é de forma nenhuma aceitável para cada um dos países membros da União Europeia. Seria, como nós portugueses costumamos dizer, ter permanentemente a chuva no nabal e o sol na eira, o que é evidentemente irreal.
É por isso que apesar de, entre a situação actual e a saída pura e dura sem acordo, haver diversas opções, na realidade o caminho para alcançar um acordo vantajoso para ambas as partes está a tornar-se muito estreito, resultado das perplexidades britânicas e consequentes dificuldades negociais. Até porque do lado comunitário a delegação negocial tem um mandato muito claro definido pelos governos dos países membros sobre os termos do Art. 50 do Tratado, concretamente sobre os direitos dos cidadãos comunitários na Grã-Bretanha, sobre como não voltar a haver fronteira entre as duas Irlandas e sobre a tal conta do divórcio. Não tendo isto garantido, a equipa dirigida por Michel Barnier está impedida de avançar grande coisa negociações e, dessa forma, quem fica a perder é quem quer sair até porque o Art. 50 do Tratado é leonino nesse aspecto talvez porque, na realidade, nunca ninguém pensou que algum dia viesse a ser invocado.

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Sobre a desigualdade de salários de homens e mulheres



É bem conhecido que existe historicamente uma diferença entre os salários médios de homens e mulheres para trabalho igual. Se bem que nos países da União Europeia essa diferença se tenha vindo a esbater nos últimos anos até níveis bastante reduzidos, persistem áreas onde essas diferenças subsistem notoriamente e países que ainda resistem à mudança.
Na última semana as apresentadoras da estação pública britânica BBC publicitaram uma petição com base na existência de evidência de que, para o mesmo trabalho, naquela estação as mulheres são mais mal pagas do que os homens. Esta posição seguiu-se à publicação, no passado dia 19 de Julho, dos nomes de quem recebe pelo menos 150.000 libras por ano. Algumas profissionais descobriram assim que os seus vencimentos são claramente inferiores aos de colegas do sexo masculino que fazem exactamente o mesmo trabalho. Acresce que, naqueles níveis elevados de ordenados, dois terços são homens quando no total dos quadros da BBC são metade, o que torna a diferença de salários para os dois géneros muito óbvia.
De acordo com a revista Economist, citando a consultora Korn Ferry, a diferença média entre ordenados de homens e mulheres em vários países da Europa como a França, a Alemanha a Suécia e a Grã-Bretanha é hoje quase nula, genericamente abaixo dos 2,5%. Curiosamente, em Espanha essa diferença ainda existe, embora já se tenha reduzido para cerca de 5%. Mas mesmo nestes países, há um sector onde existe ainda alguma diferença, que é nos salários mais altos que corresponde aos escalões de executivos, em que essa diferença, por exemplo no caso da Alemanha e da Espanha chega a ultrapassar os 15%. Já na Suécia, as executivas ganham cerca de mais 2,5% do que os seus colegas homens.
Esta diferença generalizada, com a excepção da Suécia que está lá para confirmar a regra, reflectirá a dificuldade já bem conhecida que as mulheres têm normalmente em atingir lugares de topo nas empresas, onde predominam regras pouco claras e mesmo tendência para secretismo na definição completa dos pacotes de pagamento.
E em Portugal, que não integrou o estudo da Korn Ferry, qual é a situação actual?
Como em quase tudo o que se refere a um melhor conhecimento da realidade do país, uma visita à PORDATA da Fundação Francisco Manuel dos Santos fornece-nos uma imagem do que se passa nesta matéria, entre nós.
Assim, a diferença no salário médio, por mês, entre mulheres e homens que era em 1985 de 22,1% diminuiu para 16,7% em 2015, favorável aos homens. Olhando para a situação de uma forma um pouco mais desagregada constata-se que, em relação aos quadros médios, praticamente não houve alteração no mesmo período e que diminuição mais acentuada se verificou nos profissionais semi-qualificados com a mudança de 18,7% para 10,1%., o que justifica a diminuição média global, em virtude do elevado número destes profissionais. Não se pode deixar de salientar que, ao contrário da regra geral, no caso concreto dos quadros superiores a diferença neste período de 1985 para 2015 em vez de diminuir, aumentou de 19,7 para 26,4! Sectorialmente, a diferença é também muito acentuada a favor dos homens na indústria transformadora, no comércio e no sector da electricidade, gás e água. A excepção reside neste caso no Estado, sendo que na Administração Pública, Defesa e Segurança Social Obrigatória a diferença é de sensivelmente 10% a favor das mulheres; claro que, como o Estado tem tabelas de vencimentos sem discriminação de sexo, aqui a diferença deve-se ao tipo de trabalho e de formação de homens e mulheres.

