A recente tragédia do acidente do histórico Elevador da Glória em Lisboa em 3 de Setembro último que provocou 15 mortos e 22 feridos e uma justificada comoção nacional tem sido objecto das mais variadas e desencontradas tomadas de posição. À infelicidade da tragédia em si veio somar-se a data em que ocorreu, poucas semanas antes das eleições autárquicas, propiciando lamentáveis afirmações de responsáveis políticos que mais não pretendiam que obter vantagens políticas nuns casos e desresponsabilização noutros.
A recente publicação do Relatório Preliminar do GPIAAF (Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários) veio colocar luz sobre as áreas que permaneciam em relativa obscuridade. Desde logo, o elevador da Glória foi instalado ainda no sec. XIX estando classificado como monumento nacional, datando a sua actual tipologia e configuração de 1914. Desde essa data tem sido objecto de diversas intervenções e beneficiação, para além de manutenção regular.
O facto de ser monumento nacional colocou-o fora da aplicação da directiva europeia, transposta para a legislação nacional em 2002, ficando excluído da supervisão do INTF, pelo que a responsabilidade da exploração e funcionamento recaiu apenas na Carris. Na realidade, o Relatório Preliminar mostra quão errados estavam os pressupostos para aquela decisão.
O Relatório Preliminar aponta como causa concreta deste acidente a rotura do cabo de tração/equilíbrio entre as duas cabinas, cabo esse que não estava conforme com a especificação da CCFL para utilização no Elevador da Glória. Na realidade, “o certificado de inspeção fornecido pelo fabricante declara que o cabo não pode ser usado com um destorcedor, o que não é a situação no Ascensor da Glória”. A esta situação acresce que o Elevador da Glória não dispunha de sistema redundante de travagem, pelo que os esforços desesperados do guarda freio para parar a cabine solta não surtiram efeito.
A questão das responsabilidades do acidente virá, certamente, a ser definida pela Justiça e não me vou agora debruçar sobre esse aspecto.
Este acidente faz imediatamente lembrar a queda da ponte de Entre-os-Rios em 2001 que provocou 59 mortos. Em ambos os casos trata-se, claramente, de uma questão de manutenção de equipamentos públicos. Estes acidentes são a prova de que há, em Portugal, um problema com essa manutenção, mais parecendo que só existe problema quando algo corre mal. Na realidade, é a sorte que determina não haver muitos mais acidentes.
O que interessa é construir equipamentos, fazer obra, ficando a manutenção relegada para uma questão secundária, até porque, a haver problemas, surgirão muito tempo depois. Ao contrário, há países que, quando decidem uma obra pública, incluem no custo a manutenção durante a sua vida útil. Até porque esse facto pode decidir por uma ou outra solução técnica.
É tempo de os portugueses tomarem verdadeiramente consciência deste problema, exigindo rigor no que respeita a obras públicas e que a manutenção dessas mesmas obras seja uma questão central na decisão de construção e financiamento.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 27 Outubro 2025