quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Trump e o mundo

 

Neste ano que corre para o fim o mundo parece ter entrado numa fase de aceleração que nos merece atenção e, sobretudo, muita preocupação. No centro desta espécie de tornado político está o Presidente dos EUA que tomou posse em 20 de Janeiro, há apenas oito meses, período que nos parece muito mais longo do que na realidade é.

A actuação de um responsável político de um determinado país é, por princípio, apenas uma questão da política interna desse país. Mas tal afirmação não se pode aplicar a Donald Trump pela simples razão de que se trata dos EUA, o país mais poderoso do mundo que, além do mais, é o membro mais influente de uma aliança militar a que também pertencemos, a NATO. Essa circunstância, conjuntamente com a existência de uma guerra de um país europeu, atribui à actuação de Donald Trump uma importância global, com particular incidência na Europa a que pertencemos.

Depois de décadas de paz na sequência da II Guerra Mundial, os países europeus foram ampliando a sua cooperação económica e política, imaginando que essa paz seria eterna, preocupando-se apenas com o crescimento e o bem-estar das suas populações. Essa atitude deveu-se, em boa parte, ao facto de a NATO constituir um guarda-chuva militar e que, no fundo, a Europa continuaria a ter a certeza do apoio militar americano em caso de conflito militar. No fundo, que sucederia o mesmo que nas duas grandes guerras do sec. XX. Erro crasso, como agora se vê. O velho imperialismo reaccionário russo voltou e resolveu atacar a Europa, não só territorialmente, mas também ou sobretudo em tudo o que o Ocidente representa em termos civilizacionais. A invasão da Ucrânia e a guerra subsequente está aí para demonstrar esta realidade. Mas isto será apenas o princípio: nos últimos dias Putin entretém-se a testar a resposta ocidental com drones sobre a Polónia, sobrevoo da Estónia com caças e ataques cibernéticos generalizados.

Infelizmente, do outro lado do Atlântico está alguém que resolveu sonhar com um prémio Nobel da Paz! E, na prática, abandonou os seus velhos aliados europeus e passou a receber Putin no território americano com passadeira vermelha e a bater palmas. Na realidade, todas as suas acções internacionais se explicam apenas por uma razão: negócio. As tarifas, há tanto tempo abandonadas por serem um disparate que se paga mais tarde de forma trágica, a venda de armas à Europa para esta ajudar a Ucrânia e, cereja em cima do bolo, o desejo de construir uma Riviera em Gaza. Nem sequer tenta esconder o negócio puro e duro sem quaisquer limites com algum princípio moral ou de pretender que é um mal menor necessário em função de um futuro melhor.

As consequências da acção de Donald Trump a nível internacional resumem-se numa palavra: caos. E do caos não sai nada de positivo, como se vê pelas fotografias recentes em Xangai dos líderes russo, chinês e coreano do Norte com sorrisos largos perante a perspectiva da nova ordem mundial que afanosamente preparam, sendo todos eles ditadores.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra de  22 Setembro 2025

sábado, 20 de setembro de 2025

A regulação é necessária e fundamental

 

No meio das notícias sobre outros assuntos que tomaram a primazia na comunicação social, passou praticamente despercebida uma decisão do Tribunal Constitucional, talvez porque se pensou que com essa decisão o assunto ficara morto e enterrado. Refiro-me, claro está, à recusa daquele Tribunal em reverter a anulação das coimas impostas pela Autoridade da Concorrência (AdC) aos bancos no âmbito do chamado processo do “Cartel da Banca”.

Recordo que os factos a que se refere este processo ocorreram entre os anos 2002 e 2013, portanto há mais de doze anos e teve início com uma denúncia de um dos bancos participantes, o Barclays, que já não tem actividade em Portugal. Ficou provado que os bancos visados praticaram uma “troca contínua de informações sensíveis sobre preços e outras condições comerciais de crédito à habitação, crédito ao consumo e crédito para PMEs durante aquele período. Estas práticas anti concorrenciais permitiram aos bancos em causa cobrar taxas de juro aos clientes superiores às que deveriam acontecer em condições de concorrência normal originando lucros indevidos. O Tribunal da Concorrência condenou os bancos a coimas no montante de cerca de 225 milhões de euros. Nomeio os principais bancos condenados por aquele tribunal: CGD (82 milhões de euros), BCP (60 milhões), Santander (35,65 milhões), BPI (30 milhões) Banco Montepio (13 milhões de euros), BBVA (2,5 milhões), BES (700 mil), BIC (500 mil), Crédito Agrícola (350 mil), UCI (150 mil). É genericamente considerado que aqueles valores nem seriam demasiado elevados atendendo aos montantes indevidamente ganhos pelos bancos. O facto de o banco do Estado, a CGD, estar incluído neste rol, quando deveria ter também um papel regulador é algo de inaceitável.

Por causa de prescrições, e embora tenha confirmado os factos em julgamento, o Tribunal da Relação de Lisboa, chamado a pronunciar-se, anulou as coimas aos bancos.

Isto é, mais uma vez os portugueses veem-se confrontados com uma prescrição que constitui uma tremenda falha da Justiça em que, tendo dinheiro, se conseguem sucessivos adiamentos das decisões judiciais.

Desde há cinquenta anos que os portugueses sucessivamente confirmam a sua escolha eleitoral por um sistema de livre mercado. Este sistema, para ser minimamente justo, necessita de uma regulação séria da actividade económica que defenda os cidadãos de uma concorrência falseada. Em particular, a actividade financeira tem de ser regulada com especial cuidado, por ser essencial a toda a restante actividade económica.

