segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Coimbra no seu melhor, também na Cultura


A Canção de Coimbra, nas suas diversas formas, é um património cultural diferenciador e mesmo identificador da nossa Cidade. De entre os seus cultores ao longo dos anos contam-se alguns dos maiores expoentes da música portuguesa, quer entre os cantores, quer instrumentistas. Algumas das canções e das composições instrumentais tornaram-se famosas no mundo inteiro e os seus acordes iniciais remetem instantaneamente para Coimbra.
Há cerca de um ano deixou-nos aquele que é considerado um dos expoentes na arte de tocar guitarra à maneira de Coimbra, no que se tornou uma referência pela forma inconfundível como o fazia, diferente de todos os outros guitarristas, anteriores e contemporâneos. Francisco Martins aprendeu ainda criança a tocar Guitarra com António Portugal e a sua sensibilidade própria e a dedicação ao instrumento levaram-no a ser um executante excepcional. Mas Francisco Martins tinha ainda uma outra qualidade inata que o distingue de todos os outros cultores da canção de Coimbra. Era um compositor genial com a capacidade de produzir belas melodias. Especialistas como Armando Luís de Carvalho Homem elogiam a beleza das suas composições e a sua arte suprema como executante na Guitarra.
Os artistas que o acompanharam à viola ao longo da sua vida recordam com saudade e carinho a experiência que foi tocarem com ele. Em especial, é particularmente comovente ouvir Rui Pato, que o acompanhou desde os dezasseis anos, descrever a emoção que era tocar com Francisco Martins, ele que é igualmente um artista notável a tocar o seu instrumento, a guitarra clássica, tendo por isso mesmo sido escolhido por José Afonso para o acompanhar nos seus discos imortais. 

Além dos espectáculos ao vivo, Rui Pato acompanhou Francisco Martins nos seus álbuns a solo “Canção da Primavera” em 1986 contendo, entre outros temas, a “Canção da Primavera”, “Despedida” e “Momento Breve” e “Primavera 2” em 1996 que inclui “a “Dança Estival”, a “Canção da Primavera nº 2”, as “Variações em Fá Maior” e a “Despedida”, entre outros. No seu último álbum a solo “Convívios Musicais” em 2004, Francisco Martins foi acompanhado à viola por Aníbal Moreira, experiência que este descreve como um dos pontos mais altos da sua vida artística. Antes destes, Francisco Martins havia editado o disco “Flores para Coimbra” em 1969, onde era patente a sua capacidade de fazer acompanhamentos e já se fazia notar a sua originalidade e inspiração como compositor nas obras “E alegre se fez Triste” e “Trova da planície”, com letras de Manuel Alegre e Orlando de Carvalho, respectivamente.

Francisco Martins viveu a sua vida da forma discreta que escolheu, alternando a sua actividade artística musical com o exercício da profissão, tendo sido um Médico de reconhecido profissionalismo e saber como Chefe do Serviço de Neurorradiologia nos Hospitais da Universidade de Coimbra.
Senhor de um humor próprio e uma simpatia inexcedível, deixou uma profunda saudade em todos os que tiveram a sorte de o conhecer ou ser seus amigos e o autor destas linhas teve o privilégio de ouvir os seus comentários ao escrito nalgumas destas crónicas e em particular, como ele dizia sorrindo “ao que lá não estando, está”. Mas sendo um artista genial, deixou-nos as obras que compôs e gravou, que fazem com que ele nos acompanhe em permanência, sortilégio exclusivo dos artistas.
Cultivar a sua memória e divulgar a obra que nos deixou é um dever que sentimos ser da Cidade que foi sua de alma e coração.
É, pois, inteiramente justo e adequado o PRÉMIO FRANCISCO MARTINS que a Orquestra Clássica do Centro, com o apoio da Câmara Municipal e da Livraria Almedina, acaba de instituir para premiar anualmente autores de obras musicais, promovendo novos valores e, simultaneamente, perpetuar a obra e o nome de Francisco Martins. Sendo reconhecido pelos seus pares como um dos maiores executantes de Guitarra de Coimbra e fundamentalmente um dos compositores mais notáveis da Música de Coimbra, este será o primeiro passo para o reconhecimento que a nossa Cidade notoriamente lhe deve como um dos seus artistas maiores.

E, caro leitor, é enorme a satisfação do autor destas linhas por mais uma vez poder colocar no título da crónica semanal, “Coimbra no seu Melhor” e partilhar esse gosto com os leitores.

