segunda-feira, 26 de novembro de 2018

A queda da máscara orçamental




Seja porque o braço de ferro com o Governo italiano obriga a alguma coerência com o tratamento dado aos outros países, seja porque muito simplesmente o que é demais é demais, o facto é que a Comissão Europeia resolveu puxar as orelhas a sério ao Governo português por causa da proposta de Orçamento (OGE) para 2019. Embora, como é seu hábito, o Primeiro-ministro desvalorize a questão, o próprio Presidente da República se lhe referiu, o que se sobrepõe à tentativa de igualmente tentar classificar as questões levantadas como “reparos específicos” irrelevantes.
Não são pormenores e as questões levantadas são sérias, embora inconvenientes para o Governo que tenta, neste seu quarto OGE, repetir o que fez nos três anteriores, com a conivência dos partidos que o apoiam na Assembleia da República, o PCP e o BE. Só que o ambiente económico externo que permitiu nestes últimos três anos ir surfando um crescimento económico que, ainda que débil, ia dando para arrecadar mais impostos permitindo distribuir rendimentos pelas suas clientelas escolhidas em função dos objectivos eleitorais, sofreu uma mudança.
Tornou-se evidente que o objectivo da redução do défice em 2019 só poderá ser conseguido com acções extraordinárias que demonstram a inexistência de ajustamento estrutural. Para 2019,o OGE prevê mesmo a recolha de dividendos da CGD e do Banco de Portugal, para além da redução da despesa com juros, como bem salientou o Conselho de Finanças Públicas. Como diz o povo, tudo coisas comparáveis a contar com o ovo no rabo da galinha.

A Comissão Europeia criticou, em particular, que o Governo utilize as verbas dos dividendos da CGD e do Banco de Portugal para a redução do défice, em vez de com elas reduzir a gigantesca dívida pública, que anda outra vez pelos seus máximos, à volta dos 250 mil milhões de euros. Já por cá não deveremos perguntar-nos se os lucros da CGD deverão ser utilizados para equilibrar as contas do Estado, em vez de servirem para diminuir a dependência da própria CGD?
E quando é que o tal fim da austeridade servirá para baixar a carga de impostos que é uma autêntica canga que portugueses e empresas carregam, impedindo um crescimento que se veja? É que a carga fiscal anda pelos 34,7% e, ao contrário do que diz o governo, não anda pela média europeia já que o que interessa é o esforço fiscal que é superior ao dos alemães em 35%. Por isso somos pobres, aliás cada vez mais pobres. No fim do século XX Portugal tinha atingido 84% do rendimento per capita médio europeu. Neste momento esse valor é de 78% e a nossa economia tem o quinto valor de crescimento mais baixo da zona Euro. Em 2019 voltamos de novo a crescer abaixo da média europeia e os crescimentos dos países com quem podemos comparar andam pelo dobro e pelo triplo do nosso. Bem podem os políticos que nos governam limpar as mãos à parede com tais sucessos.
O ministro das Finanças respondeu aos comissários europeus com o habitual: “o Orçamento mantém um controlo apertado da despesa”. Traduzindo, quer dizer que na execução vai usar as mesmas artimanhas, mas para pior, dos últimos três anos para descer o valor do défice, isto é, garrote nas despesas através das cativações, investimentos nos mínimos de dezenas de anos e falta de assinatura das finanças para autorizar despesas, ainda que previstas. Os partidos que apoiam o governo ficam assim sem pé para argumentarem que não sabiam que o Governo não tinha a mínima intenção de cumprir o previsto no OGE. Se nos anos anteriores se queixaram de que não sabiam como seria a execução, agora já sabem previamente o que aí vem e a sua aprovação do OGE transforma-se em pura hipocrisia política.
E os portugueses olham espantados para as discussões bizantinas sobre o IVA das touradas, enquanto se prepara ainda mais uma cavadela na qualidade do Serviço Nacional de Saúde, da Segurança pública, do sistema Judicial, da Educação e das infra-estruturas.
Os sucessos no combate ao défice público seriam bons se conseguidos através de políticas sustentadas de controlo da despesa e não por cortes obscenos no funcionamento do próprio Estado e por uma carga fiscal verdadeiramente impeditiva do crescimento económico, enquanto o valor da dívida continua a crescer. Assim, estamos condenados ao marasmo económico e empobrecimento relativo.

Notas:
1 - Texto publicado originalmente no Diário de Coimbra em 26 de Novembro de 2018
2- Fotos retiradas da Internet; caso tenham direitos de autor, agradeço informação de tal, para as retirar.

