Ouvimos frequentemente referir a necessidade de civismo no comportamento dos concidadãos. De facto, o civismo é necessário para todos nós, mas é insuficiente, já que se refere às atitudes perante a sociedade ou o Estado, como votar ou participar em actividades comunitárias. O seu exercício é objecto do ensino nas escolas, para além do que se aprende em casa com a família. Já o relacionamento directo entre as diversas pessoas tem a ver com civilidade, algo que tradicionalmente se aprende em casa, mas que deverá igualmente ser objecto de atenção cuidada nas escolas, devendo claramente fazer parte da educação pessoal. A civilidade inclui cumprimentar regularmente as pessoas, pedir desculpas, ceder naturalmente passagem, em resumo tratar os outros com cortesia e consideração.
Longe de mim dizer que actualmente há mais ou menos civilidade e que “no meu tempo é que era bom”, até porque o meu tempo é tanto o de há 50 ou 60 anos, como é o de hoje. As circunstâncias sociais mudaram radicalmente e o acesso à fruição de tantas actividades que dantes eram elitistas é hoje possível a mais camadas da população, o que é de saudar e apoiar. O inter-relacionamento entre pessoas de diferentes origens é também muito mais fácil e democrático.
Contudo há, por vezes, situações em que a maior liberdade para agir em sociedade se confunde com exercício de direitos sem atender aos direitos dos outros e surge claramente a falta de civilidade, que não chega a ser falta de educação, mas que anda lá perto.
Um exemplo é o que se verifica em ginásios, equipamentos que grande parte da população utiliza, já que se divulgou a ideia correcta de que uma boa forma física é algo que contribui, e muito, para o bem-estar geral das pessoas. A frequência dos ginásios substitui, em boa parte, a prática de desporto que, a partir de certa altura se torna difícil de fazer pelas mais diversas razões. Tem ainda a vantagem de cada pessoa como que jogar contra si própria, sem contactos físicos com outros. Os exercícios são praticados de forma individual e podem ser calibrados em função das capacidades físicas pessoais.
Claro que há outros desportos em que o praticante evolui de forma inteiramente pessoal sendo o sucesso medido apenas pelos valores que atinge pessoalmente, independentemente dos outros praticantes. Um exemplo é o Golfe em que o resultado do praticante, ainda que vá de buraco em buraco com um parceiro, apenas depende de si próprio e do número de tacadas com que consegue meter a bola no buraco depois da saída. Claro que o golfe exige mais disponibilidade de tempo para a sua prática e todos sabemos como o tempo é dinheiro, pelo que a sua prática se torna cara. Em Coimbra torna-se quase impossível praticá-lo uma vez que não existe, nas nossas proximidades, qualquer campo de golfe com pelo menos 9 buracos. Os mais próximos são em Viseu, em Espinho e em Óbidos.
Devo confessar que, contudo, o golfe caiu nesta crónica por outra razão específica e tem a ver com as regras desse desporto. Na realidade, as regras, embora possam à primeira vista parecer complexas, mais não são do que normas de civilidade. Fundamentalmente, visam estabelecer equidade nas hipóteses de mais ou menos sucesso e de marcar o respeito pelos outros praticantes, perante as situações com que se deparem, em função das condições em que a bola se encontra depois de cada tacada.
Nos ginásios há evidentemente regulamentos próprios de cada um. Mas, infelizmente, são muito comuns as situações de clara incivilidade. Por exemplo, praticantes que ocupam em simultâneo dois aparelhos, deixando a toalha num enquanto utilizam outro, ou que resolvem não abandonar o aparelho depois do exercício ficando a usar o Facebook ou algo semelhante no telemóvel. São diversas as situações que até não necessitariam de regulamento para serem evitadas, mas que causam mal-estar nos outros praticantes que, esses sim por pura boa-educação nem reclamam ficando em desvantagem relativa por perderem tempo à espera de que outros resolvam finalmente deixar o lugar de que abusam. A civilidade faz mesmo falta, mesmo em locais e circunstâncias em que se poderia pensar não ser precisa.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 21 Julho 2025