Este é o Editorial do jornal Público de hoje, que reflecte a posição do jornal. Não é um artigo de opinião da jornalista. Veja-se a "independência" do jornal em todo o texto e com a utilização do termo «infelizmente» relativamente à não subida eleitoral do PCP. E a "Modelo Continente" a pagar isto. Ainda um dia hei-de perceber porquê, embora a quase não existência de problemas laborais na SONAE possa dar uma ideia. Sobre a hipocrisia e funcionamento do PCP e da Intersindical.
jpaulocraveiro@ gmail.com "Por decisão do autor, o presente blogue não segue o novo Acordo Ortográfico"
terça-feira, 27 de outubro de 2020
segunda-feira, 26 de outubro de 2020
Mulheres reais na Idade Média
Não sendo historiador, cada vez me espanto mais com os mitos que se foram criando sobre a História, umas vezes criados para glorificar determinadas personagens em desfavor de outras, outras apenas para criar uma base de explicação histórica para a narrativa que interessa ao regime de um determinado momento histórico.
Desde a Escola Primária que ouço falar na Idade Média como uma «idade das trevas» que se seguiu ao desaparecimento do antigo Império Romano às mãos dos invasores denominados Bárbaros. Esta designação, só por si, leva-nos ao engano, porque era assim que os Romanos designavam todos os povos exteriores ao seu Império, quando entre nós, hoje em dia é um adjectivo que qualifica quem pratica crueldades ou manifesta falta de civilização. Contudo, como Umberto Eco nos mostra na obra «Idade Média – Bárbaros, Cristãos e Muçulmanos» por si organizada, essa designação está longe de corresponder ao que historicamente se passou na Europa, e não só.
Um dos aspectos mais vincados da Idade Média como idade das trevas é certamente o papel supostamente subalterno das mulheres nas sociedades desses tempos. É por isso, pelo menos surpreendente, descobrir como há muitos exemplos em que esse papel não corresponde minimamente à realidade.
Em 1122 nasceu em Poitiers Leonor filha do duque Guilherme X da Aquitânia e de Leonor de Châtellerault. Sendo nesse tempo Poitiers um centro cultural importante, a jovem Leonor aprendeu a andar a cavalo e a jogar xadrez, mas também estudou latim, aritmética e música. Aos 15 anos, já duquesa da Aquitânia, casou com o filho do rei de França que, pouco depois se tornaria Luís VII pela
morte do pai. Ao passar para a corte de França nunca permitiu que o ducado da Aquitânia fosse integrado no reino que era do seu marido. E modificou por completo os hábitos dessa corte sombria e rígida, levando para lá usos da corte de Poitiers na alimentação, no modo de vestir e na Cultura, recebendo trovadores e organizando jogos e torneios. Tendo acompanhado o marido ao Oriente na segunda cruzada entre 1147 e 1149, as difíceis relações do casal atingiram um ponto de ruptura e Leonor acabou por se relacionar com Henrique Plantageneta. Para grande escândalo de muitos, Leonor exigiu e obteve do Papa a anulação do seu casamento com Luís VII, com o qual tinha duas filhas, alegando consanguinidade. Poucas semanas depois do divórcio, Leonor casou-se com Henrique, filho do duque da Normandia e de Matilde, filha e herdeira do rei Henrique I de Inglaterra. Foi assim que, em 1154 Leonor se tornou rainha de Inglaterra com o seu marido Rei Henrique II, vindo o casal a ter oito filhos, cinco rapazes e três raparigas. Entre os seus filhos contam-se Ricardo Coração de Leão e João Sem Terra. Depois de lutas com seu marido ao lado seus filhos, esteve presa durante 16 anos mas, depois disso, teve ainda uma actividade política extraordinária apesar da idade, incluindo organizar um exército e ir a Viena libertar o seu filho Ricardo, prisioneiro do duque de Áustria.
Por volta de 1080 nasceu Tareja filha de Afonso VI rei de Leão e Castela e de Ximena Moniz, considerada filha bastarda e meia-irmã de Urraca filha da rainha Constança. Viriam ambas a casar com nobres vindos de França, Urraca com Raimundo, filho do conde da Borgonha e Tareja ou, como hoje diz Teresa, com Henrique. O conde D. Henrique era bisneto de Roberto II, rei de França. O que é facto é que Teresa, senhora de uma personalidade fortíssima, nunca deixou que a considerassem de algum modo inferior a sua irmã, exigindo mesmo que, a partir de certa altura, a tratassem por rainha. Pelo casamento com Henrique, Afonso VI entregou-lhes o governo das terras entre os rios Minho e Tejo, o Condado Portucalense. Ao morrer em 1112 o conde D. Henrique deixa Teresa com quatro filhos: D. Afonso Henriques nascido em 1109 e com apenas 3 anos de idade e as suas irmãs Urraca, Teresa e Sancha. Exerceu a regência de forma vincada, nunca perdendo de vista o objectivo de fortalecer o Condado e de o expandir territorialmente. Anos depois de ficar viúva, casou com o poderoso nobre galego Fernão Pérez de Trava, assim apoiando os que defendiam a união da Galiza com Portugal. A facção contrária veio a obter a concordância do Infante Afonso Henriques que defrontou e derrotou a Mãe e os seus apoiantes em S. Mamede em Junho de 1128. A partir daí estabeleceu-se a História de Portugal, separada da da Galiza, pertencendo à especulação o que teria acontecido se Galiza e Portugal se tivessem unido. O que é certo é que D. Teresa foi uma personalidade histórica com uma afirmação surpreendente para a época, sob os pontos de vista pessoal e político.
