segunda-feira, 24 de abril de 2023

SOBRE UMA ESTÁTUA DE D. AFONSO HENRIQUES


 As obras artísticas figurativas aliam dois aspectos que podem transportar uma elevada tensão entre si: o representativo e o simbólico. Quando se trata de homenagear figuras com uma elevada carga Histórica, essa tensão é ainda maior podendo, caso seja mal resolvida, ter efeitos contrários à boa vontade original.

Vem esta introdução a propósito da passagem temporária por Coimbra de uma escultura de D. Afonso Henriques a caminho do seu destino final, em Zamora, Espanha e da vontade anunciada pela Câmara Municipal de vir a dotar a Cidade de uma escultura do Rei.

O nosso primeiro Rei é a figura central de uma narrativa muito bem construída pela cidade de Guimarães, onde existe uma estátua emblemática de D. Afonso Henriques, sob o lema «aqui nasceu Portugal», que abrange o castelo da Cidade e o cenográfico Paço Ducal, do sec. XV, portanto muito posterior à nacionalidade. Em torno destes elementos, Guimarães construiu, e muito bem, a sua marca. Se perguntarmos a qualquer português sobre Guimarães, com uma muito elevada probabilidade responderá que ali nasceu Portugal.

No entanto, foi em Coimbra que D. Afonso I estabeleceu a sua Corte, aqui morreu e aqui está sepultado. Há mesmo quem diga que o seu nascimento terá ocorrido em Coimbra ou Viseu, sendo já rara a defesa de que tenha nascido em Guimarães. Em Coimbra existe desde a Nacionalidade o Paço Real, que desde o início do sec. XVII se chama Paço das Escolas. O seu túmulo encontra-se no Mosteiro de Sta. Cruz que foi fundado precisamente por ele em 1131 e que é panteão nacional por essa razão. O túmulo é belíssimo e sobre ele pode-se admirar a estátua jacente do Rei fundador da autoria de Nicolau de Chanterenne, a encomenda de D. Manuel I, no sec. XVI.

Coimbra tem, assim, todos os motivos para chamar a si a fundação da nacionalidade podendo, com toda a facilidade, caso o queira, construir uma narrativa sólida e muito abrangente sobre o assunto. Contudo, a cidade nem sequer tem uma estátua do nosso primeiro Rei. A passagem desta escultura da autoria do escultor Dinis Ribeiro e do arquiteto Abel Cardoso, que pretende retratar o rei na sua juventude, foi efémera (muitos dizem que ainda bem) mas veio, apesar das polémicas, levantar a questão da estátua do Rei primeiro em Coimbra, o que em si é positivo.

Uma escultura que tem a possibilidade de ter um efeito iconográfico de peso para Coimbra levanta duas questões que se interpenetram: o tipo de escultura e a sua localização. Por exemplo, uma escultura apeada como a de Guimarães poderá ficar bem em certos locais e mal noutros, tal como acontece com uma escultura a cavalo. Também não convém que entre em conflito com outros locais que já são ícones de Coimbra como acontece, por exemplo, com a proximidade do Mosteiro de Sta Clara, associado à Rainha Santa Isabel onde se escolheu colocar a escultura que vai para Zamora. Isto é, a encomenda da estátua deverá ser antecedida pela escolha do local concreto onde será implantada, decisão que por si mesma já não é fácil. Uma estátua equestre ficaria bem, por exemplo, no meio da Praça Velha, já o mesmo não acontecendo com a Praça Oito de Maio ou o Largo da Sé Velha, outro monumento relacionado directamente com o nosso Rei fundador. Qualquer um destes locais receberia bem uma estátua apeada bem dimensionada, desde que que implantada adequadamente, tal como aconteceria com o jardim/escadaria em frente da Escola José Falcão precisamente na Av. Afonso Henriques, aqui com a vantagem de descentrar as visitas turísticas a Coimbra.


Particularizar a estátua a determinados pormenores, como idade muito jovem ou avançada, como acontece com esta que agora passou por Coimbra não parece que seja grande ideia, devendo-se optar por uma imagem do Rei consentânea com a que foi sendo construída ao longo dos séculos e por ele próprio pela sua acção decidida e forte de construção de um reino independente. De qualquer forma, depois de decidido o local de implantação, será adequado e até prudente que a Cidade realize um concurso de ideias que permita a autores diversos apresentar as suas propostas, com classificação por um júri (com participação de autarcas e de munícipes convidados, mas também de especialistas em História de Portugal e de Arte, incluindo professores da Universidade). Temos de ter consciência de que um monumento destes pode ser importante para a Cidade mas deverá, para que venha a fazer parte da sua marca identitária, estar em harmonia com o significado histórico do Homem representado, quer seja de forma mais clássica ou mais moderna, não interessa, desde que com qualidade artística claramente reconhecida.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 24 Abril 2023

