Há muita coisa
que, ou erradamente temos como fazendo parte normal da vida democrática, ou então
que nos é proposta como fundamental, que devemos observar com atenção e cuidado
porque a realidade permanece escondida por trás de biombos cuidadosamente
construídos para nos levar ao engano. Principalmente nestes tempos que muitos
tentam apresentar como sendo de novos populismos, e que de novos não têm nada,
a prudência é cada vez mais necessária, mas também a coragem de denunciar,
mesmo contra a corrente, não permitindo que matérias importantes sejam
sequestradas pelos diversos inimigos da democracia.
O mapa oficial
para as eleições legislativas de 6 de Outubro foi publicado há poucos dias.
Embora continuando com o mesmo número de deputados (nove), o círculo eleitoral
do distrito de Coimbra perdeu quase 11.000 eleitores relativamente às eleições
de 2015, quando tinha perdido pouco mais de 4.000 entre as eleições de 2011 e
de 2015. Já o distrito da Guarda viu o número de deputados que elege descer de
quatro para três, tendo perdido quase 12.000 eleitores, enquanto o distrito de
Viseu baixou de nove para oito pelo desaparecimento de cerca de 24.000
eleitores. Por curiosidade, acrescente-se que os círculos eleitorais de Lisboa
e do Porto passam a eleger mais um deputado cada, pelo crescimento de 20.000
eleitores na capital e quase 4.500 no Porto.
Curiosamente, também
por estes dias foi apresentado o relatório final da “Comissão Independente para
a Descentralização” que conclui pela vantagem da criação das regiões
administrativas, o que não surpreenderá ninguém dado o perfil dos seus membros,
a começar pelo seu presidente, o socialista João Cravinho que iniciou a sua
carreira técnica, ainda antes do 25 de Abril, precisamente na altura da criação
das Comissões de Planeamento Regional, como Director-Geral do Planeamento da
Indústria. Data desse tempo a delimitação-base das áreas de planeamento
regional, que ainda hoje (com algumas alterações devidas ao crescimento das
áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e adaptação artificial para maximizar
fundos europeus) serve de base às áreas de actuação das actuais CCDR’s.
Apetece dizer que,
depois de tantos anos de planeamento e estudo regionais que remontam aos
inícios dos anos 70, o resultado do desenvolvimento territorial nacional é
aquele que o mapa oficial das eleições legislativas de Outubro de 2019 reflecte
e de que os exemplos apresentados da região Centro são apenas uma amostra do
que se passa em todo o país. Isto é, se há 30/40 anos a discussão da criação de
regiões fazia sentido, hoje está claramente ultrapassada pela História. Claro
que a conclusão imediata dos políticos que vamos tendo é que, precisamente
agora é que o país vai mudar, se formos para a frente com a regionalização.
Engano dos enganos, para levar crédulos na conversa encantatória. Aquela
Comissão dita para a Descentralização, e que se verifica que na realidade era
para a Regionalização, deveria apresentar alternativas, suas vantagens, perigos
e inconvenientes, para além dos respectivos custos financeiros e políticos e
não apontar um caminho que nada nem ninguém pode garantir que venha a ser o
melhor para o nosso futuro colectivo.
Como é normal,
logo algumas personalidades políticas manifestaram a sua satisfação pelos
resultados da Comissão, não sendo de admirar que muitas delas sejam autarcas
que aproveitam para esquecer as Comunidades Intermunicipais que eles próprios
apresentam como altamente positivas. A criação de um patamar intermédio da
administração pública entre as autarquias e o Governo apresenta imensas
oportunidades, não para construir novas infraestruturas e equipamentos que já
são claramente excessivos para as necessidades, mas para criar lugares
políticos imediatos e uma imensa nova camada de funcionalismo público que
existirá apenas para auto-sustentação das regiões administrativas.
Do que Portugal
não precisa é de seguir o caminho seguido por outros países ao optarem pela
regionalização e que hoje se defrontam com problemas regionalistas centrífugos
de grande gravidade, produzindo mesmo pulsões independentistas desnecessárias.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 19 de Agosto de 2019