segunda-feira, 9 de junho de 2025

FROM RUSSIA... WITH WAR

 

Dentro de poucas semanas passam três anos e meio sobre a brutal invasão russa da Ucrânia. O insucesso da tentativa de conquista imediata da capital ucraniana devido à heroica e inesperada resistência do país invadido levou a uma guerra que ainda hoje perdura. Para justificar o ataque à Ucrânia Vladimir Putin usou argumentos que parece terem sido integralmente tirados do arsenal de mentiras de que Hitler se socorreu para iniciar a II Guerra Mundial. Basicamente, a invasão russa seria necessária atendendo aos perigos que se abateriam sobre a Rússia por causa da vontade ucraniana de integrar a União Europeia e a NATO. Como se estas instituições constituíssem algum perigo para a Rússia para além de, num caso mostrarem a falência da economia russa sob Putin e, no outro, de garantir definitivamente a segurança ucraniana face a qualquer ataque de outro país incluindo, claro, a Rússia.

Na realidade, a Federação Russa pretende reconstruir o império fundado por Pedro I a partir de 1721 que teve o seu fim com a Revolução Russa em 1917. Império que, sob outra capa designada URSS, foi ainda ampliado depois da II Guerra Mundial com a formação do pacto de Varsóvia que, como Churchill previu no seu famoso discurso de 1946 em Fulton no Missouri, dividiu a Europa com uma “cortina de ferro” desde Stetin no Báltico até Trieste no Adriático. Putin tem afirmado repetidamente que o fim da URSS foi a maior tragédia sofrida pela Rússia no sec. XX, demonstrando não ter qualquer respeito pelos tratados internacionais que se seguiram à dissolução da URSS e formação dos novos países que assim conseguiram a sua independência. É por isso que o sucesso russo na Ucrânia significaria de imediato o mesmo procedimento para com os países bálticos, pelo menos, que Putin considera como sendo historicamente parte da Rússia.

Putin tem um óbvio fascínio pelo passado russo que considera grandioso, incluindo o infame período da União Soviética simbolizado pela liderança de Estaline. Não é por acaso que, nos últimos tempos tem erigido novas estátuas ao “paizinho dos povos”, enquanto vai anulando as referências às perseguições políticas desse tempo, tendo mesmo encerrado o ”museu do Gulag” com argumentos vagamente técnicos. Assim se tenta reescrever a História como Estaline fazia sistematicamente. Putin começou a sua vida profissional como oficial da polícia política soviética KGB tendo abandonado essa carreira com o fim da URSS. Talvez estes factos justifiquem de alguma maneira o evidente apoio que os comunistas portugueses dão a Putin; fariam talvez melhor imaginar que se em Portugal sucedesse o mesmo que na Rússia pós-comunista, teríamos hoje um antigo oficial da PIDE a governar-nos anos a fio depois de a Constituição ser alterada para acolher os mandatos que entendesse ter.

A nostalgia de Putin pelo passado comunista e pelo poder czarista, associada a um desprezo pela cultura e modo de vida ocidentais formam uma mistura explosiva que é ainda mais perigosa porque a Rússia herdou o poderio nuclear da época soviética.

A presidência americana de Donald Trump só veio acentuar este perigo porque o presidente americano se recusa em falar em invasão da Ucrânia referindo sempre “os dois países em guerra”, assim colocando Rússia e Ucrânia (invasor e invadido) no mesmo plano de responsabilidade. Um dia conheceremos a razão da evidente incapacidade de Trump se afirmar perante Putin.

A Europa parece ter finalmente acordado depois do recuo americano no apoio militar à Ucrânia. Perante um poder belicista apoiado por países ditatoriais como a Coreia do Norte e China, cabe a nós, europeus, tratar da nossa defesa. O que se passou há quase cem anos em que ingénuos líderes imaginaram que esse tipo de países se parava com conferências não pode voltar a suceder. Porque o resultado foi uma guerra horrorosa que só terminou depois da aniquilação da tirania e a morte de muitas dezenas de milhões de pessoas.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 9 de Junho de 2025 

segunda-feira, 2 de junho de 2025

Mudanças eleitorais…e não só

 