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Arte, beleza e modernidade

Poderíamos classificar este retrato como ultra-moderno, não fora o caso de ter sido pintado há mais de 500 anos por Botticelli. Se calhar, é mesmo ultra-moderno. Para sempre.



Retrato de Simonetta Vespuci (Botticelli, c. 1476)

PSD - sem setas

 Visitei o site oficial do PSD e verifiquei que em lado nenhum surge o seu símbolo oficial: as três setas. Não é, nem pode ser uma questão de marketing. Trata-se de uma questão política que nada tem a ver com as opiniões de um simples sec. Geral, seja ele quem for.
A questão é que um partido que tem vergonha do seu símbolo imediatamente reconhecido por toda a gente, perde igualmente a alma. Será que, nas próximas eleições, o PSD não coloca o seu símbolo nos boletins de voto? Aqui chegados, alguém está errado no meio disto: ou a liderança, ou o partido.
 Recordo o significado de cada uma das setas, que têm valor político e programático diferenciador dos outros partidos: a liberdade, a igualdade e a solidariedade.

BORBA - a tragédia

A responsabilidade primeira dos governantes, seja a que nível for, deve ser a segurança das pessoas. Não se percebe como foi possível abrir aquelas crateras ao lado de uma estrada durante dezenas de anos, sem respeitar faixas de protecção e sem acção legal de ninguém, autarquias e direcções de economia.
O abatimento da estrada entre pedreiras, cuja elevada probabilidade de acontecer foi apresentada aos autarcas em devido tempo, é um acidente que, por estas circunstâncias, é um crime.
Depois de feitos os avisos, a estrada continuou aberta ao trânsito, havendo imagens de veículos pesados a passar por lá e, imagine-se, os ciclistas da Volta a Portugal!
Os portugueses assistem diariamente às mais diversas manifestações de indignação pelas coisas mais caricatas. Este caso, pelas mais diversas razões, deverá suscitar reacções sérias, a começar pela Justiça, não esquecendo o Sr. Presidente da República. Repito, está em causa a segurança das pessoas.


segunda-feira, 19 de novembro de 2018

O DOMÍNIO DAS “FAKE NEWS”




Foi preciso que uma montagem perfeitamente ridícula sobre uma fotografia da líder do Bloco de Esquerda provocasse escândalo nalguns sectores políticos para que as “fake-news” pareçam subitamente ter ganho um estatuto de relevância política. E não caros leitores, esta não é uma “fake new”, embora possa parecer. Após uma conversa que terá tido com a deputada Catarina Martins, o presidente da Assembleia da República pediu à ERC (Entidade Reguladora da Comunicação Social) que proceda a uma análise do problema das “fake news”. O objectivo será que a ERC forneça à Assembleia um documento com a sua visão estratégica sobre o assunto que possa vir a servir de base para produção legislativa sobre a matéria.
“Fake news” corresponde a uma nova designação de algo muito antigo já que, traduzido para português, quer apenas dizer “notícias falsas” que, na essência, podem até não ser notícias de todo, só sendo notícia por isso mesmo. Neste tempo de predomínio cada vez maior dos meios de comunicação electrónicos sobre os tradicionais, em papel ou mesmo telefonia sem fios ou televisão, o termo “fake news” é mais um neologismo importado do inglês, língua oficiosa da internet, que leva as pessoas a ligá-lo quase automaticamente à net ou mesmo às redes sociais que correm sobre ela. De facto, a rapidez de divulgação das mensagens proporcionada pela internet, facilita que cheguem quase instantaneamente a públicos muito vastos, que elas sejam verdadeiras, ou não.