Imagens recolhidas na internet

domingo, 23 de abril de 2023

O REGRESSO DA POLÍTICA

 


A maioria absoluta alcançada nas eleições realizadas há pouco mais de um ano pelo PS dirigido por António Costa parecia ter retirado a política da atenção mediática, substituída por questões que à superfície parecem mais técnicas que outra coisa. A política pura e dura retirara-se para as catacumbas dos centros de poder totalmente ocupados e geridos pelo partido do Governo, permanecendo bem escondida dos olhares dos portugueses. Essa ocupação vai tão longe que abrange mesmo as entidades reguladoras da economia que, por definição, deveriam ser independentes mas para onde foram sendo dirigidos ex-governantes, desde ministros a secretários de Estado. Cá fora, para discussão pública, foram ficando assuntos diversos e irrelevantes para o futuro da generalidade dos portugueses, de que a eutanásia será o exemplo mais óbvio.

Tudo isto ia correndo, até que….. foi «destapada» a TAP na comissão de inquérito da Assembleia da República, dando razão ao velho ditado que nos ensina que «zangam-se as comadres, descobrem-se as verdades».

A actuação da gestão da TAP e, principalmente, dos membros do Governo directamente responsáveis pela companhia está para além do compreensível pelo cidadão comum, ainda por cima tratando-se de uma empresa renacionalizada pelo Governo de António Costa depois de privatizada como mandava o memorando de entendimento assinado por Sócrates com a Troica e onde foram metidos 3,2 mil milhões de impostos dos portugueses. Esta situação, só por si, aconselharia qualquer Governo, a começar pelo seu primeiro responsável, a ter especiais cuidados com tudo o que dissesse respeito à empresa, ao contrário da perfeita balbúrdia que todos vamos descobrindo.

E a explicação habitual de que se tratava de assuntos técnicos caiu por terra, devido às evidentes interferências governamentais na própria gestão diária da TAP. O assunto tornou-se, assim, eminentemente político, com consequências que ainda não são visíveis neste momento, mas que se vão adivinhando.

Começou mesmo a falar-se abertamente de dissolução da Assembleia da República, com o próprio presidente da República a referir-se à hipótese como sendo uma prerrogativa constitucional de que não abdica. Muitas vozes, incluindo a do presidente, vão contudo adiantando não ser este um momento adequado para que tal aconteça, por razões conjunturais ligadas à guerra na Ucrânia, à inflação e sobretudo, por não se ver alternativa eleitoral viável ao partido Socialista. Quanto às razões conjunturais, são apenas areia atirada aos olhos dos portugueses, não fazendo qualquer sentido e nem vale a pena comentá-las. Já o argumento da falta de alternativa exige mais cuidado na sua abordagem. De facto, se a Democracia tem uma vantagem, é precisamente a de haver sempre alternativa: quem escolhe é o povo que, por definição, sabe o que faz. Na minha opinião, embora haja uma crise governativa sistémica, ela não é novidade nenhuma e é mesmo anterior à actual maioria absoluta pelo que, neste momento, não há ainda uma razão concreta que, por si, justifique a dissolução da Assembleia.

Claro que uma hipótese de ultrapassar a crise que tem vindo a criar seria o próprio partido Socialista assumir as suas responsabilidades de partido com maioria absoluta e substituir todo o governo, com o primeiro-Ministro à cabeça. Foi, por exemplo, o que fez recentemente o partido Conservador no Reino Unido, correndo com o primeiro-ministro incapaz de dar a volta à situação não uma, mas duas vezes. Todos sabemos, no entanto, que os nossos deputados não têm independência suficiente para tomar tal atitude, sejam de que partido forem, porque na realidade não são escolhidos pelos portugueses mas sim nomeados pelos directórios partidários para preencherem as listas apresentadas a eleições. Pelo que esta solução não será certamente seguida pelo PS, embora haja sempre uma primeira vez para estas coisas.


