segunda-feira, 25 de abril de 2022

VIVEMOS EM DEMOCRACIA. Graças ao 25 de Abril


 Festejam-se hoje 48 anos sobre o 25 de Abril que trouxe a Portugal a Liberdade e o início do regime democrático em que vivemos desde então.

Data de simbolismo especial porque são passados 48 anos sobre o fim de um regime político que tinha tido início precisamente 48 anos antes, na sequência da revolução militar que se iniciou em Braga em Maio de 1926. Os militares comandados pelo Gen. Gomes da Costa tomaram o poder notoriamente sem saber bem o que fazer com ele, saberiam apenas que queriam acabar com a República, que ficou conhecida como a Primeira. E acabaram por entregar esse poder a Oliveira Salazar que tomou posse como Presidente do Conselho de Ministros em 5 de Julho de 1932 dando início a um regime ditatorial montado de acordo com a sua vontade a que chamou «Estado Novo». Só abandonaria o cargo em 1968 após uma queda que o incapacitou, sendo substituído por Marcello Caetano que deu continuidade ao regime, com algumas alterações, mais de nome que de substância. Continuou a haver censura, partido único, polícia política e tribunais plenários, para além de legislação social anacrónica como a inferiorização das mulheres, constituindo uma excrescência política apenas acompanhada por Espanha numa Europa ocidental saída da Segunda Guerra Mundial com regimes democráticos liberais generalizados.

E, fundamentalmente, Portugal estava em guerra com forças independentistas em África desde 1961, com teatros de operações na Guiné, em Angola e em Moçambique. Após tantos anos em guerra, numa guerra solitária uma vez que todos os países europeus com impérios haviam já procedido à descolonização, centenas de milhares de jovens portugueses tinham já passado pelas fileiras, com milhares de mortos e feridos com gravidade, para além dos problemas psiquiátricos provocados pelo stress traumático.


Observando a partir dos dias de hoje, é evidente que o regime que se auto-intitulava de «Estado Novo» estava moribundo. Em 25 de Abril de 1974 militares dos três ramos das Forças Armadas que constituíram o «Movimento das Forças Armadas» deram-lhe o golpe fatal, sem que praticamente tenha reagido. Revolução dos cravos, ou revolução sem sangue, assim ficou conhecida. Apenas um ano depois do 25 de Abril de 74 os portugueses maiores de idade, todos os portugueses pela primeira vez, exerceram o direito democrático de votar escolhendo quem pretendiam que os representasse na Assembleia Constituinte de que sairia a nova Constituição promulgada em 1976, estabelecendo as bases do regime democrático cuja fundação hoje celebramos. Claro que se seguiu um período conturbado de definição de caminhos a seguir mas também de aprendizagem de vida democrática, que terminou em Novembro de 1975, após o que se entrou na normalidade democrática.


O tempo foi levando o que era acessório, decantando o essencial. Foi assim que muitos dos heróis daqueles dias fundacionais foram mostrando as suas fragilidades, fossem generais, almirantes ou simples civis. O tempo acabou por mostrar quem foi verdadeiramente herói e sempre o foi pela vida, de forma humilde, mas sem nunca se desviar do seu caminho da verdade e da justiça. E, ao fim de todos estes anos, uma figura simples emerge como o verdadeiro símbolo desse espírito de libertação da tirania, sem pedir absolutamente nada em troca para si, sempre com verdadeiro respeito pelo povo de que provinha e de que nunca se separou. O Capitão Salgueiro Maia foi de facto a figura maior daquele dia, quer na forma serena mas decidida com que enfrentou as dificuldades no Terreiro do Paço e na Av. Ribeira das Naus, mas também no Carmo. Os portugueses ficaram a dever-lhe muito, muito mais do que se imaginava e, sem ele, os Generais e Comandantes da Junta de Salvação Nacional não teriam certamente podido surgir à noite na RTP como o fizeram.