Para além da rapidez da difusão, houve outra circunstância que alterou o significado original de “fake news”. Na realidade, o termo refere-se hoje, não apenas a notícias falsas; vai para além disso, já que designa a manipulação de dados ou notícias, a descontextualização de notícias ou mesmo as velhas e simples mentiras usadas por políticos em campanhas eleitorais, ou fora delas. Servem hoje, com frequência, para montar campanhas difamatórias ou até para criar climas artificiais entre os diversos eleitorados.
E desengane-se quem pensa que só indivíduos ou candidaturas eleitorais se servem das possibilidades das “fake news” e que estas têm sempre origem da net. Com habilidade, inteligência e capacidade de manipulação da comunicação social clássica que, afastada que está hoje do verdadeiro jornalismo, logo a repassa para a internet, os governos e os partidos das mais variadas colorações políticas usam e abusam das “fake news”. Entrou-se numa era que a informação, a publicidade e o espectáculo se interpenetram de tal forma que se torna quase impossível detectar as respectivas fronteiras.
Como habitualmente, a primeira tentação perante as más notícias, é matar o mensageiro. É assim que a net e as redes sociais são imediatamente consideradas responsáveis por tudo o que de estranho ou de mau acontece. Nos EUA, o improvável Donald Trump é eleito presidente? O mais fácil é considerar que tal foi conseguido pela manipulação do eleitorado através da montagem de “fake-news” disseminadas pela net, esquecendo que, em primeiro lugar Hillary Clinton também não foi propriamente um anjinho nessa matéria e depois Barak Obama também usou e abusou das “fake.news” para ser escolhido como candidato presidencial do Partido Democrático antes da sua primeira eleição como Presidente. Tal como aconteceu agora no Brasil com a eleição de Bolsonaro; alguém acredita verdadeiramente que mais de 50 milhões de brasileiros foram directamente influenciados pelas campanhas sujas do WhatsApp? Como no Brexit em 2016, os eleitores do Reino Unido foram apenas influenciados pela maré de “fake news” dos defensores da saída da União Europeia?
Perante este cenário, lamento dizer que é muito provável que do relatório da ERC e da Assembleia da República não venha a sair nada de muito relevante. A era da digitalização está aí e espera-se, para bem de todos nós, que se mantenha e que, fundamentalmente, a Internet continue a ser sinónimo de liberdade. O que temos todos a fazer é mantermo-nos de olhos bem abertos e dotarmo-nos da capacidade de distinguir entre aquilo que podemos ter como certo e aquilo que nos deve manter na dúvida.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra de 19 de Novembro 2018

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

pin PAN pum

Então o sr. deputado do PAN foi sentar-se ao lado da esquerda toda na Assembleia da República e julgava que ia pacificamente colher alguns votos dos partidos das camaradas e dos camarados. Doce engano que não durou muito. O PCP e compagnons de route já lhe estão a tratar da saúde.


quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Armistício I Grande Guerra - cem anos

Coloquei aqui dois momentos musicais das celebrações do Armistício do Domingo passado, em Paris e em Londres. Para além da beleza musical, dá para perceber a diferença entre as duas celebrações. Em Londres há calor humano, há os políticos sem hipocrisias, mas há sobretudo povo, lembrando o povo que há cem anos sofreu na pele a desgraça da guerra. Em Paris foi tudo ao contrário.

Remembrance Sunday 2018, London: Edward Elgar - Nimrod

Ravel's Bolero - WWI armistice centennial Paris 2018 (complete)

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

TENHAMOS MEDO, MUITO MEDO




As tecnologias da informação e, essencialmente a Internet, colocaram todo o mundo em contacto com uma rapidez e uma eficácia difíceis de imaginar ainda há poucos anos. Esta expansão da inter-ligação à escala global tem levantado muitos receios sobre segurança, mas normalmente relacionados com Hackers isto é, com especialistas que escrevem programas capazes de entrar nos sistemas tidos como mais seguros. Estão neste caso os sistemas que controlam as transacções bancárias, bem como os das Forças Armadas que controlam as mais diversas armas, principalmente as mais sofisticadas. As Forças Armadas dos países mais desenvolvidos têm hoje mesmo unidades que se dedicam, quer a controlar ataques informáticos, quer a praticá-los no exterior. Basta lembrar o famoso vírus “stuxnet” que terá sido utilizado há uns anos para destruir milhares de centrifugadoras de enriquecimento de urânio, no Irão.
Mas há outra maneira de romper a segurança informática, muito mais sofisticada, mais difícil de ser detectada e que exige muito mais meios e mesmo uma organização complexa para ser conseguida que não utiliza software e sim os meios físicos dos computadores, o hardware. Ao conseguir-se “plantar” um microchip nos computadores, abre-se uma porta comandada à distância através de um simples comando, virtualmente impossível de detectar e que, de forma silenciosa, dá acesso a toda a informação que passa pelo processador do computador.
E foi um caso desses que uma investigação levada a cabo pela Agência Bloomberg conseguiu trazer a público, num extenso e detalhado (enfim, imagina-se que até ao ponto possível) artigo na revista Bloomberg Newsweek, num dos seus números mais recentes.
Aí se descreve como uma verificação de segurança de rotina à Elemental Technologies, que a Amazon pretendia adquirir, detectou algumas anomalias nos servidores dessa empresa. Uma análise mais aprofundada às “motherboards” desses computadores permitiu verificar que continham pequenos “chips” do tamanho de um grão de arroz, que não estavam previstos nos respectivos projectos. Essa empresa produzia “software” de compressão de vídeos pesados e a sua formatação para serem utilizados nos mais diversos equipamentos; permitia a transmissão de Jogos Olímpicos, comunicações com a Estação Espacial Internacional, mas também utilizações secretas pela CIA e Forças Armadas, como comunicações com “drones” militares, por exemplo. Tratava-se, portanto, de informação extremamente sensível. Eventualmente, chegou-se à conclusão de que os “chips” teriam sido plantados por algum os alguns dos possíveis fabricantes. As placas tinham todas origem na mesma empresa, o maior fabricante de “motherboards” para servidores do mundo, a Supermicro. Esta empresa tem as suas placas “motherboard” colocadas nos servidores tidos como mais seguros do mundo, como aqueles que controlam as ordens de compra e venda dos bancos, dos “hedge-funds”, serviços de “nuvem” de alta segurança como os da Cia, etc. 

