segunda-feira, 13 de outubro de 2025

SOBRE AS AUTÁRQUICAS

 

Escrevo esta crónica durante a semana anterior às eleições autárquicas, bem sabendo que a sua publicação ocorrerá depois das mesmas e de serem conhecidos os resultados eleitorais. Não pode, assim, ser considerada como de apoio a esta ou aquela candidatura, constituindo apenas o resultado da observação pessoal e independente das respectivas campanhas.

Observando o que se passou pelo continente, já que no respeitante às regiões autónomas a comunicação social escrita e televisiva primou por as ignorar, alguns aspectos são de salientar. Em primeiro lugar, a importância relativa dada pela c.s. às duas maiores cidades, Lisboa e Porto estendida também aos dois maiores partidos, PSD e PS, esquecendo que, antes das eleições, todos os partidos ou coligações merecem igual tratamento. Por lei e por respeito democrático. Infelizmente, foi notória a acrimónia entre as diversas candidaturas, chegando a pontos de verdadeira guerra política. À apresentação de verdadeiras propostas abrangentes e concretas tendo em vista visões estratégicas para os diversos municípios preferiu-se, demasiadas vezes, a destruição nominal dos candidatos oponentes e a discussão de questões menores elevadas momentaneamente a assuntos cruciais de vida ou de morte. Matérias que nem são da competência autárquica são atiradas para cima da mesa com o maior dos à-vontades. Assuntos de verdadeira importância como a relação das propostas apresentadas com as capacidades orçamentais são esquecidos propositadamente, seja por desconhecimento, seja por puro oportunismo.

Coimbra também não escapou a esta “normalidade”. Fugiu-se a discutir o futuro estratégico do município, isto é, qual deverá ser o seu papel a nível regional e nacional, sem esquecer a visão metropolitana. Na continuidade das anteriores versões, a revisão do Plano Regional de Ordenamento do Território continua a considerar o “sistema urbano policêntrico da região” não atribuindo, em consequência qualquer centralidade especial a Coimbra. Uma das consequências tem sido a “redistribuição” de organismos regionais pelas outras cidades da Região. Coimbra está disposta a permitir que isso continue? Todas as cidades, incluindo Coimbra, deverão esforçar-se para conseguir para si o máximo de capacidades e isso é inteiramente compreensível. Já que Coimbra permita o contrário no que lhe diz respeito é que não deverá ser aceitável pelos conimbricenses.

Coimbra tem hoje características metropolitanas evidentes. A mobilidade, a habitação, a saúde, o ensino, o comércio, são todas áreas que não podem ser analisadas olhando apenas para o município de Coimbra. Propor transportes concelhios gratuitos é uma medida simpática, mas não está provado que diminua o número de carros nas ruas e pagá-la com aumento dos impostos dos residentes no município é que não fará muito sentido. A habitação nos municípios vizinhos é largamente influenciada pelas características do mesmo sector em Coimbra. O que, por sua vez, está intimamente ligado com os transportes intermunicipais em conjugação com os transportes municipais de Coimbra: todos os dias milhares de munícipes de outros concelhos utilizam os SMTUC pagos pelo município de Coimbra, por cá trabalharem ou por cá virem tratar de imensos outros assuntos.

Por sua vez, a centralidade geográfica de Coimbra a nível nacional e regional tem consequências positivas óbvias, mas traz igualmente custos para os conimbricenses. Por exemplo, o tráfego pesado de mercadorias que passa diariamente pelo interior da Cidade é inaceitável, quer pelos constrangimentos de trânsito interno, quer pelos elevados custos ambientais.

Poderá o leitor considerar que estes aspectos nada têm a ver com as actividades diárias da Câmara Municipal. Na realidade têm muito. Porque influenciam decisivamente as opções municipais nas mais diversas áreas, desde o urbanismo até ao desenvolvimento económico, passando pelas infra-estruturas e oferta de ensino, transportes ou saúde.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 13 Outubro 2025 

segunda-feira, 6 de outubro de 2025

NOBEL DA PAZ

 

Um dos cinco prémios que Alfred Nobel estabeleceu nas suas últimas vontades é o destinado anualmente àqueles que “fizeram o melhor trabalho pela fraternidade entre as nações, pela abolição ou redução de exércitos permanentes e pela realização e promoção de congressos de paz”. É o Prémio Nobel da Paz. Alfred Nobel deixou indicações para que o galardoado com este prémio seja seleccionado pelo Comité Norueguês do Nobel com cinco membros nomeado pelo Parlamento da Noruega. É entregue anualmente numa cerimónia em Oslo sendo, assim, o único não entregue em Estocolmo, na Suécia.

O Presidente dos EUA tem vindo a afirmar, insistentemente, que merece mais do que ninguém receber o Prémio Nobel da Paz. Apresenta como justificação o ter resolvido vários conflitos globais, incluindo os que se verificam entre a Tailândia e o Camboja, Israel e o Irão, o Ruanda e a República Democrática do Congo, a Índia e o Paquistão, a Sérvia e o Kosovo, e entre o Egito e a Etiópia. Deixo à consideração dos leitores a verificação da exactidão desta alegação, absolutamente fantasiosa. De fora fica a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, essa sim verdadeira há mais de três anos e que Trump garantia, ao ser eleito, conseguir resolver em três dias.

