segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Ano que chega ao fim



O ano que agora acaba pareceu uma montanha russa de emoções colectivas. A internet torna as notícias instantâneas em todo o mundo e junta-lhes a emoção transmitida pelas imagens, tantas vezes impressionantes e trágicas, servindo emoções que vão e vêm pelo mundo inteiro à velocidade da luz.
Logo em 7 de Janeiro, os enviados do auto-denominado califa Abu Bakr Al-Baghdadi que não é mais que um novo líder bárbaro assassino à semelhança de tantos outros da História da Humanidade, invadiram as instalações da revista satírica Charlie Hebdo em Paris e provocaram uma carnificina com 12 pessoas mortas. O ano não terminaria sem que mais enviados do mesmo assassino tivessem provocado, novamente em Paris, um novo atentado que causou 130 mortos.
Fugindo da guerra civil da Síria, mas também do Iraque e do Daesh, milhões de refugiados surgiram às portas da Europa, um número impressionante de famílias inteiras pelas estradas como não se via desde a II Grande Guerra.
No início do ano a Grécia viu a entrada de leão da extrema-esquerda com o Syriza no governo, que iria mudar tudo, impondo reestruturações de dívida e fim de austeridade, para depois observar a saída de sendeiro dos mesmos, seguindo a mesma política de austeridade de antes.
Em França, assiste-se a uma mudança política, com a Frente Nacional de Le Pen a registar sucessivos sucessos, provocando uma crescente radicalização que não é bom sinal para a Europa.
No Brasil, a presidente Dilma enfrenta uma hipótese de “impeachment” face a vagas sucessivas de denúncias de corrupção a um nível nunca visto, enquanto o país enfrenta a pior recessão das últimas dezenas de anos.

O preço do petróleo continuou na sua descida. Perto fim do ano, o cartel dos produtores teve uma reunião em que, em vez de diminuir a produção como se esperaria, decidiu aumentá-la ainda mais. Péssima notícia para os países que fizeram a sua economia depender do petróleo com a Venezuela à cabeça, mas também para a Rússia e Angola. Por outro lado, ao fim de sete anos, a Reserva Federal Americana aumentou a sua taxa de juro. Pouco, mas aumentou e agora deverão seguir-se os outros bancos centrais, primeiro na Inglaterra e depois certamente na União Europeia.
Perto do fim do ano, algumas notícias, quase irreais perante a enxurrada de más notícias, quase passaram despercebidas. Finalmente provou-se a existência de água em Marte, um foguetão que colocou mais de 10 satélites em órbita regressou à Terra e aterrou suavemente na posição vertical possibilitando reutilizações posteriores e, ainda mais importante, deram-se passos gigantescos no caminho da energia ilimitada e sem poluição através da fusão nuclear.
Em Portugal, as prisões do ex-primeiro Ministro José Sócrates e do ex-banqueiro Ricardo Salgado suscitaram as mais desencontradas reacções e acusações diversas aguardando-se, agora que esperam o fim dos seus processos em liberdade, que em 2016 os respectivos julgamentos venham mostrar o que realmente fizeram.
Depois de quatro anos e meio de sofrimento para tantos, pela aplicação do memorando de entendimento com a troika, tivemos eleições e os partidos do Governo PSD e CDS foram os mais votados. 
Mas não tiveram a maioria absoluta e o governo que formaram não passou na Assembleia da República. Após isso o líder do PS conseguiu um apoio parlamentar dos partidos à esquerda, o BE e o PCP, para formar Governo, assim quebrando o chamado “arco da governação” que durava desde 1976. 

Como aqueles partidos não partilham de nenhum dos princípios e valores políticos que enformam a União Europeia na sua organização económica, financeira e social, que o PS sempre tem defendido, o equilíbrio do apoio parlamentar deverá ser frágil e mesmo instável. O que se passou no inexplicado e incrível caso do Banif foi bem indicador desta situação potenciadora das maiores instabilidades e radicalizações.

