segunda-feira, 24 de outubro de 2011

AUSTERIDADE FORÇADA

Desde há alguns meses que somos diariamente confrontados com o termo "austeridade". Até parece que é castigo, por diversos motivos. E, provavelmente, não deveria sê-lo.

O que significa ser-se austero? Significa recusar abusos, ser severo, ser disciplinado com rigor. Verifica-se, assim, que austero, tanto o pode ser um rico como um pobre.

Os economistas pegaram no termo e começaram a aplicá-lo com o significado de rigor no controle de despesas do Estado. Quando os governos se endividam em excesso e não controlam os seus gastos, permitindo que os défices orçamentais subam de tal forma que o financiamento normal se torna difícil ou mesmo inviável, chega um momento em que só lhes restam normalmente duas hipóteses: ou renegoceiam a dívida, o que significa falência ou muito perto dela, ou pedem ajuda às entidades internacionais constituídas para isso mesmo, como o FMI. Nessas alturas lá vêm as ditas medidas de austeridade, que visam essencialmente que o Estado gaste menos dinheiro que, como se sabe, vem dos impostos dos cidadãos e da economia.

Austeridade do Estado, portanto. Quando o Estado se transforma num "monstro", para utilizar a imagem que entrou no nosso léxico há uns anos atrás, isso significa que, por mais que a economia produza, está lá omnipresente o Estado para absorver e frequentemente malbaratar grande parte do rendimento, impedindo o próprio crescimento da economia. É uma situação de Estado asfixiante do próprio país.

Portugal chegou claramente a este ponto. Não foi a economia que nos trouxe aqui; nem os trabalhadores. Foi um Estado tentacular que tudo quis definir através dos meios que deveriam ter sido entregues ao empreendedorismo, à capacidade de inovação e de assunção de risco, em suma à economia. O Estado definiu completamente quais as áreas de futuro, quais as actividades económicas a eliminar e a apoiar; fez isto de todas as formas e o país está exangue, estragado e dividido. A pesca foi quase eliminada, a agricultura foi abandonada e praticamente entregue às estratégias francesa e alemã, a indústria pesada destruída e o turismo virado para a exploração maciça dos chamados turistas de pé descalço. Tudo isto enquanto as cidades eram sistematicamente maltratadas crescendo em mancha de óleo, o território desordenado e desfeado, e o custo de manutenção de infra-estruturas foi crescendo em espiral. O Estado descobriu métodos financeiros para construir obra sem método nem controle de custos, endividando-nos de forma irreparável, como aconteceu com as parcerias público-privadas das SCUTS e outras. Para se ter uma ideia do que estou a falar, entre 2014 e 2018 vamos ter de pagar 2,5 mil milhões de euros em cada ano pelas tais PPP e entre 2018 e 2026, essa renda nunca descerá abaixo de 1,5 mil milhões por ano.

Chegou-se a um ponto em que a austeridade do Estado não é suficiente. Claro que essa austeridade é necessária e tem de ser obtida e mantida para futuro. Por exemplo, as PPP já constituídas têm, obrigatoriamente, que ser renegociadas, com distribuição mais equitativa das responsabilidades, não podendo os riscos e custos ficar todos do lado dos contribuintes. Mas a conta chegou a praticamente todos os portugueses de forma dramática. Se para o Estado se pode realmente falar em austeridade, para os portugueses em geral a situação tem outro nome: empobrecimento. É de facto de empobrecimento generalizado que se fala e há que assumir isso, não esquecendo que muitos destes novos pobres o são e vão ser como consequência das políticas públicas dos últimos anos. É por isso que o Estado tem nesta altura particulares responsabilidades nessa matéria, não podendo deixar de assumi-las.
Publicado otiginalmente no Diário de Coimbra em 24 de Outubro de 2011

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