Tal é o seu desejo de ser Prémio Nobel da Paz que considerou mesmo, perante centenas de Generais e Almirantes americanos, que “será um insulto para os Estados Unidos se não receber o prémio Nobel da Paz”.

Não me recordo de alguém fazer uma campanha pessoal para receber um Nobel, seja ele qual for. Claro que há propostas, há os respectivos defensores, mas que o próprio exija desta forma um Nobel que considera dele, é completamente inaudito. O que merece alguma reflexão, tentando perceber as raízes de tal vontade.

A linguagem nunca substituiu a realidade, mas dá indícios claros sobre o rigor de quem se pronuncia. Há quem considere que a Paz como sugere Trump, é a ausência de guerra mas, nada de mais errado: não era por não ter guerra no seu interior que a França de Vichi estava em paz. Tal como há responsáveis educativos que afirmam correntemente que o objectivo do sistema educativo são os alunos; não é, é sim a educação desses alunos. Ou quem diga calmamente que o interesse dos hospitais são os doentes quando é, isso sim, a saúde deles. Tudo coisas muito diferentes.

O movimento MAGA de Donald Trump que se está a substituir ao antigo Partido Republicano tem um ódio de estimação: o antigo Presidente Barak Obama. E dá-se o caso de Obama ter sido Prémio Nobel da Paz em 2009. Tal como o foram anteriormente os presidentes Roosevelt em 1906, Wilson em 1919 e Carter em 2002.

Residirá nesta circunstância a explicação para o desejo estranhamente acerbado de Donald Trump para ser, a todo o custo, Prémio Nobel da Paz, provindo de alguém que, recentemente substituiu a designação da “Secretaria da Defesa” por “Secretaria da Guerra”. Estranha maneira de promover a Paz. Faria todo o sentido que alguém lhe transmitisse o ensinamento de Mahatma Gandhi: “Não há caminho para a paz, a paz é o caminho”.

 

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 6 de Outubro de 2025 

quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Trump e o mundo

 

Neste ano que corre para o fim o mundo parece ter entrado numa fase de aceleração que nos merece atenção e, sobretudo, muita preocupação. No centro desta espécie de tornado político está o Presidente dos EUA que tomou posse em 20 de Janeiro, há apenas oito meses, período que nos parece muito mais longo do que na realidade é.

A actuação de um responsável político de um determinado país é, por princípio, apenas uma questão da política interna desse país. Mas tal afirmação não se pode aplicar a Donald Trump pela simples razão de que se trata dos EUA, o país mais poderoso do mundo que, além do mais, é o membro mais influente de uma aliança militar a que também pertencemos, a NATO. Essa circunstância, conjuntamente com a existência de uma guerra de um país europeu, atribui à actuação de Donald Trump uma importância global, com particular incidência na Europa a que pertencemos.

Depois de décadas de paz na sequência da II Guerra Mundial, os países europeus foram ampliando a sua cooperação económica e política, imaginando que essa paz seria eterna, preocupando-se apenas com o crescimento e o bem-estar das suas populações. Essa atitude deveu-se, em boa parte, ao facto de a NATO constituir um guarda-chuva militar e que, no fundo, a Europa continuaria a ter a certeza do apoio militar americano em caso de conflito militar. No fundo, que sucederia o mesmo que nas duas grandes guerras do sec. XX. Erro crasso, como agora se vê. O velho imperialismo reaccionário russo voltou e resolveu atacar a Europa, não só territorialmente, mas também ou sobretudo em tudo o que o Ocidente representa em termos civilizacionais. A invasão da Ucrânia e a guerra subsequente está aí para demonstrar esta realidade. Mas isto será apenas o princípio: nos últimos dias Putin entretém-se a testar a resposta ocidental com drones sobre a Polónia, sobrevoo da Estónia com caças e ataques cibernéticos generalizados.

Infelizmente, do outro lado do Atlântico está alguém que resolveu sonhar com um prémio Nobel da Paz! E, na prática, abandonou os seus velhos aliados europeus e passou a receber Putin no território americano com passadeira vermelha e a bater palmas. Na realidade, todas as suas acções internacionais se explicam apenas por uma razão: negócio. As tarifas, há tanto tempo abandonadas por serem um disparate que se paga mais tarde de forma trágica, a venda de armas à Europa para esta ajudar a Ucrânia e, cereja em cima do bolo, o desejo de construir uma Riviera em Gaza. Nem sequer tenta esconder o negócio puro e duro sem quaisquer limites com algum princípio moral ou de pretender que é um mal menor necessário em função de um futuro melhor.

As consequências da acção de Donald Trump a nível internacional resumem-se numa palavra: caos. E do caos não sai nada de positivo, como se vê pelas fotografias recentes em Xangai dos líderes russo, chinês e coreano do Norte com sorrisos largos perante a perspectiva da nova ordem mundial que afanosamente preparam, sendo todos eles ditadores.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra de  22 Setembro 2025