Um ano já lá vai e outro vai começar, desejando aos leitores do Diário de Coimbra que 2016 seja melhor que 2015.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

TEMPO CONTADO: Star Wars

Do blog de Rentes de Carvalho


TEMPO CONTADO: Star Wars

Folhas que caem

Atrás da Serra do Açor, bem perto da Serra da Estrela, fica uma aldeia que, de entre todas as aldeias perdidas por aquelas serranias é aquela que, embora o seu nome seja Aldeia de S. Francisco de Assis, é conhecida apenas como “a Aldeia”. Também por lá nesta altura do ano em que o ameno Outono está a acabar para dar lugar aos frios que se aproximam trazidos pelo solstício de Inverno, as folhas das árvores características como os carvalhos e os castanheiros foram caindo, restando apenas algumas que os ventos facilmente arrancarão e levarão para longe.
Terras que foram de vida difícil, aquelas. Longe de tudo, ainda hoje as estradas que lá chegam, embora com bons pavimentos em vez da terra de há não muitos anos, têm tantas curvas que desencorajam as viagens de passeio por lá, ainda que as paisagens valham bem o sacrifício.
Duas circunstâncias moldaram a Aldeia de hoje: o volfrâmio e a emigração.
Durante a primeira parte do século XX, a descoberta de que o solo daquelas serras escondia quantidades imensas de um mineral precioso para a metalurgia daqueles tempos, particularmente a ligada ao fabrico de armamento pesado, atraiu a indústria da mineração e o interesse de muitos comerciantes clandestinos que ali vinham comprar o precioso minério. Vários escritores deixaram para a posteridade as histórias ligadas ao volfrâmio nas décadas de trinta e quarenta do século passado, lembrando-me de dois livros em particular, “Volfrâmio” de Aquilino Ribeiro e “Minas de S. Francisco” de Fernando Namora. 

Ao volfrâmio se deveu a capacidade financeira para mandar os filhos estudar para Coimbra ou Lisboa, devendo a Aldeia ser, de todas as da região, aquela que mais gente tem com cursos superiores, nascida nas décadas de quarenta e cinquenta, quando anteriormente era praticamente analfabeta. A partir dos anos quarenta, primeiro para as américas e depois principalmente para França, a emigração marcou toda a região. Hoje, consequência daqueles dois factores, a Aldeia está quase deserta. Quem foi para fora estudar, não voltou, ficando a trabalhar onde se formou. Os que emigraram, ainda fizeram casas na Aldeia mas na sua maioria não regressou definitivamente, porque os filhos e netos já não são portugueses e a Aldeia não lhes diz nada, a não ser como curiosidade familiar histórica.
A Aldeia também é minha, já que lá nasceu minha Mãe, numa família de sete irmãos, sendo a mais nova das quatro raparigas. Tenho assim conhecimento de muito do que se passou naquelas terras, já que nasci nos anos cinquenta, sendo a minha geração aquela que ouviu directamente dos próprios intervenientes as histórias hoje estranhas e mesmo mirabolantes ligadas ao volfrâmio, mas também à pobreza e extrema dificuldade da vida por aquelas serras ainda há menos de cem anos.
Conheço também muito bem as características próprias dos beirões. Tendo nascido naquelas terras longe de tudo, todos os elementos da Família de minha Mãe eram pessoas com uma educação e uma finura de trato que hoje causariam inveja a muitas pessoas urbanas e com mais instrução. Mas que não haja enganos. Por baixo daquela educação e até alguma humildade no trato, todos os elementos da Família, homens e mulheres, escondiam uma personalidade fortíssima aliada a uma percepção arguta das situações. Sei que estas características não eram só dos meus Avós e seus filhos, mas que eram partilhadas por grande parte das famílias da Aldeia, definindo portanto o carácter dos habitantes antigos daquelas serras.
O fim do Outono leva as últimas folhas das árvores, as mais resistentes. 
E, há poucos dias, levou também a última filha dos meus Avós da Aldeia, a minha Tia Teresa Escolástica, com 96 anos. Como os outros irmãos e irmãs, possuía, talvez ainda de forma mais marcada e que recordo com ternura, uma extrema gentileza, sensibilidade e permanente vontade de ajudar os outros.


Nunca, ou muito raramente, abordei questões pessoais nestas páginas. Confio que os leitores me perdoarão este desvio e certamente perceberão o significado pessoal do desaparecimento de toda uma geração para mim notável, mais ainda do que o apagar sereno de uma velhinha de quase cem anos de idade.


Nota: Fotos retiradas de https://www.facebook.com/saofrancisco.assis.9?fref=ts, agradecendo ao Marco Gil a publicação das fotos da Aldeia