A atitude de Trump ao ligar directamente a Putin colocando como adquiridos alguns dos principais objectivos russos que deram origem à invasão da Ucrânia, faz agora três anos, deveria fazer pensar todos aqueles que acusavam os falcões americanos e europeus de serem responsáveis por aquela invasão. Tratar-se-ia, segundo eles, de mais uma cedência política dos países ocidentais à indústria de armamento americana e europeia. Putin não teria nada a ver com isso, estando apenas a tratar dos interesses russos. Interesses legítimos que abrangeriam a integração do território ucraniano, georgiano, etc. na sua soberania, de onde nunca teriam saído, não tivesse ocorrido a pior tragédia do sec. XX, como Putin classifica o fim da União Soviética. Quem assim pensava deve agora estar um pouco baralhado ao ver os EUA pela mão de Trump a passarem para o seu lado e a abandonarem a Ucrânia. Para Trump trata-se de um puro negócio, enquanto para Putin os objectivos são estratégicos e visam desfazer a União Europeia para a Rússia poder reinar no Leste europeu a seu belo prazer como aconteceu até 1989.
No seu primeiro mandato Trump fez muito barulho, mas na realidade pouco incomodou a ordem internacional estabelecida, apenas obrigando os parceiros da NATO a gastar um pouco mais nas despesas da Aliança algo, aliás, perfeitamente compreensível. Agora não se sabe ainda para onde irá Trump em concreto. Mas teme-se o pior, isto é, que a ordem estabelecida nos últimos 80 anos seja estilhaçada. Deve-se recordar que na Segunda Grande Guerra os EUA vieram salvar a Europa do jugo nazi, mas só o fizeram depois de Hitler lhes ter declarado guerra em 11 de Dezembro de 1941, entusiasmado com o sucesso do ataque japonês a Pearl Harbour ocorrido quatro dias antes. O isolacionismo dos EUA não é novidade, é mesmo uma normalidade que decorre da sua dimensão.
A Europa está num ponto de viragem exigente e tem de se preparar para decisões difíceis, mas importantes. Se considera, como deve ser, que a Ucrânia é um país europeu tem de se preparar para enfrentar a Rússia política, económica e militarmente. Com os EUA de fora a tratar dos negócios terá de ser a Europa a abrir a porta da União à Ucrânia e a preparar a sua entrada na NATO ou na nova aliança de defesa sem os EUA que, com alguma probabilidade, surgirá a curto prazo. Se mostrar fraqueza, acontecerá certamente a repetição dos anos 1937/38 em que os líderes europeus imaginavam poder conter Hitler com conversações enquanto aquele já preparava a Alemanha para a guerra e perseguia e enviava para campos de concentração quem quer que lhe manifestasse a mínima oposição. Claro que o ideal seria aguardar pelo fim do mandato de Trump, mas nem se sabe se o seu sucessor será mais sensato do que ele, nem Putin tem idade para aguardar muito mais tempo pelo ressurgimento do Império Russo por que almeja.
Apesar de Aldous Huxley ter escrito “que os homens não aprendem muito com as lições da História é a mais importante de todas as lições que a História tem para ensinar”, para alguma coisa o conhecimento da História nos servirá. E, nós europeus, temos uma História já tão longa que nunca a podemos perder de vista nas nossas opções.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 17 de Fevereiro de 2025