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Coimbra no seu melhor


A avalanche de notícias das últimas semanas não é propícia a que outras novidades importantes, mas fora do foco principal da atenção generalizada, tenham a atenção que merecem. Ainda que num determinado dia surjam com algum destaque na imprensa, são rapidamente esquecidas, levadas pelo imediatismo de que vive a comunicação social.
Há cerca de uma semana, Portugal foi admitido na Aliança M8, que é o mais importante grupo de reflexão na área da saúde a nível mundial, tendo passado a ser o 14º país e o 5º da Europa a fazer parte dele. A candidatura, que começou a ser preparada há um ano, foi aprovada por unanimidade enquanto decorria a Assembleia Geral da Cimeira Mundial da Saúde, que é a conferência anual da Aliança M8 e que teve lugar em Berlim. Deve-se salientar que a candidatura portuguesa contou com o patrocínio do Brasil e da Academia Portuguesa de Medicina e ainda com o apoio do Charité, hospital universitário e universidade de Berlim, bem como do Ministério da Saúde.
A Aliança M8 constitui uma rede de excelência de Centros Médicos de Saúde Académicos, Universidades e Academias Nacionais, a partir da qual se organiza anualmente a Cimeira Mundial da Saúde, onde se analisam e discutem os cuidados de saúde. É seu objectivo “promover a a investigação transnacional, bem como a inovação na abordagem da prestação de cuidados, almejando o desenvolvimento de sistemas de saúde eficazes na prevenção da doença”. Além de Portugal que passou agora a integrar a Aliança M8, fazem parte mais quatro países europeus, a França, a Inglaterra, a Suiça e a Alemanha. Das instituições incluídas salientam-se, por exemplo, o Imperial College do Reino Unido, a Sorbonne de França, a Universidade de São Paulo do Brasil, ou a Bloomberg Escola de Saúde Pública John Hopkins dos EUA
Trata-se do início da participação de Portugal no mais importante fórum mundial da saúde, mas o seu significado é ainda mais importante para Coimbra. De facto, Portugal é aqui representado pelo consórcio formado pelo Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) e pela Universidade de Coimbra.
É reconhecida desde há muito tempo a relevância da Saúde em Coimbra, quer pela amplitude da oferta de serviços, quer pela qualidade e nalgumas áreas mesmo pela excelência reconhecida a nível nacional e internacional. O estabelecimento do consórcio entre o CHUC e a Universidade de Coimbra é apenas a formalização de uma ligação que existe desde sempre, já que boa parte do ensino da Medicina em Coimbra se faz no próprio CHUC. Foi, no entanto, importante para juntar esforços através dos representantes máximos das duas instituições, mas também por anexar os próprios ministérios da Saúde e da Educação, simbolizando uma união de esforços concertada no objectivo da entrada de Portugal na Aliança M8.
Desta vez, Coimbra conseguiu ser farol e agregar o país à sua volta, impondo-se não por razões simbólicas ou de qualquer outro tipo, mas pela sua excelência e capacidade de organização. E não se pense que foi muito fácil. Basta referir que, tanto o Hospital de S. João do Porto, como o Hospital de S. Maria de Lisboa estavam interessados em ser o representante português na Aliança M8, tendo exercido influências, às vezes até exageradas, para que Coimbra mais uma vez ficasse para trás.

Seria injusto, perante este sucesso, não referir o nome do principal responsável para que acontecesse. O presidente do Conselho de Administração do CHUC Dr. Martins Nunes foi capaz de definir um objectivo muito difícil, que muitos considerariam mesmo inacessível, estabelecer uma estratégia, construir a necessária rede de aliados nacionais e proponentes internacionais, perceber donde vinham as dificuldades laterais para as anular e lutar para levar a Instituição que dirige a ocupar um lugar entre as melhores e mais influentes Escolas de Medicina do mundo. Não é algo que seja vulgar em Portugal, mas em Coimbra é um sucesso a salientar e que merece todo o respeito e admiração da nossa comunidade. Parabéns pelo trabalho bem feito, Dr. Martins Nunes.
Mas a importância desta entrada na Aliança M8 é feita em representação de Portugal. Permite o acesso directo ao que de melhor se faz na Medicina e na sua investigação no mundo, enquanto abre uma porta à Medicina portuguesa e aos nossos investigadores.