No sábado anterior às recentes eleições, numa reunião de amigos, opinei ter a convicção (que não espectativa, entenda-se) de que, pelo andar da carruagem, o CHEGA deveria ultrapassar em breve o PS, afirmação que recebeu a discordância imediata de quem a ouviu. Na verdade, não me passava pela cabeça que isso viesse a acontecer logo no dia seguinte. E aconteceu: pela vontade popular, o CHEGA é agora o segundo partido do sistema político português, tendo elegido 60 deputados, portanto mais dez que nas eleições de 2024. O PS que tinha 78 deputados passou para 58 e a AD obteve mais 11, passando a ter 91. Sintomaticamente, o BE perdeu quatro deputados passando a uma representação simbólica de um lugar, enquanto o PCP/CDU continuou o seu lento definhar perdendo mais um lugar, mantendo apenas 3.

Trata-se de uma situação política completamente nova, tendo-se a ideia de que a comparação com o que aconteceu com o PRD, partido eanista dos anos oitenta, não tem sentido. Mas isso só será comprovado nas eleições autárquicas do próximo mês de Setembro. A AD, só por si, tem mais deputados que a esquerda toda junta, incluindo o Partido Socialista, mas isso só significa uma queda generalizada e forte da esquerda como não tinha acontecido antes. A sua percentagem de 31,8% não é de molde a embandeirar em arco porque está muito longe de uma maioria absoluta, embora disponha de mais 31 deputados que a segunda força do parlamento.

O PS liderado por Pedro Nuno Santos teve uma queda estrondosa que significa obviamente uma clara rejeição da sua proposta política pelo eleitorado. Nesta eleição perdeu mais de 370 mil votos, a acrescentar aos quase 490 mil perdidos em 2024, num total de 860 mil votos num ano e pouco de liderança política.

Quando foram anunciadas estas eleições escrevi nestas linhas que, no início do próximo ano Portugal será completamente diferente. Essa mudança, ditada pelas circunstâncias e pelas escolhas democráticas, já começou. Daqui a três meses teremos as eleições autárquicas, sendo previsível que o Chega ganhe diversas câmaras, essencialmente a sul do país, que ainda há bem pouco tempo era dominado pela esquerda. O PS terá aqui uma oportunidade decisiva para estancar a queda e tentar aguentar alguma da sua importância no nosso sistema político. Só isso justifica a substituição imediata da sua liderança, sem que faça uma verdadeira avaliação política do sucedido, a fim de entender as causas profundas da sua actual situação. E em pouco mais de seis meses teremos a eleição do novo Presidente da República. É para mim claro que estas substituições não são apenas de protagonistas antes significam uma alteração significativa que vem do fundo dos sentimentos e vontades dos portugueses, quer cada um de nós goste ou não.

E, agora, olhemos para Coimbra. O nosso círculo eleitoral foi daqueles em que menos cresceu o partido Chega que, embora crescendo, ficou em terceiro lugar com 18,4% contra a AD com 34,4% e o PS com 27,4%. Em consequência, a AD “roubou” um deputado ao PS, tendo obtido lugares e o PS dois, o mesmo número que o Chega. De notar que no distrito, o PS apenas foi maioritário no concelho de Soure, tendo a AD vencido em todos os outros.

Já no concelho de Coimbra, a atenção aos números tem o sal da proximidade das eleições autárquicas. Nesta eleição a AD teve 26.652 votos contra 26.916 nas últimas autárquicas. O PS teve agora 24.193 contra 21.312 e o Chega obteve 11.514 quando nas autárquicas tinha obtido 1.914. A Iniciativa Liberal e o Livre surgiram com cerca de 4.500 votos cada. Já o BE perdeu mais de 3.000 votos e a CDU perdeu 250.

Sabemos que se trata de eleições diferentes, mas a sua proximidade no tempo implica claramente que haja interpenetrações nas escolhas dos eleitores. Os números indicam que as eleições autárquicas em Coimbra não estão ainda decididas, longe disso, sendo apenas de prever, com segurança, que a CDU sairá do Executivo municipal enquanto o Chega entrará com alguma força. As implicações disso na vitória são ainda imprevisíveis. Dependerão muito da composição das listas, mas sobretudo da percepção dos eleitores sobre a capacidade relativa de recuperar alguma da antiga importância nacional e, sobretudo, do papel regional de Coimbra: deve ser capital regional ou apenas um dos polos da região?