Mas há outra figura nacional ligada ao 25 de Abril, merecedora de todo o nosso respeito e admiração, que também manteve sempre uma atitude humilde, sendo uma das figuras maiores da nossa Cultura, José Afonso, de quem aqui deixo a primeira estrofe, cheia de significado, do tema que acabou por ser senha do 25 de Abril:

Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade

 

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 25 de Abril de 2022

Imagens recolhidas na internet

segunda-feira, 18 de abril de 2022

UMA NOTA DE RODAPÉ DA HISTÓRIA

 


Enquanto o PS inicia um terceiro mandato governativo consecutivo, desta vez com maioria absoluta, o PSD afundou-se numa baixíssima representação parlamentar, preparando-se agora para finalmente iniciar uma nova orientação política com uma liderança também nova que, eventualmente, o possa recolocar numa posição de vir a discutir eleitoralmente uma vitória com o PS. Enquanto a política tem horror ao vazio, a Democracia exige que os cidadãos disponham permanentemente de respostas alternativas a quem governa, com capacidade de não só proporem programas diferentes, mas também de apresentarem pessoas que se perceba serem capazes de os concretizar. No panorama partidário português, só um partido surge ainda hoje com essa capacidade, o PSD, embora tenha notoriamente perdido grande parte da sua capacidade de intervenção política, para além da diminuição do peso político eleitoral e consequente enfraquecimento a nível de lugares eleitos, local e nacionalmente.

Será, portanto, a altura certa para se fazer uma análise das razões que levaram à actual situação. Percebe-se que os candidatos à liderança venham a apelar à unidade partidária, colocando uma pedra sobre o passado e assim tentando evitar fracturas eleitorais que lhes possam ser prejudiciais mas a mudança, qualquer mudança seja em que sector da actividade for, não se faz nunca sem uma avaliação do passado que explique o presente para construir um futuro diferente.


E também em política as árvores se conhecem pelos seus frutos. A passagem de Rui Rio pela presidência do PSD teve como resultado duas derrotas eleitorais em eleições legislativas o que traduz, certamente, o juízo que o eleitorado fez da sua acção política. O número de deputados do PSD na Assembleia da República quedou-se, em 2022, em apenas 77 enquanto o PS soma 120 deputados. Mas não só. À direita do espectro político existem hoje a Iniciativa Liberal com 8 deputados e o Chega com 12 deputados, enquanto o CDS não está representado com nenhum deputado. É esta a consequência política muito concreta da acção do PSD nos últimos anos, depois de ter assumido a governação do país entre 2011 e 2015 nas condições ditadas pelo programa de ajustamento financeiro, vulgo troika, a que o governo socialista de José Sócrates sujeitou o país com a sua governação.

Na realidade, Rui Rio fugiu sempre de assumir aquela governação do PSD, ajudando à construção da narrativa socialista de que a «austeridade» tinha sido uma escolha desse governo e não uma obrigação ditada pela situação de pré-bancarrota do país. Durante o seu mandato à frente do PSD defendeu sempre que o PSD seria um partido de centro-esquerda, não percebendo que esse é o espaço natural do PS, ainda que eventualmente vá buscar apoios à extrema-esquerda, quando disso necessita, para de seguida a deixar cair, como hoje se vê. Nem a História do PSD e das suas vitórias com maioria absoluta como aconteceu com a AD de Sá Carneiro e Cavaco Silva lhe fizeram, e aos seus apoiantes, perceber como foram conseguidas. Com Rui Rio, e durante os períodos de governação socialista, o PSD demitiu-se do seu papel de oposição activa escudando-se em afirmações de uma suposta defesa do interesse nacional, para apenas aparecer nas campanhas eleitorais, quando as escolhas estão basicamente definidas. Chegou-se ao ponto de aprovar uma ida do primeiro-Ministro à AR apenas uma vez em cada dois meses em vez de duas por mês, porque o Governo tem que trabalhar, imagine-se. Como se, em Democracia, o papel da oposição não fosse esse mesmo, fazer oposição e afirmar-se como alternativa durante todo o tempo e não apenas nas campanhas eleitorais. Bem podem vir agora argumentar com a passagem de votos da extrema-esquerda para o PS como justificação da maioria absoluta, que isso apenas mostra como o PSD não foi capaz de suscitar apoio eleitoral onde dizia que o ia obter. E do outro lado, contribuiu para a eliminação do CDS na AR, ao não aceitar coligação e deu ainda espaço para que a IL e o Chega tivessem as votações que se conhecem.

Diria que pior seria impossível. Pelo resultado da sua actuação Rui Rio ficará na História do PSD como um dos piores presidentes que teve, se não o pior. Já na História de Portugal nem esse rodapé terá. Quem lhe suceder será, naturalmente, de outra geração, com outras prioridades mais conformes quer com o eleitorado natural do PSD desprezado nos últimos anos, quer com um país que entretanto evoluiu e que necessita de novas respostas para os seus problemas, os de sempre e os novos que estão a surgir.