Poder escrever com toda a justiça o que vai no título desta crónica, “Coimbra no seu melhor”, é uma satisfação enorme. Retirar uma notícia com uma enorme relevância para a nossa comunidade da enxurrada das notícias que vêm e vão sem deixar rasto e dar-lhe atenção pública é uma obrigação de cidadania.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 19 Outubro 2015

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

O gosto e o desgosto do Capitalismo

Há algumas semanas li uma interessante entrevista a uma jovem que se rebelava publicamente contra o “estado de coisas”. Perguntada sobre como se definia politicamente respondeu de pronto que era anti-capitalista; questionada sobre se era comunista, respondeu que não.
Vivemos hoje numa sociedade em que a organização económica em quase todo o mundo deriva do capitalismo ou, se se preferir outra designação, economia de mercado. As excepções são uns restos do antigo modelo comunista, como Cuba ou a Coreia do Norte, havendo ainda a China governada pelo partido Comunista, mas com uma organização económica complexa que mistura puro capitalismo de Estado, com livre iniciativa privada, embora rigorosamente vigiada.

O colapso da União Soviética ocorreu em 1989, há portanto 26 anos, o que significa, na realidade, que os jovens de hoje não possuem qualquer memória pessoal sobre aquela realidade, desconhecendo em absoluto as origens das posições ideológicas anti-capitalistas clássicas, sejam as dos partidos comunistas clássicos, ou das dos numerosos esquerdismos maoismos, trotzkismos, etc, sejam as de extrema direita. 
No que diz respeito a Portugal, o 25 de Novembro de 1975 está ainda mais longe, pelo que a sua memória histórica aparece ainda mais diluída, com a ajuda do branqueamento levado a cabo pelos próprios interessados que vão mantendo intactos os seus referenciais ideológicos historicamente derrotados em 1989.
O capitalismo não é uma ideologia política, constituindo antes uma forma de organização económica baseada na liberdade pessoal e na livre iniciativa, sendo aquela que historicamente teve mais sucesso. Tem facetas boas e tem facetas más. Para não irmos mais longe, o caso da vigarice organizada pela Volkswagen à escala global, é o exemplo acabado de como a ganância e a necessidade de os administradores apresentarem resultados positivos e crescimento constante aos accionistas (os donos das empresas) podem levar a enganar consumidores e autoridades fiscais do mundo inteiro. 
A desproporção de poder do capital das empresas perante os outros “stakeholders” leva facilmente a estes abusos, pelo que a regulação e a capacidade de actuação e independência de autoridades fiscais e entidades judiciais é essencial para restabelecer o necessário equilíbrio.
Mas a indústria automóvel é igualmente uma das demonstrações mais categóricas das capacidades positivas do capitalismo. Os automóveis evoluíram desde o seu surgimento, sendo hoje tecnologicamente avançados, oferecendo uma economia de combustível e uma segurança inimagináveis até há poucos anos. Tal foi possível, pela competição entre os diversos fabricantes do mundo inteiro, que foram sucessivamente absorvendo as inovações tecnológicas que cada um ia conseguindo. A comparação com automóveis dos países comunistas até aos anos noventa do século passado dava azo às mais diversas anedotas, porque nos lembramos dos Trabant, Wartburg, Volgas e coisas semelhantes que também tinham 4 rodas, mas mais nada que se comparasse ao que o capitalismo consegue produzir.

O anti-capitalismo cresce entre a juventude de hoje, sem que tal signifique uma posição política ditada por uma ideologia sustentada, designadamente naquelas que vão até Marx ou Engels e que não dizem nada aos jovens de hoje que vivem mergulhados na informação trazida pela internet através dos tablets, computadores e telemóveis. Tudo isto, ironicamente, produtos cuja existência e utilidade só foram tornados possíveis pelo capitalismo e que, além do mais, promovem de forma extrema a liberdade individual. 

Mas todos esses aparelhos funcionam com software, tão ou mais importante que os próprios equipamentos. E os produtores de software ganham fortunas colossais a nível global mas, praticamente, não têm mão-de-obra, o que contribui largamente para a má imagem actual do capitalismo, de que toda a gente aproveita, mas que tanta gente detesta.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra de 12 de Outubro de 2012.


segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Pequena reflexão, no dia que lhe é dedicado

