jpaulocraveiro@ gmail.com "Por decisão do autor, o presente blogue não segue o novo Acordo Ortográfico"
terça-feira, 10 de fevereiro de 2015
ALEGORIA DA CAVERNA
Uma observação atenta da realidade dos nossos dias não deixa de ser surpreendente à luz do que nos ensinaram os filósofos gregos idos já há tanto tempo.
Platão usou a famosa alegoria da caverna para mostrar quanto a realidade percepcionada pelos nossos sentidos pode ser enganadora e como pode ser igualmente perigoso mostrar o seu engano aos que não saem da sua “zona de conforto”.
Por ironia, o que se passa na Grécia por estes dias é bem demonstrativo de tudo isto. Os partidos do novo Governo fizeram toda a campanha eleitoral que lhes deu a vitória, com um conjunto de ideias simpáticas e apelativas que pareciam oferecer uma solução fácil à situação de terríveis dificuldades do país. Ignoraram todo um mundo, perigoso e por vezes selvagem mesmo, que existe fora do conjunto de ideias sobre as quais construíram a sua mundividência.
Sucede que, assim que saíram da sua toca para falar com o resto da Europa, descobriram, e estão ainda a descobrir que, além do mundo europeu no qual já esperavam dificuldades, existe todo um conjunto de mundos com as suas próprias dificuldades e até eleitorados próprios com as mesmas exigências de soberania e conforto que eles próprios. Difícil e eventualmente mesmo perigoso, será o regresso a casa depois de um choque infrutífero com o mundo exterior, explicando esse mesmo mundo a quem ficou “na caverna”. Relembra-se a morte de Sócrates pelos atenienses e as razões que levaram a esse facto.
Mas a União Europeia e os países que a constituem correm o mesmo risco. Fechando-se no seu mundo de certezas e garantias, construídas é certo com muito trabalho, persistência e competência, correm o risco real de o ver desabar. A História está cheia de factos pequenos, sem grande relevância ou mesmo significado profundo, que vieram a dar origem a convulsões gigantescas de consequências dantescas para a Humanidade. Para não ir mais longe, quem imaginaria que o assassinato de um príncipe herdeiro da Áustria poderia originar a primeira Guerra Mundial? A recusa liminar de conversações sérias com a Grécia poderia ter consequências trágicas para todos nós. Tal como uma abordagem séria e consequente da questão da Ucrânia está a constituir-se num perigoso foco de tensões com a Rússia que muito facilmente poderá descambar num conflito de graves repercussões. O que se tem passado na Europa, após o ataque islamita ao jornal satírico em Paris também não augura boas notícias. Repetem-se os sinais de fecho securitário ao exterior, enquanto o medo vai impedindo exposições, debates, etc. em que se imagine que os islamitas radicais se possam ofender e reagir violentamente; o atentado está a produzir os resultados desejados, por inteiro.
Em Portugal há também sinais de cegueira e enclausuramento em torno de situações, uma importantes e sérias pelas consequências na nossa vida colectiva futura, outras de carácter algo anedótico. Personalidades que vivem no seu mundo próprio, muito fechado aos simpatizantes de sempre, mesmo algo fanáticos, vão “enviando sinais para o exterior” pensando nas suas eventuais candidaturas à presidência da República, imaginando que alguém lhes dá o mínimo de importância. Uns vão dizendo que avançam se houver uma vaga de fundo que lhes peça isso mesmo, enquanto outro vão andando por aí, enquanto aguardam os resultados das legislativas. Razão teve Jorge Sampaio quando, no seu tempo próprio, sem se deixar enredar em partidarites nem se fechando num mundo fácil e simpático, decidiu em 1995, por sua conta e risco, anunciar que no ano seguinte seria candidato a Presidente da República. E, contra todas as previsões, foi Presidente durante dois mandatos.
Outros mundos fechados à realidade exterior há por aí, mas impossíveis de assinalar todos nas reduzidas linhas de uma crónica semanal bastando, a concluir, lembrar outro grego antigo, Demóstenes, citado a propósito (bem) no jornal Público na semana passada: "Nada é mais fácil do que se iludir, pois todo o homem acredita que aquilo que deseja seja também verdadeiro".
Publicado originalmente no "Diário de Coimbra" em 9 de Fevereiro de 2015
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário