As tecnologias da informação e, essencialmente a Internet, colocaram todo o mundo em contacto com uma rapidez e uma eficácia difíceis de imaginar ainda há poucos anos. Esta expansão da inter-ligação à escala global tem levantado muitos receios sobre segurança, mas normalmente relacionados com Hackers isto é, com especialistas que escrevem programas capazes de entrar nos sistemas tidos como mais seguros. Estão neste caso os sistemas que controlam as transacções bancárias, bem como os das Forças Armadas que controlam as mais diversas armas, principalmente as mais sofisticadas. As Forças Armadas dos países mais desenvolvidos têm hoje mesmo unidades que se dedicam, quer a controlar ataques informáticos, quer a praticá-los no exterior. Basta lembrar o famoso vírus “stuxnet” que terá sido utilizado há uns anos para destruir milhares de centrifugadoras de enriquecimento de urânio, no Irão.
Mas há outra maneira de romper a
segurança informática, muito mais sofisticada, mais difícil de ser detectada e que
exige muito mais meios e mesmo uma organização complexa para ser conseguida que
não utiliza software e sim os meios físicos dos computadores, o hardware. Ao
conseguir-se “plantar” um microchip nos computadores, abre-se uma porta
comandada à distância através de um simples comando, virtualmente impossível de
detectar e que, de forma silenciosa, dá acesso a toda a informação que passa
pelo processador do computador.
E foi um caso desses que uma investigação
levada a cabo pela Agência Bloomberg conseguiu trazer a público, num extenso e
detalhado (enfim, imagina-se que até ao ponto possível) artigo na revista
Bloomberg Newsweek, num dos seus números mais recentes.
Aí se descreve como uma verificação de
segurança de rotina à Elemental Technologies, que a Amazon pretendia adquirir,
detectou algumas anomalias nos servidores dessa empresa. Uma análise mais
aprofundada às “motherboards” desses computadores permitiu verificar que
continham pequenos “chips” do tamanho de um grão de arroz, que não estavam
previstos nos respectivos projectos. Essa empresa produzia “software” de compressão
de vídeos pesados e a sua formatação para serem utilizados nos mais diversos
equipamentos; permitia a transmissão de Jogos Olímpicos, comunicações com a
Estação Espacial Internacional, mas também utilizações secretas pela CIA e
Forças Armadas, como comunicações com “drones” militares, por exemplo.
Tratava-se, portanto, de informação extremamente sensível. Eventualmente, chegou-se
à conclusão de que os “chips” teriam sido plantados por algum os alguns dos
possíveis fabricantes. As placas tinham todas origem na mesma empresa, o maior
fabricante de “motherboards” para servidores do mundo, a Supermicro. Esta
empresa tem as suas placas “motherboard” colocadas nos servidores tidos como
mais seguros do mundo, como aqueles que controlam as ordens de compra e venda dos
bancos, dos “hedge-funds”, serviços de “nuvem” de alta segurança como os da
Cia, etc.
A Supermicro fabrica as “motherboards” na China e foi aí que os
“chips espiões” foram colocados. O seu desenvolvimento exigia também grande capacidade
técnica, já que os últimos exemplares detectados tinham o tamanho de uma ponta
de lápis e eram colocados entre duas das camadas de fibra de vidro que servem
de base às “motherboards”, sendo quase impossíveis de serem descobertos.
Concluiu-se que foram desenvolvidos por uma unidade especializada do Exército
de Libertação Popular chinês que obrigava as fábricas a colocá-los nas placas encomendadas
pela Supermicro, de acordo com as suas indicações. Foi assim que dezenas das
maiores empresas do mundo e diversas Forças Armadas estiveram (ou ainda estão)
à mercê da espionagem global chinesa, expondo os seus segredos mais bem guardados.
Isto passou-se a partir de 2016 e
manteve-se até agora no silêncio dos deuses. Curiosamente, ainda não se viu a
comunicação social abordar o assunto, ainda que ao de leve e nem mesmo na Web
Summit alguém se referiu ao caso. Trata-se de uma falha gravíssima de segurança
à escala global, levada a cabo por um país que simultaneamente está a comprar
empresas estratégicas um pouco por todo o mundo, de que Portugal é um exemplo.
Tenhamos medo, muito medo.
Publicado no Diário de Coimbra, em 12 Novembro 2018
Publicado no Diário de Coimbra, em 12 Novembro 2018