Sábado de manhã a escrever a crónica semanal em dia de reflexão. As eleições são amanhã e esta crónica será publicada na segunda-feira, já depois de conhecidos os resultados eleitorais e terem acontecido as consequências políticas mais importantes, para além dos festejos dos vencedores. Como habitualmente, folha branca e caneta ao lado do computador, para alinhar tópicos a desenvolver. Um assunto se impõe: eleições.
As eleições deste fim-de-semana vão ficar para a História. Eventualmente pelos resultados, mas desde logo pelo seu circunstancialismo verdadeiramente excepcional.
Imagine quem me está a ler que, na parede de fundo da sua sala de jantar, tem o quadro Guernica de Picasso. Sim, eu sei que só pelas suas dimensões tal seria difícil, eu próprio já me emocionei algumas vezes perante a pintura, pelo que a conheço bem. Mas deixe esse aspecto de lado e imagine que todos os dias almoça e janta com as crianças e restante família tendo a Guernica como fundo. Significaria isso que mesmo durante esses períodos de leve convívio e confraternização agradável e bem-disposta, não deixaria de ter como pano de fundo a guerra, a destruição, o ódio, a desgraça da barbárie, o sofrimento atroz e os gritos de socorro eternizados genialmente por Picasso. O que, deve dizer-se, não é propriamente boa companhia para os momentos de lazer e convivência, pelo que quem almoçasse numa tal sala só tinha duas hipóteses: ou nunca mais lá almoçava, ou de alguma maneira esquecia que o quadro estava ali, transformando-o mentalmente numa simples peça de decoração sem significado intrínseco.
Ora bem, o que se passou nestas eleições foi uma situação semelhante, que obrigou de alguma forma os portugueses a almoçar numa sala com a Guernica ao fundo, fazendo os possíveis e impossíveis por não dar por ela.
Portugal é o país em que o principal responsável durante dezenas de anos por um dos maiores bancos está detido com suspeitas de fraudes e sei lá que mais crimes económicos. Ricardo Salgado foi durante anos a face do banco e do grupo económico a que presidia, por escolha da restante família. Mas foi muito mais do que isso. Socialmente era o expoente de uma determinada elite que fugia às capas das revistas ditas sociais; ao contrário dos arrivistas que se pelam por lá aparecer, aquela família pagava o que fosse preciso para se manter fora das fotografias. E tinha-se a noção de que pairava acima das restantes pessoas, quer pela atitude, quer pelo poder que se adivinhava só pela sua presença. Poder real, dado que o seu banco era claramente aquele que mais claramente se relacionava com a economia e as médias e pequenas empresas mas, e sobretudo, pela participação do grupo nos maiores negócios do país, naqueles em que o Estado tinha uma palavra decisiva. Falo, como é bom de ver, nas telecomunicações e nas diversas parcerias publico privadas que transformaram as obras públicas em simples justificação para negócios financeiros. Tudo ruiu fragosamente perante o descalabro de contas que se tornaram impossíveis de esconder e o homem que era o maior responsável por aquele império está detido, aguardando pela conclusão de processos que se adivinham numerosos e pesados, não só em Portugal, mas também em pelo menos meia dúzia de países com a Suiça à cabeça.

Mas esta não é a única detenção de pessoas importantes que a Justiça manteve durante os meses que antecederam estas eleições. Vários políticos de topo se viram a braços com processos judiciais relacionados com actividades ilícitas como corrupção e troca de favores durante o exercício de elevadas funções como governantes ou agentes superiores do Estado, pelo que passaram esta campanha detidos. À cabeça está, como é evidente, o anterior primeiro-ministro de Portugal, não cabendo aqui comentar ou analisar da justeza ou não da actuação da Justiça neste caso, bastando apenas para o caso dar nota de que a situação existe e é ineludível.
Tal como podemos fazer por ignorar o quadro de Guernica na sala de jantar, a realidade de fundo destas eleições foi esta. Para além das questões evidentes da vinda e saída da troika, da austeridade e sacrifícios dos portugueses, das contas do Estado, da evolução económica, da emigração, do desemprego, das exportações etc. etc. havia algo de que não se falava, mas que estava sempre presente.
Portugal é um país com muitos séculos de História. É mesmo o pais europeu que tem as suas fronteiras estabilizadas há mais tempo. Os portugueses já passaram por muito ao longo de todos estes séculos e adquiriram um saber e um sentir colectivos que ultrapassam em muito questões pontuais, por mais relevantes que elas pareçam quando surgem.

O facto de os portugueses, embora bem conscientes do circunstancialismo excepcional destas eleições, terem mantido a serenidade, demonstrando um civismo exemplar e uma cultura democrática superior durante estas eleições e todo o longo período de campanha que as antecedeu é o mais importante que fica, muito para além da sua vontade política expressa nos votos no dia de amanhã.
Nota: foto de votantes inserida posteriormente neste texto.