segunda-feira, 11 de abril de 2011

A GRANDE CRISE

Propositadamente, as minhas crónicas das últimas semanas abordaram temas que a muitos leitores poderão ter parecido um pouco alienígenas, dadas as preocupações generalizadas e justificadas com a situação económica e financeira do país que, como era previsível, desembocou na semana passada num pedido de ajuda ao FEEF/FMI.

Os leitores que me perdoem se esperam o contrário, mas vou continuar a não escrever sobre essa matéria. Não é que esteja tudo dito, nem que os mitos se não continuem propalar, mas francamente o que está feito, feito está e as consequências que vamos sofrer durante anos são também mais ou menos conhecidas. O resto será objecto da natural e legítima luta política pré-eleitoral e os resultados deverão relevar mais do bom-senso que de outra coisa.

Chegámos ao ponto em que estamos depois de algumas décadas de um crescimento económico mundial absolutamente avassalador que se seguiu ao fim da Segunda Grande Guerra. O sistema capitalista ou de livre-mercado provou que era o melhor sistema para criar riqueza e dar origem a crescimento económico, emprego e desenvolvimento. Até aos anos oitenta do século passado, ao lado do sistema capitalista existia no entanto uma boa parte do mundo que seguia outro caminho: o sistema socialista. A certa altura, a pressão de crescimento do lado ocidental ou capitalista foi de tal forma que o outro lado implodiu: na realidade, em vez de Sol na Terra que tantos sonhavam era apenas um gigantesco buraco negro. Todos pensámos que a partir daí todo o mundo poderia assistir a um crescimento semelhante ao que o mundo ocidental tinha experimentado até então. No entanto, o desaparecimento do mundo socialista levou a que, algo contraditoriamente, o sistema de livre mercado desenvolvesse internamente uma crise de enormes proporções, ampliada pela falta de capacidade de resposta de políticos imaturos e impreparados, designadamente na nossa União Europeia.

A desregulação económica e financeira que se seguiu à queda do Muro de Berlim foi acompanhada de uma “economização” generalizada da sociedade. Os critérios para toda a actividade humana passaram a ser os mesmos do investimento económico puro e duro, criando-se uma sociedade egoísta e crescentemente desprovida de valores. A cultura sólida foi sendo substituída por turismo e conhecimentos “light”. Não será por acaso que na nossa Europa e mais acentuadamente entre nós, a taxa de fertilidade tenha descido até aos actuais níveis insustentáveis e que uma doença chamada depressão alastre pela sociedade e, em particular, pela juventude, da forma que se conhece. Não tenhamos dúvidas que a angústia mata, como costuma dizer o meu amigo Giuseppe, distribuidor da Cais na Baixa,. E a organização ou direi mesmo, a desorganização da nossa sociedade actual é mesmo angustiante. Tenhamos todos a humildade e a capacidade de o reconhecer e de exigir a quem tem mais responsabilidades a nível da organização social, que tenham respeito pelas pessoas e pelas suas necessidades e legítimas ambições de valorização cultural e humana e não apenas de enriquecimento material. É que, ao contrário do que alguns possam pensar, é precisamente em alturas de aflição económica como a actual, que é mais necessário pensar nas pessoas e não apenas em economia.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 11 de Abril de 2011

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