A Supermicro fabrica as “motherboards” na China e foi aí que os “chips espiões” foram colocados. O seu desenvolvimento exigia também grande capacidade técnica, já que os últimos exemplares detectados tinham o tamanho de uma ponta de lápis e eram colocados entre duas das camadas de fibra de vidro que servem de base às “motherboards”, sendo quase impossíveis de serem descobertos. Concluiu-se que foram desenvolvidos por uma unidade especializada do Exército de Libertação Popular chinês que obrigava as fábricas a colocá-los nas placas encomendadas pela Supermicro, de acordo com as suas indicações. Foi assim que dezenas das maiores empresas do mundo e diversas Forças Armadas estiveram (ou ainda estão) à mercê da espionagem global chinesa, expondo os seus segredos mais bem guardados.
Isto passou-se a partir de 2016 e manteve-se até agora no silêncio dos deuses. Curiosamente, ainda não se viu a comunicação social abordar o assunto, ainda que ao de leve e nem mesmo na Web Summit alguém se referiu ao caso. Trata-se de uma falha gravíssima de segurança à escala global, levada a cabo por um país que simultaneamente está a comprar empresas estratégicas um pouco por todo o mundo, de que Portugal é um exemplo. Tenhamos medo, muito medo.

Publicado no Diário de Coimbra, em 12 Novembro 2018

Lições de moral

Sobre a lição de moral de António Costa a Manuel Alegre


quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Mahler - Symphony No.1 [4/5]

TRUMP

Depois de ver, em diversos sites de notícias, a resposta de Trump ao jornalista da CNN, fui tentado a comentar, mas fiquei quieto. Afinal, só via a reacção e não a pergunta do jornalista, pelo que tinha que dar o benefício da dúvida de o jornalista ter sido inconveniente. Depois de ver a reportagem completa, fiquei esclarecido. Afinal Trump foi verdadeiramente aterrador. Não é  normal um presidente americano reagir assim sem destemperadamente, numa conferência de imprensa, a uma pergunta, inteiramente legítima  e com sentido, de um jornalista. Tudo aquilo ultrapassou todos os limites da democracia, do respeito, da educação e até, da decência. Daqui para diante, o presidente americano, se já não gostava dele, passa a ser um bandido internacional que, espero, o próprio sistema americano seja capaz de expurgar logo que possível.

Sá Carneiro

Recordando Sá Carneiro, principalmente àqueles que andam sempre com o nome dele na língua, mas não praticam:

“A política sem risco é uma chatice, mas sem ética é uma vergonha”

Estaline não diria melhor

Lindo, Estaline, ou mesmo Hitler, não diriam melhor:

“A política não é uma questão de vontade, mas de força”

Catarina Martins em entrevista ao Expresso, 

Quem parte e reparte e não tira a melhor parte, ou é tolo ou não tem arte

Salários dos políticos e gestores são os que mais sobem em Portugal



https://www.dn.pt/edicao-do-dia/08-nov-2018/interior/salarios-dos-politicos-e-gestores-sao-os-que-mais-sobem-em-portugal-10145574.html?fbclid=IwAR1wHENif8DyY_xmIHHN5a4KDxuxGXm_sthTZOTE7AXL4deJQNwZrbNemqY

Patrick Cassidy - Funeral March

terça-feira, 6 de novembro de 2018

F. Liszt - "Ständchen" Piano Transcriptions After Schubert - Khatia Buni...

Feminismo em 1975

Em 1975, algumas mulheres anunciaram que iam queimar soutiens publicamente no Parque Eduardo VII, em Lisboa, em nome da sua liberdade, com a Alexa aqui em primeiro plano. Foi um descalabro. Atraíram uma multidão de homens que, rapidamente, passaram da simples curiosidade voyerista a uma violência inacreditável contra as mulheres. Uma mostra do atraso social da altura no nosso país. Relembro esta manifestação, com solidariedade para com elas,
 https://youtu.be/HZgaDPl_2NY

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Armistício: mitos e celebrações




Desde muito novo que me lembro de ouvir falar na heróica participação portuguesa na 1ª Guerra Mundial, onde os soldados portugueses teriam demonstrado mais uma vez a sua bravura, nomeadamente na batalha de La Lys ocorrida em 9 de Abril de 1918 que, assim, tinha passado a fazer parte do conjunto das glórias militares portuguesas. Era tido como certo que os soldados do Corpo Expedicionário Português (PEP) tinham lutado com toda a valentia contra o poderoso inimigo alemão, sacrificando-se gloriosamente pelo seu país que, de forma una, lhes tinha confiado essa missão.
Sabemos hoje que a realidade do sucedido não teve nada a ver com aquele mito propagado quer na 1ª República, quer no Estado Novo, embora por razões diferentes. Em primeiro lugar, não houve nada que se parecesse com unanimidade no país, no que toca à participação naquele conflito. Nesta guerra defrontaram-se os representantes de um mundo que estava a acabar, em que os respectivos chefes de Estado até eram quase todos primos que nem se aperceberam bem por que começou o conflito, mas sem capacidade para se sentarem à mesa e evitarem a hecatombe que acabou com 4 impérios.
A decisão da participação portuguesa na guerra ocorreu poucos meses depois do 14 de Maio de 1915, em que morreram centenas de pessoas nas ruas de Lisboa. Afonso Costa e o seu PRP ficaram donos e senhores absolutos do poder, embora não do país, pelo que pressionaram a Inglaterra a pedir a Portugal o apresamento dos navios alemães no porto de Lisboa, o que foi feito em 23 de Fevereiro de 1916. O objectivo assumido era o de conseguir uma “unidade nacional” que lhes permitisse a manutenção no poder, sem limitações, além de Portugal vir a poder sentar-se à mesa com os vencedores. A Alemanha declarou guerra a Portugal e o General Norton de Matos preparou os pouco mais de 50.000 homens do Corpo Expedicionário Português para seguirem para o teatro de guerra, na Flandres. 

Soldados mal preparados, mal alimentados e pior vestidos e calçados para o que os esperava. E o que os esperava era uma desgraça imensa, numa guerra de trincheiras horrível, com a qual Portugal nada tinha a ver, e na qual os soldados portugueses não eram mais do que carne para canhão. Literalmente. Os diversos ministérios da guerra, quer da “União Sagrada”, quer de Sidónio Pais, deixaram os soldados na frente sem procederem à sua necessária rotatividade, a comerem alimentos ingleses que detestavam e com roupas que se desfaziam na humidade das trincheiras. A partir de Março de 1918 os alemães lançaram uma última ofensiva no Somme e, na noite de 8 para 9 de Abril, atacaram o sector português em La Lys numa ofensiva fortíssima de artilharia e posterior ataque de infantaria numa frente de 20 quilómetros que desbaratou as defesas portuguesas, provocando mais de 400 mortos e 6.000 prisioneiros.
Tudo correu mal nesta nossa participação na Primeira Grande Guerra. Tal não impediu que, depois da guerra, Portugal ainda tentasse receber a espantosa indemnização de guerra de centenas de milhões de libras correspondentes a 1.050 libras por cada um dos muitos milhares de civis africanos supostamente mortos na guerra e antes vítimas de bárbaro colonialismo, numa falta de vergonha a vários títulos lamentável.
Por tudo isto mal se percebe o entusiasmo das comemorações portuguesas do centenário do Armistício, que ocorre no próximo dia 11 de Novembro e a que se decidiu dar “grande relevo”. Nem as razões da entrada na guerra, nem a desgraça que foi essa participação são de molde a suscitar orgulhos e festividades militares. Deveriam ser antes motivo de reflexão sobre o nosso papel no mundo e de como os nossos atrasos atávicos servem de base para os maiores disparates dos governantes com sacrifícios acrescidos para os portugueses que não têm culpa nenhuma disso, a não ser pela sua passividade crónica.
A construção de mitos históricos corresponde à necessidade de sublimar colectivamente desgraças e frustrações, dizendo mais de quem a promove do que dos acontecimentos que lhes estão na origem. E os mitos são frequentemente nocivos para as sociedades: lembremo-nos do sebastianismo que se seguiu à derrota de 4 de Agosto de 1578 e do mal que fez e faz à maneira de ser portuguesa.