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 2 de Junho de 2025

 

quarta-feira, 28 de maio de 2025

SOCIEDADE DO ESPECTÁCULO

 

Começou, talvez, pela cultura. O pós-modernismo, ao tentar dar igual dignidade a todas as formas artísticas ou mesmo apenas a tentativas primárias de o fazer, apenas conseguiu baixar o nível geral da actividade artística. As formas de arte foram sendo paulatinamente substituídas pelo espectáculo com grandes públicos que aceitam acriticamente tudo o que lhes vendem como sendo moderno. O entretenimento colectivo e instantâneo substituiu a fruição das obras de arte que tantas vezes exige uma intimidade e mesmo conhecimento para uma mais completa percepção do que é apresentado, isto é, formação cultural. Duas formas artísticas resistiram a esta evolução porque exigem uma sequência na sua execução e na sua fruição, sejam notas ou letras, que são a música erudita e a literatura que assim fogem ao instantâneo fácil e imediato.

Depois, veio a comunicação social. A televisão ainda resistiu uns anos com uma informação profissional e credível associada a uma programação que incluía preocupações culturais com os espectadores, como emissão regular de teatro. Mas a necessidade absoluta de obter as audiências que garantem publicidade e as receitas que origina levou a uma alteração radical da emissão televisiva. Os programas do estilo “big brother” ou “casados à primeira vista” tornaram-se obrigatórios, bem como os de entretenimento que usam e abusam da apresentação de casos pessoais complicados que sendo felizmente raros, passam a parecer a normalidade da sociedade. Destes programas passou-se para a própria informação.

O surgimento de canais informativos que emitem 24 horas sobre 24 horas veio transformar tudo o que se refere à informação. Salta-se de uma notícia para outra num contínuo sem fim. As diversas estações correm em simultâneo para cobrir os acontecimentos, ou apenas o que se julga que o seja, pelo que passam todas a transmitir o mesmo, seja um acidente, seja um evento desportivo. O caricato atinge o paroxismo quando os veículos das diversas estações seguem em fila os autocarros em que as equipas de futebol se deslocam dos hotéis para os estádios onde vão jogar. Depois dos jogos é ver conjuntos de comentadores a discutir os pormenores dos jogos de forma inflamada em todas as estações, sem excepção. Ao verdadeiro espectáculo desportivo segue-se o espectáculo televisivo do comentário.

A discussão política seguiu o mesmo caminho e tornou-se um puro espectáculo para animar as massas, sem que se discutam os verdadeiros problemas do país e as formas concretas de os resolver. E os jornalistas deixaram-se levar na onda, sendo hoje impossível perceber onde acaba a informação e começa o comentário. Foi assim possível ver, na última campanha eleitoral, como um súbito problema menor de saúde de um líder partidário se transformou num verdadeiro espectáculo durante três dias. As estações televisivas não encontram melhor maneira de esquecer a informação e fazer espectáculo do que procederem como fazem com o futebol: seguirem em fila a ambulância que levou Ventura de Odemira ao hospital de Setúbal para realizar exames médicos. O que, eleitoralmente, só poderia resultar muito mais eficaz do que o jogo na praia de Montenegro ou os passeios de mota de Santos e do próprio Ventura.

Claro que o espectáculo promovido por políticos não é novo: basta lembrar Marcelo a nadar no Tejo ou Costa a organizar corridas entre um Ferrari e um burro. Toni Carreira a cantar em São Bento a comemorar o 25 de Abril fez-me lembrar um político que um dia, a um comentário meu, me garantiu que o povo quer é música pimba e não música clássica.

Nada disto nos deve causar surpresa. O que é novo é que o espectáculo deixou de animar a acção política, transformando-se ele mesmo na própria política. Claro que a substituição da cultura, da informação e da política pelo espectáculo do imediato, do efémero e do gosto abrutalhado só pode desembocar no populismo mais descarado.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 26 de Maio de 2025