Publicado originalmente no Diário  de Coimbra em 18 de Abril 2022

Imagens retiradas da internet

segunda-feira, 11 de abril de 2022

A MÃO DE IRYNA


Bucha. Nome de uma pequena cidade de que nunca tínhamos ouvido falar, mas que nunca mais nos sairá da memória. Tal como Oradour-sur-Glane, pequena aldeia francesa que entrou na História pelo massacre de mais de 600 homens, mulheres e crianças que os nazis ali perpetraram em 10 de Junho de 1944.

Também em Bucha não foi um ou outro soldado russo transviado que praticou crimes de guerra. Tratou-se de uma acção sistemática contra civis levada a cabo durante semanas pela unidade militar que tomou a cidade e ali se instalou violentamente nas casas dos seus habitantes, destruindo, pilhando, violando e assassinando. Sim, assassinando, porque não há outro termo para o acto de matar a tiro quem tentava fugir de carro, ou mesmo quem passava nas ruas de bicicleta. Sabe-se agora que uma mulher de 52 anos, moradora de Bucha, queria estar «mais bonita e elegante», e tencionava ir a um concerto da cantora pop Olya Polyakova pelo que em Fevereiro começou a ter aulas de maquilhagem. Claro que não foi a concerto nenhum, porque os russos invadiram a Ucrânia em 24 de Fevereiro, acabando com as vidas normais de milhões de pessoas que apenas queriam viver em paz num país que pudesse escolher o seu próprio destino dentro de uma Europa livre e democrática.

E Iryna, uma mulher simples e esperançosa no futuro, mãe de uma filha, acabou assassinada pelos tiros de uma arma militar russa em 5 de Março, quando regressava a casa na sua bicicleta, depois do trabalho. 


O seu corpo trespassado pelas balas e abandonado na rua durante semanas pelo medo foi imediatamente reconhecido pela sua professora de maquilhagem quando viu a mão com as unhas pintadas de vermelho e um coração num dos dedos, depois da partida dos russos. A fotografia da mão assim caída no chão correu mundo e tornou-se um símbolo da barbárie em que se tornou a «operação militar especial» de Putin na Ucrânia. Depois de se saber do sucedido em Bucha, mais situações idênticas foram sendo conhecidas em outras cidades nos arredores de Kiev, como em Chernihiv ou Makariv, o que obriga a uma abordagem destas acções do exército russo como sistemáticas e não pontuais.

Para alguns, trata-se de algo que é normal acontecer nas guerras, onde não há bons nem maus e todos praticam atrocidades, assim se desculpabilizando, na prática, os que as praticam. A recordação que fiz acima de Oradour-sur-Glane não é, pois, inocente. Na realidade, há semelhanças perturbantes na acção dos exércitos nestes casos, cumprindo ordens superiores, que revelam a mais completa amoralidade de ordenantes e executantes.


O lançamento de mísseis sobre a estação de comboios de Kramatorsk onde, desde o dia anterior, milhares de ucranianos se juntavam para fugir de um previsível grande ataque russo provocou dezenas de mortos civis, na maioria mulheres e crianças. Tratou-se de mais uma demonstração de uma mentalidade militar absolutamente inadmissível que deverá, mais cedo ou mais tarde, ser objecto de criminalização a nível internacional com o castigo dos responsáveis como criminosos de guerra.

Perante a invasão russa que levou a guerra a praticamente todo o seu território, a população ucraniana tem dado provas de uma resistência impressionante, não cedendo um centímetro aos invasores. E o mundo ocidental mostra o seu apoio à Ucrânia, dentro dos limites possíveis, atendendo à permanente ameaça nuclear russa. É assim que o presidente ucraniano Zelensky tem falado e explicado o que se passa no seu país em numerosas assembleias. Também no nosso país a Assembleia da República aprovou um convite ao presidente Zelensky para falar numa sessão especial. A decisão contou com a abstenção do BE e o voto contra do PCP, que são evidentemente livres de escolher o lado em que estão, embora as justificações para os seus votos sejam também evidentemente criticáveis e mesmo inaceitáveis por colocarem a Ucrânia que foi invadida e a Rússia que invadiu, num mesmo patamar de responsabilidade.