E, aqui, é evidente a responsabilidade grave que o PSD tem neste momento. A meu ver não pode estar à espera que o poder lhe caia nas mãos, mais cedo ou mais tarde. E precisa de sacudir rapidamente, e de vez, o colete de forças que o PS habilmente lhe colocou com o Chega. Para tal, tem uma saída viável a curto prazo, à semelhança de Sá Carneiro em 1979, mas atendendo aos tempos actuais. Deverá organizar um congresso para construção de uma alternativa com todo o centro-direita e independentes, incluindo Iniciativa Liberal e o CDS. Sim, neste último caso poderia mesmo tentar anular a asneira das últimas eleições, garantindo-lhe lugares em listas comuns nas próximas eleições. Eleições que, apesar de tudo, poderão ocorrer bem mais cedo do que se espera, pelo que a urgência é óbvia.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em  17 de Abril 2023

Imagens recolhidas na internet

segunda-feira, 10 de abril de 2023

A BELEZA DOS CABELOS BRANCOS

 


Num dia destes chamou-me a atenção, no ginásio que frequento, uma jovem nos seus trintas, com boa parte da cabeça coberta por cabelos brancos que contrastavam fortemente com o resto do cabelo ainda bem preto. Na realidade, apenas a juventude estabelecia diferença relativamente à maioria das mulheres mais velhas frequentadoras do ginásio onde, tal como sucede no resto da sociedade, muitas mulheres escolhem hoje não pintar o cabelo.

Trata-se de uma alteração social recente que, eventualmente, surge como uma das numerosas mudanças trazidas pelo confinamento provocado pela pandemia do COVID-19. De facto, a ida aos cabeleireiros tornou-se muito mais rara, aliás com consequências muito sérias ao nível dessa actividade económica.

Mas essa não será a principal razão por que muitas mulheres deixaram de pintar o cabelo, quer frequentem ou não o cabeleireiro com a mesma regularidade de antes. Há, notoriamente, uma escolha deliberada por assumir um dos sinais típicos da passagem dos anos por todos nós, homens e mulheres.

Que fique claro que não estou, nem de perto nem de longe, a fazer alguma crítica às pessoas que escolhem pintar os seus cabelos quando começam a aparecer as primeiras cãs. Também estão no pleno direito de fazer as suas escolhas e terão as suas razões para as assumir. Além disso, se as mudanças sociais das últimas dezenas de anos trouxeram alguma vantagem, é precisamente a de aceitar as escolhas pessoais aos mais diversos níveis.

Mas assumir os cabelos brancos traz, em si, uma capacidade de afirmação social de relevo, para além da beleza própria dos cabelos prateados e do seu significado. Lembro-me de artistas célebres que sempre assumiram os seus cabelos brancos quando eles surgiram, não diminuindo em nada o seu encanto pessoal, muito antes pelo contrário. Por exemplo, para referir algumas das minhas artistas preferidas, a célebre cantora folk americana Emmylou Harris surgiu, a certa altura, com uma nova beleza que nada fica a dever à que tinha enquanto jovem. Ou a excelente atriz britânica Helen Mirren que surge tão estonteante nos dias actuais como quando actuava na Royal Shakespeare Company nos já longínquos anos 70.

E, se a minha própria filha já apresenta orgulhosamente os seus cabelos brancos ao começar os seus quarentas, a que propósito o seu pai iria esconder os seus quase setenta, disfarçando os anos já vividos? Na realidade os cabelos brancos podem aparecer numa idade avançada ou mesmo nunca, mas também podem surgir em pessoas bem mais novas. Poderá tal facto ser fruto de dificuldades da vida que fazem com que os trabalhos de cada ano sejam equivalentes a vários anos descansados. E assumir isso mesmo também só faz ressaltar uma personalidade forte e uma excepcional capacidade de resistir às pressões e dificuldades, o que em si mesmo já é notável.

Acontece ainda que esta evidente mudança significa ainda uma alteração comportamental social da maior relevância. Ao afirmarem-se com os seus cabelos prateados as pessoas mostram que se consideram como elementos activos e importantes na sociedade, longe de se andarem a esconder seja de que maneira for. Não apenas pela experiência adquirida ao longo das suas vidas, o que já por si é um valor inestimável, mas também por serem quem são e não um peso morto. Na realidade, mostram que podem ter um papel social de relevo e com elevadas vantagens para toda uma sociedade que passa por momentos de evidentes dificuldades de organização e mesmo definição de objectivos concretos.

E um cabelo prateado bem cuidado usado com orgulho é também sexy, já que pode, por si mesmo atrair o outro, podendo vir a somar-se a outros eventuais atributos físicos pessoais indo, contudo mais além pela capacidade evidente dos aspectos psicológicos que se somam assim aos outros. 

Texto publicado originalmente no Diário de Coimbra em 10 de Abril de 2023

Imagens retiradas da internet

segunda-feira, 3 de abril de 2023

DAS EMPRESAS EM PORTUGAL


 É talvez uma das piores heranças da geringonça que permitiu a António Costa governar o país depois de ter perdido as eleições em 2015. Nos últimos anos tornou-se praticamente consensual na sociedade portuguesa um sentimento de oposição sistemática às empresas, principalmente às grandes e, com toda a naturalidade de uma evidência instalada, contra aquelas que apresentam grandes lucros ao fim do ano. Se isto não é novidade por parte dos apoiantes do PCP e do BE que rejeitam em absoluto o liberalismo e o sistema económico que lhe está subjacente que é o capitalismo, já é um pouco surpreendente que posições muito semelhantes surjam de quem não se assume como comunista ou mesmo socialista da nova vaga.

Parece que o sucesso das empresas é equivalente ao assalto automático ao bolso dos consumidores, mais parecendo que os portugueses se tornaram neste séc. XXI seguidores de Proudhon, para quem “a propriedade é o roubo”.

E, ao longo dos anos, foi-se instalando uma ideia generalizada de que é positivo que a nossa economia seja constituída em mais de 98% por micro, pequenas e médias empresas, que estarão mais perto dos consumidores e dos seus interesses imediatos, ao contrário das grandes que são uns monstros exploradores que, por vezes, até instalam as suas sedes em outros países. Nada de mais errado.

Recentemente, foi tornado público um estudo conjunto da Associação Business Roundtable e da Nova Information Management School denominado “Análise prospetiva do impacto do crescimento das grandes empresas em Portugal” que procedeu a uma avaliação do impacto das grandes empresas na economia nacional.

Surpresa das surpresas: 1% das empresas do país são responsáveis por gerar 57% do valor Acrescentado Bruto. Os números do estudo mostram que, no período entre 2016 e 2019 as grandes empresas nacionais foram, em média, 3,7 vezes mais produtivas que as médias empresas e geraram um VAB dez vezes superior ao dessas mesmas empresas.

Mas as surpresas não se ficam por aqui. O prof. Bruno Damásio da Nova IMS e investigador responsável pelo estudo fez notar “o forte impacto que as organizações de grande dimensão têm, tanto a nível económico, como dos trabalhadores e do próprio Estado”. De tal forma que, “para além de 57% do VAB, essas grandes empresas garantem por si 62% das exportações, 48% dos gastos com pessoal, 64% das contribuições para a segurança social e 71% dos impostos entregues ao Estado. Significa isto que 1% das empresas contribuem com muito mais do que as restantes 99% do tecido empresarial, constituído por pequenas e médias empresas”, como vincou ainda Bruno Damásio.

Para além disso, as grandes empresas pagaram, em média, salários de 30.900 euros, o que significa mais 30% do que as médias e mais 70% do que as pequenas empresas.


É fácil percebermos que algo está profundamente errado nas políticas que temos seguido. Mas este estudo vem provar, à evidência, um dos principais problemas da nossa organização económica. A produtividade e o crescimento dos rendimentos, quer dos investidores, quer dos trabalhadores, estão em linha com o crescimento das próprias empresas e não na continuidade de uma economia baseada essencialmente em muitas micro, pequenas e médias empresas que apenas subsistem num mercado pobre e pouco sofisticado.

Como resultado, o que vemos é um Estado que, paulatinamente, se vai transfigurando de “social” em “assistencialista” à medida que vamos empobrecendo relativamente aos parceiros europeus. Isto apesar dos fundos que nos vão enviando para isto e mais aquilo e ainda recuperação (de quê?) e de resiliência (será que sabem ao menos o que é?), mas nunca para que as empresas cresçam, sejam competitivas, tenham lucros a sério e possam pagar ordenados semelhantes aos dos outros europeus.

E o que mais perturba no meio disto tudo é que pareça que ninguém com responsabilidades políticas esteja a dar conta disto e andemos para aí todos entretidos a catar quem fica com o IVA do galão ou do croissant do pequeno-almoço ou se os imigrantes nos vão destruir a nossa sagrada vivência. Ou ainda se presidente da República e primeiro-Ministro andam de candeias às avessas ou vão juntos à bola. Já agora, a Roménia (a Roménia, lembram-se do Ceausescu????) que as previsões apontavam que nos apanharia em riqueza em 2024 já o fez em 2022. Os outros vêm já a seguir, se continuarmos com esta conversa da treta de achar que “as empresas são o roubo”, quando o Estado é que não consegue cumprir as suas obrigações mínimas na saúde, na educação, na justiça, na defesa, etc. etc.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 3 de Abril de 2023

Imagens recolhidas na internet