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domingo, 28 de fevereiro de 2010
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010
Escutar os juízes
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
ÉTICA DOS NEGÓCIOS
Na semana passada, o Núcleo de Coimbra da Acege (Associação Cristã de Empresários e Gestores) levou a cabo mais uma iniciativa integrada no ciclo “Líderes Empresariais Cristãos e Portugal”, em que participaram largas dezenas de pessoas.
Tivemos desta vez a oportunidade de ouvir o Dr. António Lobo Xavier falar sobre “Ética nos Negócios”, o que proporcionou depois um interessante debate sobre o tema, reconhecidamente da maior actualidade. De facto, é comum dizer-se que a recente crise de que ainda sofremos as consequências é fruto de falta de ética de muitos responsáveis por grandes empresas, designadamente do sector financeiro internacional. O Dr. Lobo Xavier manifestou a opinião de que esta crise se deveu essencialmente à existência de imperfeições, defeitos e mesmo negligência dos responsáveis pela regulação daquelas actividades, acompanhadas por desvios e erros em matérias básicas da condução de negócios. O eclodir da crise, com as suas colossais consequências, veio depois a destapar acções pouco ou mesmo nada éticas levadas a cabo por alguns responsáveis, o que é um pouco diferente. Ensinou-nos ainda que, nas últimas dezenas de anos, a evolução do capitalismo tem trazido novidades importantes para a actividade das grandes empresas e para a condução dos seus destinos.
É assim que hoje em dia se encontra institucionalizada uma “ética corporativa” nas grandes empresas, que define valores sem os quais nenhuma dessas empresas tem condições para operar no mercado internacional. Essa “ética corporativa” define-se usualmente a três níveis, sendo o superior constituído pelos chamados “valores corporativos”, definidos pelos accionistas tendo em vista a obtenção do sucesso da actividade da empresa. Há depois um nível intermédio, conhecido por “princípios de actuação”, onde já se podem encontrar algumas preocupações éticas, mas ainda em função apenas dos objectivos da empresa. Há por fim o nível mais básico, que determina os procedimentos individuais de todos os colaboradores, qualquer que seja o seu nível de prestação, que constitui o “código de regras de conduta individuais” e apresenta já muitas preocupações éticas, alinhadas com o objectivo do sucesso económico da empresa.
Além de todas estas normas, a própria “boa governação” das empresas dita hoje em dia que a actividade dos seus gestores e administradores seja sujeita a regras, muitas vezes bem apertadas.
Todas as grandes empresas possuem códigos de comportamento ou mesmo de ética deste tipo. Mesmo aquelas que deram origem à crise de que todos falamos. Sendo assim, há uma conclusão evidente a tomar. Por mais regras corporativas que se inventem e adoptem (e são bem necessárias), há uma Ética sem a qual as organizações, designadamente as empresariais, não podem passar e essa é a ética pessoal das pessoas. Isto é, quando a ética pessoal falha, as organizações correm perigo, ainda que tenham os melhores e mais sofisticados códigos de comportamento corporativo. As leis não são suficientes, ao contrário do que dizem os que defendem o primado da chamada “ética republicana”. O cristianismo completa a lei com um conjunto de valores baseados na melhoria pessoal, no aperfeiçoamento, cujo cumprimento deve significar liderança e exemplo moral.
Participar neste encontro alertou-nos para diversas facetas desta temática tão importante para as empresas e sua condução nos dias de hoje. Por isso, e pela simpatia bem conimbricense com que nos brindou neste seu regresso à sua cidade, um bem-haja ao Dr. António Lobo Xavier.
Publicado no Diário de Coimbra em 22 de Fevereiro de 2010
domingo, 21 de fevereiro de 2010
Cântico das Criaturas:
Altissimo, onnipotente, bon Signore,
tue so' le laude, la gloria e l' honore et onne benedictione.
Ad te solo , Altissimo, se confano
e nullu homo ène dignu te mentovare.
Laudato sie, mi' Signore, cum tucte le tue criature,
spetialmente messer lo frate sole,
lo qual' è iorno, et allumini noi per lui
Et ellu è bellu e radiante cum grande splendore:
de te, Altissimo, porta significatione.
Laudato si', mi' Signore, per sora luna e le stelle:
in celu l' ài formate clarite e pretiose e belle.
