segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

O NOVO CAPITALISMO


Com a venda de parte da REN, confirma-se a tendência anteriormente apontada com a venda total da EDP. O investimento chinês em Portugal exerceu-se através de empresas que no seu país de origem são totalmente detidas pelo Estado.
A actual crise internacional está a mudar todo o funcionamento da economia mundial, não sendo ainda previsível qual o modelo que virá a afirmar-se. É evidente que o capitalismo, ou como alguns gostam mais de lhe chamar o regime de mercado ou mesmo neo-liberalismo, está em crise. Isto não é nenhuma novidade, já que uma das características do capitalismo é precisamente estar sempre em mudança. É aliás essa capacidade de adaptação e de resposta aos mais variados desafios e situações de crise que justificam a sobrevivência do sistema capitalista durante tanto tempo, parecendo até muitas vezes ser a organização económica “natural”.
Paradoxalmente, poucas dezenas de anos após o fim do mito do “socialismo científico” com a implosão do bloco soviético, o capitalismo enfrenta novos e inquietantes desafios, que acompanham a globalização. Enquanto os Estados Unidos e a Europa penam para sair da crise, alguns países incluindo os conhecidos como BRIC (Brasil, Rússia, Índia a China), conhecem crescimentos económicos impressionantes (exceptuando talvez a Rússia que tarda a reencontrar-se consigo própria). Por exemplo, a China cresceu uma média de 9,5% nos últimos trinta anos. Mas esse crescimento, curiosamente, traz dentro de si uma grande contradição que coloca o Ocidente perante uma situação inesperada que, de certo modo, chega a parecer uma vingança da História. De facto, o desenvolvimento económico daqueles países tem sido conseguido com o recurso a grandes empresas estatais, sobretudo na área das infra-estruturas, mas também da energia (ler petróleo), estreitamente sujeitas às orientações políticas dos respectivos governos e protegidas de concorrência interna ou externa. Segundo a revista Economist, 80% do valor do mercado accionista são detidos pelo Estado, enquanto na Rússia esse valor é de 62% e no Brasil de 38%.
É assim que essas empresas têm crescido quase exponencialmente, permitindo enormes encaixes, tornando-se verdadeiros colossos com músculo financeiro para investir em todo o Ocidente incluindo a Europa, ávida de dinheiro pelas enormes dívidas constituídas e défices orçamentais crónicos. Estas empresas estão a tornar-se verdadeiramente globais, comprando, grandes fatias do capital social de empresas no Ocidente espalhando-se em mancha de óleo pela economia ocidental e preparando-se claramente para ter uma palavra a dizer nas opções económicas estratégicas dos países em que vão entrando. Como são empresas intimamente ligadas aos governos dos Estados de origem, estão habituadas a tratar directamente com governos e sabem muito bem como fazer valer os seus interesses associados às participações accionistas detidas.
Trata-se de um novo Capitalismo de Estado, agora já não decorrente de opções comunistas passadas, mas da tradicional organização política e económica daqueles países, com vivências democráticas um pouco afastadas dos cânones ocidentais, ou mesmo sem as terem, de todo. Isto traz novas preocupações para todos nós, mas também novas exigências e necessidade de conhecimentos de estratégia política, quer a nível nacional, quer a nível da União Europeia que tem rapidamente que deixar de olhar para o seu próprio umbigo.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 6 de Fevereiro de 2012

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