Uma das razões por que muitas nações falham é a existência generalizada de rentismo, quer por parte do Estado através de impostos excessivos, quer pelas grandes empresas por preços artificialmente elevados. A falta de uma concorrência sã provoca aumentos dos custos para os clientes e tem ainda como consequência uma deficiência de empreendedorismo e diminuição da qualidade da oferta.

A verificação de que, de facto, o sistema financeiro durante anos cartelizou a sua actividade sem que o Estado, que nos devia defender, consiga a devida penalização é um sinal de que algo corre muito mal no sistema em que escolhemos viver. Se a banca teve estas práticas, quem nos garante que as grandes empresas que trabalham em áreas quase reservadas não fazem o mesmo? Desde a grande distribuição às telecomunicações e distribuidoras de combustível todos dependemos da regulação que, supostamente, o Estado nos garante. Mas será que isso acontece mesmo?

O fracasso da acção da regulação neste caso do “cartel da Banca” dá-nos uma resposta e não é de forma nenhuma de molde a colocar os portugueses confiantes. E nem vale acusar o Sistema Judicial de ser responsável pela situação, já que apenas aplica as leis como elas são aprovadas pelo correspondente poder, que é o legislativo, ou seja, a Assembleia da República.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 15 de Setembro de 2025 

 

quarta-feira, 10 de setembro de 2025

A personalização em política

 

Em breve teremos eleições autárquicas e, pouco depois, presidenciais. Estas últimas são as únicas que o nosso regime, definido pela Constituição, estabelece como individuais. Desde que cumpra determinadas condições mínimas, qualquer cidadão, homem ou mulher, se pode candidatar independentemente da pertença ou apoio de qualquer partido.

Mas a lei é uma coisa e a realidade é outra. A personalização das candidaturas nas eleições autárquicas é algo de adquirido, sendo que nessas eleições, para além de partidos e coligações podem concorrer grupos de cidadãos eleitores. O presidente da Câmara será sempre o cabeça da lista mais votada, ainda que não tenha obtido a maioria dos votos.

Já nas eleições legislativas os cidadãos eleitores escolhem os partidos que os representarão na Assembleia da República e, até 1995 havia uma regra não escrita segundo a qual do partido mais votado sairia o Governo e o Primeiro-Ministro. Contudo, a partir da geringonça de António Costa em 2015 o sistema parlamentarizou-se e o Governo sai das negociações entre os partidos. Em consequência, também nestas eleições se personalizaram as eleições legislativas, como que servindo para escolher o futuro PM e não a AR.

Torna-se cada vez mais evidente que nas Autárquicas se vota do candidato a Presidente da Câmara e não no partido ou coligação que o apoia.

Sendo estas eleições assim personalizadas, há aspectos que devem influenciar na escolha, juntamente ou mesmo para além das opções políticas das candidaturas. Até porque estas escolhas se fazem entre opções normalmente centristas, programaticamente um pouco mais para a esquerda ou um pouco mais para a direita, mas praticamente indistintas na prática da futura governação.

De forma que, a meu ver, haverá três condições essenciais na apreciação dos candidatos, para além das propostas políticas. Em primeiro lugar, deverá observar-se a capacidade do candidato distinguir entre o Bem e o mal. Nem me refiro aqui à possível corrupção, mas à verificação da carreira pessoal sob o ponto de vista ético. As falhas pessoais nesse aspecto em concreto não são muito facilmente detectáveis, pelo que toda a atenção é pouca; será conveniente observar com atenção as carreiras profissionais e políticas dos candidatos e eventual existência de mudanças súbitas de posição. Os candidatos deverão ainda ser capazes de distinguir o Belo do feio. A educação estética é uma faceta fundamental da vida pessoal, mas também colectiva; os autarcas são responsáveis, antes do mais, pelo espaço público, isto é, pela Cidade, sua evolução e manutenção. Por fim, a noção perfeita de que a Verdade é sempre preferível à mentira caracteriza, tal como na vida, a substância da actividade política.

Todas estes factores, que ainda por cima apresentam cada um deles inúmeras facetas, definem a personalidade ou mesmo o carácter dos candidatos. Muitas vezes erguem-se biombos mais ou menos vistosos e agradáveis para esconder aquilo que não se quer que seja perceptível pelos eleitores. Os eleitores têm de se esforçar por deixar de lado os preconceitos ideológicos e, antes de mais, perceber o que se passa no lado escuro do palco e não aquilo que lhes querem mostrar.

A leitura dos programas políticos apresentados serve apenas, na maior parte dos casos, para avaliar a actuação dos eleitos no fim dos seus mandatos. Na realidade, praticamente ninguém os lê antes de votar. Verdadeiramente importante é avaliar os próprios candidatos, sejam homens ou mulheres, sejam de esquerda ou de direita. Frequentemente, o carácter dos candidatos não é suficientemente conhecido, muitas vezes só surge aquando do exercício do poder, após as eleições. Por isso mesmo, muito importantes são os debates entre os diversos candidatos. Aí, a discussão aberta mostra muitas vezes mais sobre eles próprios do que sobre as ideias que dizem defender. Por isso, estimado leitor, não perca os debates porque são muito mais importantes do que poderia parecer à primeira vista.

 Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 8 de Setembro 2025