Não pode ser mera coincidência o facto de duas mulheres do mesmo período histórico há quase mil anos, em locais europeus tão distantes, se terem afirmado com tal força, capacidade pessoal e determinação. Prova de que a Idade Média bem merece ser estudada com um olhar bem diferente daquele que a apelida de «idade das trevas».
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 26 de Outubro de 2020
Jacques Offenbach - Barcarolle from The Tales of Hoffmann, Belle nuit, ô...
sexta-feira, 23 de outubro de 2020
quarta-feira, 21 de outubro de 2020
COLAPSO DO SNS?
Em Portugal, desde Março até hoje terão morrido 2.018 pessoas por ou com COVID. Contudo, o excesso de óbitos no país relativamente aos anos anteriores é de 7.477. A diferença entre estes dois números é impossível de esconder, por mais especialista em manipulação de números que a ministra da Saúde seja. Se não significa um colapso do SNS, não andará lá longe.
Para melhor compreensão do fenómenos, aqui fica um gráfico elucidativo.
segunda-feira, 19 de outubro de 2020
A verdade na mentira
Todos teremos guardada, algures no cérebro, a memória de uma mentira dita por nós ainda enquanto crianças, na sequência de fazermos algo que não queríamos que se soubesse que tinha sido da nossa autoria. Algo sem qualquer importância, nem consequência de maior para ninguém. Importância teve, e grande, a reacção do responsável adulto perante a descoberta da mentira, quer fosse em ambiente familiar ou escolar. É muito provável que essa reacção tenha determinado a nossa relação pessoal com a mentira, pela vida fora. A pura rejeição para a vida ou a aceitação e prática de mentiras pequenas que aplanam o caminho para as grandes poderá ter aí o seu início.
Não se pense que se trata de uma questão menor das nossas vidas. Grandes filósofos e pensadores lhe dedicaram o seu tempo e escrita, havendo historicamente duas escolas sobre o assunto. Em primeiro lugar, porque as palavras têm muitas vezes significados diferentes em função de quem as lê ou as ouve, será conveniente definir o significado da palavra “mentira”. Indo aos dicionários é fácil descobrir que «uma mentira é a afirmação deliberada de uma falsidade com o objectivo de enganar ou iludir um público». Assim sendo, ficam fora da mentira aquelas situações em que se diz uma falsidade inadvertidamente, ou se diz uma falsidade sem saber que quem a ouve irá interpretar como verdadeiro algo que de facto não o é.
Da escola dos que rejeitam a mentira em absoluto, fazem parte Santo Agostinho e Kant, que a consideram uma prática imoral. Santo Agostinho escreveu mesmo dois tratados em que desenvolve a análise da mentira e justifica a sua posição de total rejeição, como posição cristã. Mais simplesmente, Kant defendeu que os indivíduos não têm o direito de mentir. Noutra perspectiva colocam-se outros pensadores que consideram aceitáveis certas mentiras, em função do contexto. Se para Benjamim Constant «devemos dizer a verdade quando o ouvinte tiver direito a ela», já Schopenhauer acreditava que «temos o direito de mentir em determinadas condições». Como se vê, seria o próprio agente que definiria a validação da possibilidade de mentir. Para complicar ainda mais a questão, Oscar Wilde afirmava que a verdade raramente é pura e nunca simples.
Para se perceber mais facilmente as duas posições limite, posso citar o caso de alguém a quem é descoberta uma doença fatal e fulminante. Deverá ser-lhe dada informação completa de imediato? Ou será aceitável, ou mesmo preferível, uma mentira dita piedosa e poupar-lhe o sofrimento mental até ao fim da sua curta vida?
De propósito, o título desta crónica leva a preposição “em” em vez da proposição “de” que vemos utilizada tantas vezes. O filme “True Lies” teve em português o nome “”A Verdade da Mentira”. Um livro que surgiu há alguns anos sobre o desaparecimento da pequena Maddie tem também o título “A Verdade da Mentira”. Um filme muito recente utiliza a mesma expressão: “Mr. Jones – A Verdade da Mentira” sobre, como diz o resumo publicado do filme, «a história nunca contada do jovem Gareth Jones, um ambicioso jornalista galês que viaja até à URSS em 1933, revelando a verdade escondida por detrás da “utopia” soviética e do regime estalinista que inspirou a famosa alegoria de George Orwell – O Triunfo dos Porcos».
A utilização, tão espalhada, da preposição “de” sugere que a própria narrativa sobre uma falsidade se constitui como “A Mentira”. Diferentemente, ao utilizar a preposição “em” pretendo significar que a mentira transporta em si mesma a verdade. Os destinatários da mensagem mentirosa têm a possibilidade, diria mesmo o dever, de detectar a mentira como tal, denunciando-a. Como o que se passa no espaço público em que as mensagens são submergidas numa onda definida pela comunicação pública dos diversos agentes políticos. Não se trata de um fenómeno exclusivo dos dias de hoje, sempre aconteceu, mas a grande e imediata difusão proporcionada pela internet facilita a emissão e circulação praticamente global das chamadas “fake news” que, como diz o jornalista Carlos Magno se deveriam mais apropriadamente chamar “oax news” por serem puras farsas. A questão que se pode colocar é se, muitas vezes, alguém quer mesmo ver a verdade que se esconde na mentira.
A comunicação começa e acaba nas pessoas, pelo que é em todas e em cada uma delas que a mentira e a verdade se organizam e definem o seu carácter essencial. Por isso mesmo, termino esta crónica com uma citação de “Os Irmãos Karamázov” de Fiódor Dostoiévski: