segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

CAVALO DE TRÓIA



Na guerra de Tróia, perante a impossibilidade de ocupar aquela cidade com os meios bélicos de que dispunham, os Gregos usaram de um estratagema. Fingindo que levantavam o cerco, afastaram-se deixando um grande cavalo de madeira para trás. Os troianos convenceram-se de que estavam finalmente salvos, trazendo o cavalo para dentro das muralhas e celebrando a vitória com abundante utilização de álcool. Enquanto descansavam dos festejos, soldados gregos saíram do cavalo, abriram os portões da cidade e permitiram finalmente a entrada do exército grego que assim destruiu Tróia.
Há cerca de uma semana, as eleições gregas alteraram profundamente a correlação de forças políticas no país. O Syriza, um bloco radical formado por diversas tendências de extrema esquerda, à semelhança do português “Bloco de Esquerda”, obteve 36,3% dos votos expressos, quando em 2012 tinha obtido 26,9%. O partido Socialista Grego chamado PASOK que em 2009 tinha mais de 40% dos votos, depois de ter estado anos a fio no poder e se ter visto forçado a chamar a Troika, viu-se agora reduzido à quase extinção, com 4,7% dos votos, depois de ter tido 12,3% em 2012. O partido de centro direita “Nova Democracia” passou de 29,7% em 2012 para 27,8% nestas eleições. A abstenção teve um valor superior ao dos votos no Syriza. As alterações eleitorais mais expressivas têm portanto a ver com a subida do Syrisa em quase 10%, a descida a pique do partido Socialista PAZOK em quase 8% e numa grande abstenção.
Claro que, quando há eleições democráticas, a Democracia ganha sempre. Ao contrário do que se viu por toda a comunicação social e nos comentários à esquerda mas surpreendentemente também à direita, não é por o Syriza ter ganho as eleições que a Democracia venceu; nas eleições anteriores também ganhou e ganhará nas próximas eleições qualquer que seja o resultado, se as houver, claro.

O Syriza ganhou, propondo aos gregos um programa chamado anti-austeridade, que basicamente atira para o caixote do lixo todos os compromissos assumidos anteriormente pela Grécia, com vista a levar os índices das suas finanças públicas para dentro dos limites determinados pela União Europeia, em termos essencialmente de dívida pública e de défice orçamental. Entre as promessas do Syriza, contavam-se o aumento do salário mínimo de 580 para 751 euros, a abolição de taxas na saúde, a electricidade gratuita para 300.000 lares, a recontratação de 10.000 funcionários públicos, reposição de subsídios aos pensionistas, etc. Claro que ainda incluíam o perdão substancial da dívida pública grega, sujeitando o pagamento da restante ao crescimento económico, a inclusão de um período de carência no pagamento da dívida, a exclusão do investimento público das restrições do pacto de estabilidade e crescimento, etc. Estas últimas não dependem, obviamente do governo grego e sim dos parceiros europeus que teriam de pagar todo esse dinheiro para a Grécia voltar a ter a “qualidade” de vida que tinha antes da negociação com a Troika lhe ter levado a austeridade. Relembra-se que a Grécia já beneficiou de dois resgates que ascendem a 240 mil milhões de euros, beneficia das taxas de juro mais baixas de toda a periferia e obteve um corte de metade da dívida pública detida por entidades privadas.
Apesar do estranho sistema eleitoral grego que “oferece” 50 deputados ao partido mais votado, o Syriza não conseguiu uma maioria no parlamento, pelo que rapidamente se entendeu com outro partido, o “Anel” para atingir a maioria e formar governo. O Anel é considerado como um partido de extrema-direita, sendo o seu líder que ocupou o cargo de ministro da Defesa um conhecido xenófobo, homofóbico e antissemita.

A coligação a que muitos amigos do Syriza entre nós consideraram uma prova de “pragmatismo” não é mais do que a forma de levar a Grécia a sair do Euro e mesmo da União Europeia, atirando com a responsabilidade dessa saída para a própria união, para os neo-liberais, mercados, etc. De facto, a coligação tem um cimento, que é a luta contra o Euro e a União Europeia e tudo o que significam. A chantagem que já começaram a fazer à União só poderá ter o fim que todos adivinhamos, já que os restantes europeus não aceitariam a injustiça de se sacrificarem para o conforto dos gregos: por exemplo, nós os portugueses teríamos que pagar cada um mais de 500 euros para o perdão da dívida grega assumida por Portugal.

  O actual governo Grego constitui-se num verdadeiro cavalo de Tróia na União Europeia e o seu fim é abrir a porta à destruição da União. Os gregos têm todo o direito a decidir o seu futuro, que pode passar por sair da União Europeia, se assim o desejarem. Não têm é o direito de amarrar o futuro de toda a União europeia aos seus desejos.

1 comentário:

João Rebelo disse...

Oportuno e a meu ver lúcido.
Gostei.
João Rebelo