A este propósito, relembro aqui a «Cantata da Paz» de Sophia de Mello Breyner Andresen:

“Vemos, ouvimos e lemos
Não podemos ignorar
Vemos, ouvimos e lemos
Relatórios da fome
O caminho da injustiça
A linguagem do terror”

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 11 de Abril de 2022

Imagens recolhidas na internet 

 

segunda-feira, 4 de abril de 2022

E QUANTO À ECONOMIA?

 


Finalmente, dois meses depois das eleições de finais de Janeiro, tomou posse o Governo saído da nova Assembleia da República, o XXIII Governo Constitucional. Trata-se de um governo de maioria absoluta e não será pela memória do Governo de Sócrates com essa característica que as vantagens de poder aplicar por completo um programa sufragado pelo eleitorado saem diminuídas. Claro que um governo de maioria absoluta pode sempre cair na tentação do poder absoluto, mas em Democracia lá virão as eleições no fim do mandato parlamentar e aí o povo soberano salda as contas. Mas, «aqui que ninguém nos ouve», é de longe preferível para o país que o Governo não tenha que negociar com o PCP, o BE, ou com ambos.

Ao observar-se a composição e a estrutura do Governo saltam à vista alguns aspectos próprios e diferentes relativamente aos anteriores governos de António Costa. Claro que as circunstâncias nacionais decorrentes da crise económica provocada pela pandemia de que ainda não recuperámos totalmente, a que veio agora juntar-se o regresso da inflação, exigem nova abordagem da problemática governativa. Mas também e talvez sobretudo, a crise internacional e muito europeia causada pela invasão russa da Ucrânia, traz problemas muito sérios que estão aí para durar, independentemente do fim mais ou menos próximo do conflito militar.

Percebe-se assim que os Negócios Estrangeiros apareçam em terceiro lugar na estrutura governamental e a Defesa em quarto. Aproveito para referir que, embora seja novidade em Portugal, devemos encarar com a maior normalidade o facto de a Defesa ser entregue a uma mulher, o que não vejo como cumprimento de quotas de sexo, mas antes como reconhecimento de competência da pessoa escolhida, que é isso que nos deve verdadeiramente interessar como cidadãos. Claro que a entrega da parte da chamada resiliência da economia do PRR ao ministro com o segundo lugar, no caso a Ministra Mariana Vieira da Silva, é em si significativo, tal como o é, e muito, o facto de o Primeiro Ministro ter reservado para si a parte da digitalização do mesmo programa. Talvez ainda mais importante seja o facto de António Costa ter levado para o seu gabinete as relações com a União Europeia, o que é uma novidade absoluta. Pelo contrário, o facto de a Coesão Territorial ser relegada para o décimo sétimo lugar na estrutura do Governo é também significativo, mas pela negativa. A organização territorial, com a litoralização excessiva da população e principalmente da actividade económica produtiva, associada aos graves problemas demográficos, aconselharia um papel mais significativo na estrutura governativa, mas na realidade esta situação é apenas a continuação do que tem sucedido nas últimas décadas.

Mas verdadeiramente significativo, e a meu ver lamentável, é o lugar ocupado pela Economia, o nono lugar. Isto porque está à vista a evolução lamentável da economia portuguesa desde há pelo menos duas décadas, sem que se veja qualquer capacidade nem mesmo vontade de efectuar as tais reformas fundamentais que toda a gente sabe quais são, referidas pelo próprio Presidente da República na tomada de posse do Governo, mas detestadas por António Costa que já uma vez disse que fica com pele de galinha quando ouve falar delas. Recordo que o Eurostat informou na semana passada que «o PIB per capita português medido em paridades de poder de compra desceu para 74% da média europeia quando era de 79% em 2019 e mais de 80% em 2000». Temos andado, portanto, para trás e fomos agora ultrapassados pela Polónia e pela Hungria, o que deverá suceder a curto prazo também, incrivelmente direi, pela Roménia. O novo ministro responsável pela Economia é publicamente defensor de mais Estado na Economia o que, atendendo a que esse peso é já evidentemente excessivo, só pode ser um mau augúrio. E faz-nos recordar a célebre frase de Bill Clinton ao opor-se a George W. Bush: «it’s the economy, stupid»!

Quando um novo Governo toma posse, só podemos desejar-lhe os maiores sucessos, que serão também os do povo. Mas não podemos também deixar de ter em conta a realidade e de sermos exigentes e responsáveis na nossa cidadania, evidenciando o que achamos de errado na governação, independentemente de partidarites.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 4 de Abril de 2022