Laudato si', mi' Signore, per frate vento
e per aere nubilo e sereno et onne tempo,
per lo quale a le tue creature dài sostentamento.
Laudato si', mi' Signore, per sor' acqua,
la quale è molto utile et humile et pretiosa et casta.
Laudato si', mi' Signore, per frate focu,
per lo quale ennallumini la nocte:
et ello è bello et iocondo e robustoso e forte.
Laudato si', mi' Signore, per sora nostra madre terra,
la quale ne sustenta et governa,
e produce diversi frutti con coloriti fiori et herba.
Laudato si', mi' Signore, per quelli ke perdonano per lo tuo amore
e sostengono infirmitate e tribulatione.
Beati quelli ke'l sosterranno in pace
ca da te, Altissimo, sirano incoronati.
Laudato si', mi' Signore, per sora nostra morte corporale
da la quale nullu homo vivente po' scappare:
guai a quelli ke morrano ne le peccata mortali;
beati quelli ke trovarà ne le tue sanctissime voluntati,
ca la morte secunda no 'l farà male.
Laudate et benedicete mi' Signore et rengratiate
e serviateli cum grande humilitate.
sábado, 20 de fevereiro de 2010
Leio e não acredito
O EVANGELHO DE HOJE
Depois disto, Jesus saiu e viu um cobrador de impostos, chamado Levi, sentado no posto de cobrança. Disse-lhe: «Segue-me.» E ele, deixando tudo, levantou-se e seguiu-o. Levi ofereceu-lhe, em sua casa, um grande banquete; e encontravam-se com eles, à mesa, grande número de cobradores de impostos e de outras pessoas. Os fariseus e os doutores da Lei murmuravam, dizendo aos discípulos: «Porque comeis e bebeis com os cobradores de impostos e com os pecadores?» Jesus tomou a palavra e disse-lhes: «Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas os que estão doentes. Não foram os justos que Eu vim chamar ao arrependimento, mas os pecadores.»
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010
Carnaval a sério
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010
CHAVISMO
Esse auto-proclamado farol do socialismo (no caso, adjectivado de bolivariano) que se chama Hugo Chávez continua na sua senda de mostrar ao mundo “novos” caminhos de governação e de comunicação dessa governação.
A fim de garantir que o povo venezuelano conheça permanentemente aquilo que ele pensa e que está a fazer ou a preparar, criou uma nova estação de rádio para transmitir os seus discursos. Quando apresentou essa estação, informou o povo de que às primeiras notas deve prestar atenção, porque Chávez vai falar à nação, nem que tal aconteça às três da manhã!
Esta novidade é apenas a continuação do condicionamento informativo que, de forma obsessiva, Hugo Chávez tem construído para calar as vozes da oposição e obrigar os meios de comunicação social a transmitirem integralmente o que ele diz: assim, vai construindo uma verdade única que, na realidade, mantém grande parte do povo venezuelano na absoluta ignorância do que realmente se passa no seu país.
Foi desta forma que, nos finais do passado mês de Janeiro, a estação de televisão RCTV que operava por cabo foi finalmente fechada. E foi encerrada por motivos legais, que hoje em dia estas coisas não se fazem do pé para a mão: primeiro arranjam-se uns regulamentos, e depois obriga-se a cumprir. No caso concreto, a estação RCTV não cumpriu a obrigação de transmitir todos os discursos presidenciais em directo, na íntegra. Refira-se que esta estação de televisão já só tinha licença para transmitir por cabo, porque há três anos deixou de poder transmitir em sinal aberto por ser declaradamente oposicionista a Chávez. Lembro-me bem de nessa altura vários comentadores e políticos portugueses terem desculpado essa atitude do admirado Chávez argumentando com o tal incumprimento de regras legalmente estabelecidas.
Levando muito a sério o seu papel de continuador do socialismo, Chávez declarou-se finalmente marxista no início do ano. E desde logo proclamou que algumas minudências (certamente muito burguesas, acrescentarei eu) deixaram de fazer sentido na Venezuela, porque apenas enfraquecem o Estado, como logo esclareceu a Presidente do Supremo Tribunal. Entre essas minudências, conta-se a separação dos poderes legislativo, executivo e judicial.
Em conformidade com tudo isto, Chávez ensina agora ao povo que o lucro privado é a estrada de todos os demónios. E o seu partido, o Partido Socialista Unido, prepara-se para acabar com o poder local eleito, substituindo-o por “comunas”.
Claro que, como pano de fundo de tudo isto, avança o desmantelamento de toda a economia venezuelana, com o empobrecimento geral da população. Estamos a falar de um país que está praticamente sobre um lago de petróleo e que, mesmo assim, não consegue manter níveis mínimos de prosperidade.
Chegou-se mesmo, nos últimos dias, a ter que racionar a energia eléctrica de forma radical, ameaçando com penas pesadas quem não cumpra os regulamentos do racionamento. Isto num país que é dos maiores exportadores de energia do mundo.
As consequências dos disparates da governação de Chávez vão ao ponto de se ter visto obrigado a desvalorizar a moeda (bolívar) em cinquenta por cento, embora tenha chamado essa medida de “ajustamento da taxa de câmbio” tentando evitar a ida maciça aos armazéns. Claro que foi mesmo isso que sucedeu de forma instantânea em todas as lojas de aparelhos domésticos importados. Inventou ainda uma coisa esperta, que é uma dupla paridade do bolívar, através da qual determinados produtos de primeira necessidade são importados a uma cotação de 2,6 bolívares dor dólar e os outros produtos a 4,3 bolívares por dólar.
Tudo isto num esforço desesperado de aumentar o valor das exportações, isto é, do petróleo vendido ao exterior que, infelizmente para ele, está hoje em dia a uma cotação muitíssimo abaixo dos valores alcançados na fúria especulativa do início da actual crise internacional.
É por causa deste desgraçado quadro geral que Chávez mantém mão pesada na comunicação social, sabendo bem que no dia em que o povo venezuelano conhecer a situação concreta do país, terá o seu destino traçado - e não será certamente do seu agrado pessoal.
Publicado no Diário de Coimbra em 15 de Fevereiro de 2010
domingo, 14 de fevereiro de 2010
Evangelho do dia
Descendo com eles, deteve-se num sítio plano, juntamente com numerosos discípulos e uma grande multidão de toda a Judeia, de Jerusalém e do litoral de Tiro e de Sídon, Erguendo os olhos para os discípulos, pôs-se a dizer: «Felizes vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus. Felizes vós, os que agora tendes fome, porque sereis saciados. Felizes vós, os que agora chorais, porque haveis de rir. Felizes sereis, quando os homens vos odiarem, quando vos expulsarem, vos insultarem e rejeitarem o vosso nome como infame, por causa do Filho do Homem. Alegrai-vos e exultai nesse dia, pois a vossa recompensa será grande no Céu. Era precisamente assim que os pais deles tratavam os profetas». «Mas ai de vós, os ricos, porque recebestes a vossa consolação! Ai de vós, os que estais agora fartos, porque haveis de ter fome! Ai de vós, os que agora rides, porque gemereis e chorareis! Ai de vós, quando todos disserem bem de vós! Era precisamente assim que os pais deles tratavam os falsos profetas».
sábado, 13 de fevereiro de 2010
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010
A RTP NÃO TEM EMENDA?
terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
Lição oportuna
Evangelho do Dia
(Mc 7, 1-13) Naquele tempo, reuniu-se à volta de Jesus um grupo de fariseus e alguns escribas que tinham vindo de Jerusalém. Viram que alguns dos discípulos de Jesus comiam com as mãos impuras, isto é, sem as lavar. – Na verdade, os fariseus e os judeus em geral só comem depois de lavar cuidadosamente as mãos, conforme a tradição dos antigos. Ao voltarem da praça pública, não comem sem antes se terem lavado. E seguem muitos outros costumes a que se prenderam por tradição, como lavar os copos, os jarros e as vasilhas de cobre –. Os fariseus e os escribas perguntaram a Jesus: «Porque não seguem os teus discípulos a tradição dos antigos, e comem sem lavar as mãos?». Jesus respondeu-lhes: «Bem profetizou Isaías a respeito de vós, hipócritas, como está escrito: ‘Este povo honra-Me com os lábios, mas o seu coração está longe de Mim. É vão o culto que Me prestam, e as doutrinas que ensinam não passam de preceitos humanos’. Vós deixais de lado o mandamento de Deus, para vos prenderdes à tradição dos homens». Jesus acrescentou: «Sabeis muito bem desprezar o mandamento de Deus, para observar a vossa tradição. Porque Moisés disse: ‘Honra teu pai e tua mãe’; e ainda: ‘Quem amaldiçoar o seu pai ou a sua mãe deve morrer’. Mas vós dizeis que se alguém tiver bens para ajudar os seus pais necessitados, mas declarar esses bens como oferta sagrada, nesse caso fica dispensado de ajudar o pai ou a mãe. Deste modo anulais a palavra de Deus com a tradição que transmitis. E fazeis muitas coisas deste género».
