segunda-feira, 31 de outubro de 2011

GIGANTES COM PÉS DE BARRO


Se durante a sua vida o coronel Kadhafi garantiu um lugar na História dos governantes mais sanguinários, as circunstâncias do seu bárbaro assassinato vieram colocá-lo noutra lista ainda mais trágica: a dos políticos cuja carreira acabou de forma violenta, onde foi fazer companhia a Saddam Hussein, Nicolae Ceaucescu, Mussolini, Nino Vieira e até Bin Laden, entre outros, só para referir os mais recentes.

Como sucedeu com tantos outros ditadores, a vida de Kadhafi enquanto líder provocou as reacções mais contraditórias por todo o mundo, o que foi visível mesmo aquando do seu desaparecimento.

Durante muitos anos foi a coqueluche de muitos esquerdistas, defensores de socialismos diversos, pan-arabistas, terceiro-mundistas, etc. Muito por causa do seu famoso "Livro Verde". Tal como o "Livro Vermelho" de Mao Tse Tung, incendiou massas de jovens ocidentais vivendo no auge da prosperidade capitalista ocidental pós-guerra, que acreditaram que aquelas fantasias poderiam levar a alguma coisa parecida com mais justiça e liberdade.

Entretanto, Kadhafi ia calmamente usando os dinheiros do petróleo líbio para promover o terrorismo pelo mundo inteiro, salientando-se o apoio ao tristemente célebre "Carlos", a ligação à Fatah e atentado nos Jogos Olímpicos de Munique em 1972 e os atentados a aviões como o de "Lockerbie" em 1988 em que morreram 270 pessoas.

O dinheiro do petróleo líbio serviu ainda para comprar apoios internacionais, sendo absolutamente risível a figura de muitos governantes de todo o mundo fotografando-se ao lado de Kadhafi, praticamente até ao seu fim. Tony Blair, sempre ele com a sua suprema e hipócrita capacidade de mentir, chegou ao ponto de colaborar com Kadhafi numa encenação ridícula para deixar levar o terrorista líbio de Lockerbie de uma prisão inglesa para a Líbia, a troco de uns contratos de petróleo com a BP. Suprema ironia, a Líbia esteve mesmo à frente à frente da agência dos direitos humanos da ONU durante algum tempo. Isto para não falar da fortuna colossal de dezenas de milhares de milhões de euros que Kadhafi tinha espalhados pelo mundo inteiro e que não lhe valeram de nada na hora da morte à saída de um cano de esgoto.

No que se convencionou chamar "Primavera Árabe", é outra ditadura que chegou ao fim, depois da Tunísia e do Egipto. Muitos afadigam-se a celebrar os novos tempos nos países árabes, do que se podem vir a arrepender em pouco tempo. A gente que assassinou Kadhafi daquela maneira não será certamente melhor que ele. Do Egipto vêm também notícias inquietantes no que diz respeito às liberdades e direitos humanos.

 
No meio disto tudo, muito fica por explicar quanto à decisão da NATO em apoiar militarmente as forças contrárias a Kadhafi, sem o que o ditador líbio não teria caído. E saltou à vista um aspecto muito assustador da moderna guerra que é o uso dos aviões não tripulados comandados de uma sala algures no interior dos Estados Unidos e que eliminam alvos concretos em qualquer parte do mundo, como na Líbia, no Iraque, no Afeganistão e sabe-se lá mais aonde. A utilização dos "drones" está cada vez mais a parecer-se com assassínio estatal à distância (ainda que quem maneja o joy-stick esteja fardado), sem julgamentos nem hipóteses de defesa, seja de americanos ou outros e deveria ser motivo de uma discussão e regulação de utilização internacional.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 31 de Outubro de 2011

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