Como se pode ver, a diferença de rendimentos do trabalho entre homens e mulheres em Portugal não tem nada a ver com outros países da União Europeia. Tirando o caso do Estado, a diferença a favor dos homens é muito mais acentuada em todos os sectores de actividade do que nos restantes países, tendo mesmo aumentado ao longo dos últimos anos no que respeita aos sectores mais bem pagos da economia.
Como é evidente, uma sociedade não pode ser justa quando uma metade é alvo de uma discriminação tão evidente, e esta não é definitivamente uma questão que possa residir apenas nas agendas feministas. Acresce que todos sabemos que entre nós, para além do trabalho profissional, a mulher tem ainda a seu cargo muitas outras tarefas domésticas não remuneradas. Esta desigualdade de salários é um sintoma de uma organização social muito deficiente que está no centro dos maiores problemas da nossa sociedade que se reflectem, nomeadamente, na nossa reduzida competitividade e na mais baixa taxa de natalidade da Europa. Não é algo que se resolva com uns decretos imediatistas, por mais bem intencionados que sejam, como a obrigatoriedade de quotas para mulheres que desconfio mesmo funcionarem ao contrário para aquelas que não são abrangidas, mas com reformas profundas na organização social, política e económica da sociedade.

segunda-feira, 31 de julho de 2017

Dunquerque, Maio de 1940





O mundo mostrava que não estava minimamente preparado para a violência do novo tipo de guerra que a Alemanha nazi estava a começar a levar a toda a Europa. Depois de ocupada a Polónia em poucos dias e da sujeição da Dinamarca e da Noruega, os exércitos de Hitler entraram na Holanda e na Bélgica em 10 de Maio de 1940. Nesse mesmo dia Winston Churchill substituiu Neville Chamberlain à frente do governo britânico enquanto os alemães avançavam irresistivelmente pelo território dos dois países invadidos, encontrando fraca resistência à sua infantaria e aos seus panzers. Rapidamente a situação tornou-se desesperada do lado Aliado, o que levou Churchill a proferir as suas célebres palavras: “não tenho mais nada para oferecer além de sangue, suor e lágrimas (blood, sweat and tears). Prometeu ainda, naqueles momentos iniciais da guerra que eram já uma amostra do que estava para vir nos anos seguintes: “a minha política vai ser promover a guerra no mar, na terra e no ar, com toda a nossa energia e com toda a força que Deus nos der: promover a guerra contra uma tirania monstruosa, nunca ultrapassada no negro e deplorável catálogo dos crimes humanos”.

Em poucos dias os exércitos francês e britânico foram obrigados a recuar. A formação militar destes soldados era deficiente, pouco tendo evoluído desde a I Guerra Mundial, enquanto os exércitos alemães aliavam uma formação moderna a uma atitude bélica de uma violência sem limites. Nos arredores de Dunquerque, noventa e sete soldados ingleses que esgotaram as balas foram feitos prisioneiros de guerra e fuzilados pelas tropas alemãs que a seguir se certificaram da sua morte com uso de baionetas, num dos muitos crimes de guerra perpetrados pelas tropas nazis. A Força Expedicionária britânica recuou até ao mar, ficando a partir de 26 de Maio cercada em Dunquerque, não restando aos comandos britânicos mais nada do que tentar a evacuação dos soldados por mar. Começava aí um dos episódios mais marcantes da II Guerra Mundial, que durou oito longos dias e que permitiu a evacuação de um total de 338.226 homens das praias da costa norte francesa para a Inglaterra, naquilo que ficou conhecido como o “milagre de Dunquerque”.
A operação de resgate dos soldados aliados de Dunquerque teve o nome de Dínamo e revestiu-se de aspectos inesquecíveis. Por um lado, as tropas que ainda resistiam aos alemães à volta de Dunquerque foram de uma tenacidade e de um heroísmo total, para permitirem a continuação das operações de resgate dos seus camaradas. Por outro lado, as esquadrilhas de aviões ingleses davam tudo por tudo para evitar que a aviação alemã dizimasse no solo os milhares de soldados a aguardar transporte marítimo para Inglaterra.
Um total de 222 navios militares britânicos e franceses participaram no resgate das tropas sitiadas em Dunquerque, dos quais 10 foram afundados pelos alemães com perda de milhares de vidas.
Mas a operação Dínamo teve outro aspecto distinto de qualquer outra operação de resgate militar da História. Nela participaram 665 embarcações civis que responderam positivamente ao apelo de ajuda do governo britânico. Navios mercantes, mas também embarcações de pesca, rebocadores, salva vidas e centenas de pequenas embarcações de recreio juntaram-se à perigosa tarefa de recolher soldados nas praias de Dunquerque e de os transportar para a costa inglesa assim salvando, só por eles, cerca de 80.000 homens.

Mal se imagina o cenário dantesco deste resgate que, apesar de constituir uma derrota dos Aliados perante Hitler, acabou por ficar na História como a primeira desfeita do exército alemão que não o conseguiu evitar. Significou ainda uma primeira vitória da aviação britânica, numa antevisão do que viria a ser a Batalha de Inglaterra, ao abater mais de trezentos aviões alemães, contra uma perda de cerca de cem, nos céus de Dunquerque.
As centenas de pequenas embarcações de recreio, transportando soldados até não caberem mais, tantas vezes pilotadas por reformados e por velhos pescadores, no meio dos bombardeamentos aéreos e de artilharia e no mar alto alvo de navios de guerra e de aviões de mergulho constituem um símbolo poderoso da luta de David contra Golias em que este, mais uma vez, acaba a perder. E mostra como os povos, constituídos por pessoas simples sem serem sequer soldados, se podem erguer contra a violência e a barbárie.
Surgiu agora um filme notável sobre este resgate de soldados: Dunkirk, do realizador Christopher Nolan. O que se intuía mas apenas se podia imaginar sobre as dificuldades da operação e sobre o heroísmo anónimo de tantos surge na tela com um realismo notável, mostrando às gerações actuais como se faz um filme sobre guerra sem efeitos especiais e barulhentos mas com pessoas, com todas as suas expressões humanas de medo, de determinação ou apenas de exercício anónimo do cumprimento do dever, sem hesitações ou estados de alma.

segunda-feira, 24 de julho de 2017

Apollo XI



Passam hoje 48 anos sobre o regresso à Terra de três heróis contemporâneos, Neil Armstrong, Edwin “Buzz” Aldrin e Michael Collins, depois de terem sido os primeiros homens a viajar até à Lua e regressarem. Dois deles, Neil Armstrong e Edwin “Buzz” Aldrin foram mesmo os primeiros a descer ao nosso único satélite natural.
Tal como reverenciamos os exploradores marítimos portugueses de quatrocentos, devemos também homenagear estes homens que conquistaram um lugar na memória colectiva da Humanidade com a circunstância feliz de serem do nosso tempo, estando Edwin Aldrin ainda vivo e testemunhando um pouco por todo o lado o que foi viver aquela experiência. Aquele dia 21 de Julho de 1969 em que o módulo lunar Eagle da Apollo XI pousou suavemente na superfície lunar e dois homens caminharam pela primeira vez na Lua é um momento que ficou impresso na memória de todos os que tiveram oportunidade de o testemunhar, ainda que pela televisão a preto e branco, como foi o meu caso. Nos anos seguintes, outras missões semelhantes se seguiram, tendo a Lua sido visitada por um total de 12 pessoas, das quais as últimas foram Eugene Cernan e Harrison Schmitt da missão Apollo XVII em Dezembro de 1972. Numa dessas missões, a Apllo XIII, a tragédia esteve por um fio para acontecer, por avaria dos sistemas de oxigénio da nave, mas a coragem e conhecimentos técnicos dos astronautas permitiram o seu regresso em segurança à Terra depois de contornarem a Lua numa viagem de grande dramatismo, mas que acabou em bem.

Hoje em dia, para a maior parte das pessoas, parece mentira que algum dia tenha havido homens a passear no solo lunar, dado que isso não voltou a acontecer desde 1972. A investigação espacial tomou outro rumo e a tecnologia é hoje tão avançada que dispensa a ida de pessoas aos locais, havendo equipamentos comandados à distância com sensores que procedem a todos os testes, recolha de materiais, etc. As naves automáticas viajam nos nossos dias transmitindo informações para a Terra de paragens tão longínquas como Saturno, em cuja atmosfera dentro de poucas semanas mergulhará a sonda Cassini depois de ter orbitado vinte vezes em torno do planeta e de ter atravessado sem estragos os respectivos anéis.
O romantismo da ida à Lua que alimentou os sonhos de tantos durante séculos está hoje ultrapassado, falando-se agora em deslocações humanas a Marte para lá se estabelecerem colónias mas, acompanhando os tempos, em viagens privadas com intuitos comerciais.
Aquele momento em que Neil Armstrong colocou o pé na superfície lunar e proferiu a sua célebre frase “é um pequeno passo para um homem, um salto gigantesco para a humanidade” que, fosse ou não preparada mantém o seu profundo significado, permanecerá sempre como o símbolo do querer e da capacidade humana de se ultrapassar. O ano de 1969 era o último da década de sessenta e estava quase a terminar o prazo que o Presidente John Kennedy tinha definido em Maio de 1961, quando num discurso anunciou a meta de colocar um homem na Lua até ao final dessa década. A competição da exploração do espaço entre americanos e soviéticos atingiu nessa década o seu momento máximo. Depois de Yuri Gagarin ter sido o primeiro homem a, heroicamente, viajar no espaço em Abril de 1961, a definição de um objectivo concreto com um simbolismo excepcional orientou toda a investigação e desenvolvimento tecnológico bem como destinou meios financeiros gigantescos para o conseguir. Coube aos astronautas da Apollo XI esse êxito que ainda hoje raia os limites da impossibilidade.

Ao amararem suavemente no oceano Pacífico em 24 de Julho de 1969, os três astronautas terminavam uma viagem que tinha tido início oito dias antes, no momento do lançamento, em 16 de Julho, na extremidade do gigantesco foguetão Saturno V no Cabo Canaveral, na Flórida. Era o fim calmo mas glorioso, não apenas de uma viagem, mas de toda uma era que encontrava o seu fim naquele momento único da História da Humanidade.