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
O TEMPO DOS CONSUMIDORES
Os tempos de crise pronunciada tendem a colocar em questão os princípios “universalmente aceites” anteriores à eclosão da própria crise. Isso só pode ser tido como uma vantagem inerente às próprias crises, que não deve ser desaproveitada.
Foi assim em 1932 após a “grande depressão”, quando se descobriu que as empresas não deveriam ser geridas apenas pelos seus donos, isto é, pelos detentores do seu capital, mas preferencialmente por gestores profissionalizados. Tudo correu muito bem até ao choque petrolífero da década de 70. Nessa década de grandes tormentos financeiros e económicos ao nível mundial, tornou-se comum dizer que o único objectivo das empresas seria a formação de valor para os seus accionistas (shareholders). Era o tempo em que o então presidente da GE Jack Welch declarava que a sua obrigação como CEO consistia apenas em proporcionar o maior lucro possível aos seus accionistas. Bem mais tarde, Welch veio a arrepender-se dessa afirmação, retractando-se publicamente corria já o ano de 2009. Cabe aqui referir que, a partir da década de 80, um novo conceito de “stakeholders” fez o seu caminho (curiosamente muito coincidente com a Doutrina Social da Igreja), visando ligar as empresas ao resto da sociedade, através da consideração da sua envolvente externa tanto a montante como a jusante (fornecedores e clientes), para além do seu interior (trabalhadores e accionistas). São assim acrescentadas dimensões sociais e ambientais à componente estritamente económica das empresas. Esta ideia é, de certo modo, independente da definição crucial do objectivo final do funcionamento das empresas, acompanhando qualquer uma das opções.
Estudos recentes decorrentes da actual crise vêm reorientar as empresas, afirmando que o objectivo essencial das empresas deverá ser a satisfação dos consumidores, para aí devendo ser virados os esforços dos seus gestores. Será essa satisfação que no fim garantirá a qualidade da gestão e a valorização do capital investido pelos seus accionistas. Lembremo-nos que já o guru da Gestão Peter Drucker, recentemente falecido, costumava dizer que o fim principal de qualquer negócio é encontrar clientes e fidelizá-los.
Poderá o leitor perguntar-se por que razão não será possível conciliar a maximização da rentabilidade do capital investido com a satisfação dos clientes. Um trabalho recentemente publicado pelo Prof. Roger Martin na Harvard Business Review demonstra que tal é impossível: ou se procura maximizar uma coisa, ou outra. Infelizmente não há maneira de maximizar duas variáveis em simultâneo. Pode-se, isso sim, maximizar o valor dos accionistas para um determinado patamar de satisfação de clientes, ou então obter a maior satisfação destes, para uma determinada rentabilidade das acções. Aquilo com que não se deve contar é com rentabilidades futuras em função do presente, já que o valor futuro das suas acções não tem nada a ver com as condições do presente.
Posto isto, desenganem-se aqueles que, de cada vez que surge uma das crises cíclicas, se convencem que o socialismo passará a ser alternativa ao capitalismo, isto é, que mais e mais Estado resolverá os problemas do mundo. Isso nunca aconteceu, e por boas razões. Aquilo de que estivemos a falar é de alternativas dentro do capitalismo, pese embora haja envergonhados da palavra, que lhe chamam “economia de mercado”, o que é a mesma coisa. Ainda que essa ideia custe muito a muita gente, a empresa é talvez a maior invenção do homem, sendo a instituição que, com capital e trabalho, proporciona a criação de produtos cujo valor é superior ao da soma das partes que contribuíram para a sua produção, dar trabalho aos colaboradores da empresa sustentando assim as suas famílias e contribuir para o crescimento económico dos países e desenvolvimento humano. Isto para além de ainda dar lucro aos seus accionistas, permitindo-lhes ganhar dinheiro e gerar capitais para investigação, inovação e investimento em novos negócios enquanto ainda gera impostos que permitem ao Estado, melhor ou pior, garantir a subsidiariedade social e o exercício das suas funções próprias.
Publicado no diário de Coimbra em 8 de Fevereiro de 2010
domingo, 7 de fevereiro de 2010
sábado, 6 de fevereiro de 2010
O MUNDO ESTÁ (CONTINUA) PERIGOSO
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
MÁQUINA DO TEMPO
http://economia.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1420884
Claro que ainda é evitável, porque o futuro somos nós que o fazemos.
Bom dia
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010
Os incêndios
sob os umbrais de uma morada
nos carreiros que vão dar aos montes
sairás ainda em súplica
quando os incêndios ignorarem a ameaça
da tua vassoura de giestas
a sombra uma vez avulsa
não retorna a mesma
não despertes o que não podes calar
José Tolentino Mendonça*
Longe não sabia, in A noite abre meus olhos [poesia reunida]
Assírio & Alvim (2006)
PAÍS A DUAS VELOCIDADES
Fala-se muito por aí da necessidade de escolher um novo modelo de desenvolvimento para Portugal, como se tivéssemos um. Na verdade, o que hoje temos é o resultado da soma de voluntarismos governamentais diversos e da tomada do Estado por interesses corporativos e grupos de pressão.
Uma das características deste estado de coisas é uma evidente falta de coerência espacial e temporal do suposto modelo de desenvolvimento. Os voluntarismos descoordenados levaram a que se verifique uma coexistência de vários ritmos no mesmo espaço geográfico, isto é, realidades dentro de um mesmo país a circular a velocidades muito diferentes. Vemos essa disparidade nas nossas estradas, para dar um exemplo simples do quotidiano para todos os cidadãos. A melhoria da rede viária e a evolução tecnológica dos automóveis não foi acompanhada por uma adequada preparação da formação de grande número dos automobilistas. Como resultado, assiste-se permanentemente a situações que se poderiam considerar caricatas, se não fossem sempre potencialmente perigosas pelo meio em que se verificam: automobilistas que entram em sentido contrário nas auto-estradas, que param no meio da via sem qualquer sinalização, que andam perdidos pelas rotundas, etc.
Mas, de vez em quando, situações muito mais graves vêm denunciar o tal país a várias velocidades. Há poucos dias, um deslizamento de terras encerrou ao trânsito uma auto-estrada junto de Lisboa, a chamada CREL, provocando uma situação que se prevê durar várias semanas. A empreitada é simples: estima-se que seja necessário retirar de 500 a 600 mil metros cúbicos de terras, o que está a ser feito por 60 camiões a trabalhar 24 horas por dia. Isto é, enquanto uma moderna infra-estrutura era aberta à circulação viária, assegurando o escoamento de mais de 40.000 veículos por dia, ao lado foi-se fazendo um aterro sem qualquer controlo. O tal outro país, meio subterrâneo e eventualmente clandestino embora à vista de toda a gente, mais uma vez invadiu e ocupou espaço do país que circula à velocidade europeia.
A troca pública de acusações e de atribuição de responsabilidades entre as diversas entidades envolvidas é lamentável, pondo a nu as fragilidades do Estado perante as “espertezas” de alguns. E não se diga que a culpa é da falta de regulamentações: a execução de aterros é das actividades mais exaustivamente reguladas, e existem diversas entidades com competências sobre a matéria. Evidentemente que quem não tem culpa nenhuma são os automobilistas, que se vêem privados da utilização de uma estrada importante e diariamente arcam com mais custos em tempo e distância percorrida entre as suas casas e o trabalho.
Claro que se pode olhar para este caso como apenas mais uma consequência de um inverno rigoroso, como alguns tentam "vender" o sucedido. Não nos deixemos enganar. Há um país subterrâneo que vive e muitas vezes sobrevive sob uma capa fina de modernidade que se rompe à menor contrariedade: não nos esqueçamos da ponte de Entre-os Rios, desastre que acabou por não ter quaisquer responsáveis.
Com estes exemplos, uma pessoa fica a pensar que, realmente, mais valia sermos capazes de construir um país coerente e sem desfasamentos físicos e temporais, embora eventualmente a uma velocidade um pouco mais baixa, mas em segurança, isto é, em que as infra-estruturas construídas são fiáveis, não passíveis de invasões externas e com custos de manutenção perfeitamente garantidos durante toda a sua vida útil.