Lembro-me bem da resposta de um ministro socialista do tempo de Mário Soares que, quando indagado sobre a ética de determinada atitude respondeu que “a ética é a lei da República”. Tratando-se de uma pessoa inteiramente proba fiquei na altura desagradavelmente impressionado, por parecer que esse ministro não reconhecia limitações à sua actividade, no caso política, para além do estabelecido no Código Penal.
É pacífico considerar que o comportamento humano deve ter princípios que o orientem. É precisamente ao estudo filosófico desses princípios que se refere a ética, procurando definições do que está certo ou é errado, bom ou mau. Diferentemente da moral que se refere às normas e valores aceites por determinada sociedade e que é influenciada por religião ou tradição, a ética é filosófica e pessoal.
A ética é estudada e tratada desde há muito tempo, sendo normalmente considerada a obra “Ética a Nicómaco” da autoria de Aristóteles, escrita no sec. IV AC, como a primeira que se refere ao assunto de uma forma sistemática.
O termo “ética” deve ser o mais utilizado na discussão política e na comunicação social em geral nos últimos meses, em Portugal. Numa crítica simplista, alguém me disse há poucos dias que juntar os termos ética e política na mesma frase só pode ser uma manifestação de mau-gosto. Claro que se referia à actividade política partidária com o único objectivo de ganhar o poder e de o manter, ainda que de forma democrática, não ao fim nobre último de tratar do bem comum que parece cada vez mais esquecido.
O comportamento notoriamente pouco ético do Primeiro-ministro no que se refere à sua empresa familiar tem constituído o principal ponto de discussão política nas últimas semanas e nesta pré-campanha para as eleições legislativas de 18 de Maio próximo. Na realidade aquela empresa revela muito do que se passa com a política em Portugal nos últimos anos em que a classe política de topo deixou de ser sinónimo de superioridade intelectual, moral e profissional para ser constituída por pessoas que tratam da sua vida à sombra das ligações políticas e influências inerentes. Algo transversal aos principais partidos, nem vale a pena exemplificar de tão óbvio que é. Não se trata aqui de actividades criminosas mas de vidas que, contudo, andam muitas vezes ali perto da fronteira da legalidade que, com alguma sorte, até correm menos mal e sem problemas com a Justiça.
Mas ver dirigentes políticos dos mais diversos quadrantes fazer política com ataques à ética, ou falta dela, de outros, não deixa de ser surpreendente, umas vezes, ou patético, noutras. Substituir as propostas políticas pela crítica da falta de ética de adversários pode dar muitas primeiras páginas de jornais e abertura de telejornais, mas é inconsequente do ponto de vista do interesse judicial e do julgamento eleitoral. Desde logo, porque a falta de ética não consta da lista do Código Penal, aliás se constasse, poucos responsáveis partidários concelhios e distritais estariam em liberdade, pelos procedimentos hoje aceites como normais para a conquista desses lugares. Depois, as acusações de falta de ética aos adversários políticos mostram muito da hipocrisia reinante, notoriamente quando vêm de áreas partidárias extremistas que de defesa da ética pouco ou nada têm: são apenas armas de arremesso político de momento. Curiosamente, os portugueses parecem pouco ligar a estas questões que nem se resolvem em Tribunal. Talvez porque sentem que, se há algo pouco empolgante, é ver alguém declarar que é mais ético que outrem.
Realmente o ambiente político não tem nada a ver com o que era há vinte ou trinta anos. Actualmente um político não pode ter a pretensão de achar que para além da lei não há outros valores a considerar. E muito menos dizê-lo publicamente. E, convenhamos, já não é mau que assim seja.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 7 de Abril de 2025