sábado, 1 de novembro de 2025

O NOSSO PROBLEMA COM A MANUTENÇÃO

 

A recente tragédia do acidente do histórico Elevador da Glória em Lisboa em 3 de Setembro último que provocou 15 mortos e 22 feridos e uma justificada comoção nacional tem sido objecto das mais variadas e desencontradas tomadas de posição. À infelicidade da tragédia em si veio somar-se a data em que ocorreu, poucas semanas antes das eleições autárquicas, propiciando lamentáveis afirmações de responsáveis políticos que mais não pretendiam que obter vantagens políticas nuns casos e desresponsabilização noutros.

A recente publicação do Relatório Preliminar do GPIAAF (Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários) veio colocar luz sobre as áreas que permaneciam em relativa obscuridade. Desde logo, o elevador da Glória foi instalado ainda no sec. XIX estando classificado como monumento nacional, datando a sua actual tipologia e configuração de 1914. Desde essa data tem sido objecto de diversas intervenções e beneficiação, para além de manutenção regular.

O facto de ser monumento nacional colocou-o fora da aplicação da directiva europeia, transposta para a legislação nacional em 2002, ficando excluído da supervisão do INTF, pelo que a responsabilidade da exploração e funcionamento recaiu apenas na Carris. Na realidade, o Relatório Preliminar mostra quão errados estavam os pressupostos para aquela decisão.

O Relatório Preliminar aponta como causa concreta deste acidente a rotura do cabo de tração/equilíbrio entre as duas cabinas, cabo esse que não estava conforme com a especificação da CCFL para utilização no Elevador da Glória. Na realidade, “o certificado de inspeção fornecido pelo fabricante declara que o cabo não pode ser usado com um destorcedor, o que não é a situação no Ascensor da Glória”. A esta situação acresce que o Elevador da Glória não dispunha de sistema redundante de travagem, pelo que os esforços desesperados do guarda freio para parar a cabine solta não surtiram efeito.

A questão das responsabilidades do acidente virá, certamente, a ser definida pela Justiça e não me vou agora debruçar sobre esse aspecto.

Este acidente faz imediatamente lembrar a queda da ponte de Entre-os-Rios em 2001 que provocou 59 mortos. Em ambos os casos trata-se, claramente, de uma questão de manutenção de equipamentos públicos. Estes acidentes são a prova de que há, em Portugal, um problema com essa manutenção, mais parecendo que só existe problema quando algo corre mal. Na realidade, é a sorte que determina não haver muitos mais acidentes.

O que interessa é construir equipamentos, fazer obra, ficando a manutenção relegada para uma questão secundária, até porque, a haver problemas, surgirão muito tempo depois. Ao contrário, há países que, quando decidem uma obra pública, incluem no custo a manutenção durante a sua vida útil. Até porque esse facto pode decidir por uma ou outra solução técnica.

É tempo de os portugueses tomarem verdadeiramente consciência deste problema, exigindo rigor no que respeita a obras públicas e que a manutenção dessas mesmas obras seja uma questão central na decisão de construção e financiamento.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em  27 Outubro 2025

terça-feira, 21 de outubro de 2025

EUROPA EM GUERRA

 

Tendo em conta apenas, aproximadamente, os últimos 150 anos a Europa tem sido palco de diversas guerras que, observadas à distância temporal, acabam por surgir todas encadeadas e com nexos de causalidade entre si, ainda que tenham ocorrido com algumas dezenas de anos de intervalo entre elas.

Entre 1870 e 1871 ocorreu a Guerra Franco-Germânica que, na sua essência, constituía uma consequência das anteriores guerras napoleónicas. Embora de curta duração, a sua importância histórica foi enorme. Por um lado, a vitória dos alemães permitiu a unificação alemã com Guilherme I, incluindo a anexação prussiana da Alsácia-Lorena. Do lado francês ditou a queda de Napoleão III e o início da Terceira República Francesa tendo ainda dado origem à breve Comuna de Paris cujo povo se recusava a aceitar a derrota francesa.

Não passaram muitos anos até que a Alemanha estabelecesse alianças sucessivamente com a Áustria/Hungria e com a Itália na que ficou conhecida como a Tríplice Aliança. Em resposta a França, que alimentava desejos de vingança contra a Alemanha pela guerra anterior, constituiu com a Grã-Bretanha a Entente Cordiale que passou a Tríplice Entente com a adesão da Rússia. Com estas alianças militares no terreno, faltava apenas um detonador para a guerra generalizada. Tal aconteceu com o assassinato em Sarajevo do arquiduque Francisco Ferdinando. A guerra que se seguiu determinada pelos líderes das duas alianças, que eram quase todos primos entre si, veio a ser conhecida como a Primeira Guerra Mundial. Durou quatro anos entre 1914 e 1918, causando mais de 20 milhões de mortos, entre civis e militares. Ditou ainda o fim de quatro impérios europeus, o Império Alemão, o Império Austro-Húngaro, o Império Russo e o Império Turco-Otomano. O seu fim coincidiu também com o início da Revolução Soviética na Rússia e com o desenvolvimento e posterior poder das ideologias ultra-nacionalistas: o fascismo e o nazismo.

Os termos do Tratado de Versalhes que fechou a I Grande Guerra viriam a ditar, poucos anos depois, a militarização da Alemanha com Adolf Hitler e uma nova guerra terrível: a II Guerra Mundial entre 1939 e 1945, esta mais próxima de nós, já que terminou apenas nove anos antes de eu ter nascido. Morreram mais de 80 milhões de pessoas.

Seguiu-se o que se costuma chamar Guerra Fria entre o Ocidente liberal e a União Soviética comunista que só viria a terminar com a implosão da URSS em 1991. Após um breve período em que pareceu possível a amizade entre a Rússia e a Europa ocidental, em Moscovo passou a mandar um antigo oficial do KGB que depressa orientou o país para o antigo ímpeto imperialista russo. Assim surgiu a invasão da Ucrânia, que se desenrola desde há três anos.

Nos momentos anteriores a todos estes conflitos bélicos havia dois caminhos possíveis: o da paz e o da guerra. E ninguém podia imaginar as consequências da escolha. Só a História nos informa sobre o que realmente aconteceu, isto é, depois do sucedido.

Estamos novamente num desses momentos com a Guerra na Ucrânia. O que nos trouxe até aqui e o presente, todos conhecemos. Mas o futuro, não.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 20 de Outubro de 2025 

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

SOBRE AS AUTÁRQUICAS

 

Escrevo esta crónica durante a semana anterior às eleições autárquicas, bem sabendo que a sua publicação ocorrerá depois das mesmas e de serem conhecidos os resultados eleitorais. Não pode, assim, ser considerada como de apoio a esta ou aquela candidatura, constituindo apenas o resultado da observação pessoal e independente das respectivas campanhas.

Observando o que se passou pelo continente, já que no respeitante às regiões autónomas a comunicação social escrita e televisiva primou por as ignorar, alguns aspectos são de salientar. Em primeiro lugar, a importância relativa dada pela c.s. às duas maiores cidades, Lisboa e Porto estendida também aos dois maiores partidos, PSD e PS, esquecendo que, antes das eleições, todos os partidos ou coligações merecem igual tratamento. Por lei e por respeito democrático. Infelizmente, foi notória a acrimónia entre as diversas candidaturas, chegando a pontos de verdadeira guerra política. À apresentação de verdadeiras propostas abrangentes e concretas tendo em vista visões estratégicas para os diversos municípios preferiu-se, demasiadas vezes, a destruição nominal dos candidatos oponentes e a discussão de questões menores elevadas momentaneamente a assuntos cruciais de vida ou de morte. Matérias que nem são da competência autárquica são atiradas para cima da mesa com o maior dos à-vontades. Assuntos de verdadeira importância como a relação das propostas apresentadas com as capacidades orçamentais são esquecidos propositadamente, seja por desconhecimento, seja por puro oportunismo.

Coimbra também não escapou a esta “normalidade”. Fugiu-se a discutir o futuro estratégico do município, isto é, qual deverá ser o seu papel a nível regional e nacional, sem esquecer a visão metropolitana. Na continuidade das anteriores versões, a revisão do Plano Regional de Ordenamento do Território continua a considerar o “sistema urbano policêntrico da região” não atribuindo, em consequência qualquer centralidade especial a Coimbra. Uma das consequências tem sido a “redistribuição” de organismos regionais pelas outras cidades da Região. Coimbra está disposta a permitir que isso continue? Todas as cidades, incluindo Coimbra, deverão esforçar-se para conseguir para si o máximo de capacidades e isso é inteiramente compreensível. Já que Coimbra permita o contrário no que lhe diz respeito é que não deverá ser aceitável pelos conimbricenses.

Coimbra tem hoje características metropolitanas evidentes. A mobilidade, a habitação, a saúde, o ensino, o comércio, são todas áreas que não podem ser analisadas olhando apenas para o município de Coimbra. Propor transportes concelhios gratuitos é uma medida simpática, mas não está provado que diminua o número de carros nas ruas e pagá-la com aumento dos impostos dos residentes no município é que não fará muito sentido. A habitação nos municípios vizinhos é largamente influenciada pelas características do mesmo sector em Coimbra. O que, por sua vez, está intimamente ligado com os transportes intermunicipais em conjugação com os transportes municipais de Coimbra: todos os dias milhares de munícipes de outros concelhos utilizam os SMTUC pagos pelo município de Coimbra, por cá trabalharem ou por cá virem tratar de imensos outros assuntos.

Por sua vez, a centralidade geográfica de Coimbra a nível nacional e regional tem consequências positivas óbvias, mas traz igualmente custos para os conimbricenses. Por exemplo, o tráfego pesado de mercadorias que passa diariamente pelo interior da Cidade é inaceitável, quer pelos constrangimentos de trânsito interno, quer pelos elevados custos ambientais.

Poderá o leitor considerar que estes aspectos nada têm a ver com as actividades diárias da Câmara Municipal. Na realidade têm muito. Porque influenciam decisivamente as opções municipais nas mais diversas áreas, desde o urbanismo até ao desenvolvimento económico, passando pelas infra-estruturas e oferta de ensino, transportes ou saúde.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 13 Outubro 2025