segunda-feira, 28 de abril de 2014

MUSICA PARA ESCOLHIDOS (ou o corporativismo no seu pior)



Não foi por acaso que, na transição de um regime não democrático que se intitulava a si mesmo de “corporativista” para um regime democrático, muitos interesses instalados e outros que entretanto se instalaram encontraram grandes facilidades em continuar a garantir facilidades para si próprios. De facto, é difícil perder velhos hábitos compensadores e, pela própria natureza das coisas o Estado Democrático é muito mais permeável à actuação de corporações que se movimentam no seu interior como peixe na água. Deve assim, em Democracia, o Estado ser suficientemente forte para se defender da apropriação por alguns daquilo que é de todos.
Os casos das rendas excessivas na energia e muitas parcerias público privadas, nomeadamente na rede rodoviária, estão aí para o provar e só um cego pode afirmar não o ver.
Mas há muitas outras áreas em que o Estado foi tomado por dentro por interesses corporativos. A Cultura é, evidentemente, uma delas e desde há muito tempo. Verifica-se isso, por exemplo, no que respeita à Música, com injustiças relativas criadas e mantidas e, certamente, muito dinheiro deitado à rua com ineficiências patrocinadas e pagas pelos próprios ministérios da Cultura ao longo de muito tempo.

Os concursos do ministério da Cultura para escolher quais as “orquestras” a apoiar a nível regional cessaram subitamente em 2003: as orquestras escolhidas no último concurso antes dessa data continuam a ser apoiadas pelo Estado, sem qualquer alteração. E assim se mantém a situação, agora por razões de constrangimento orçamental, como se lê no Despacho nº 1793 de 2012, recebendo essas orquestras entre seiscentos e setecentos e sessenta mil euros por ano (esta última a Orquestra do Norte sediada em Amarante).
Orquestras como por exemplo a do Algarve, foram acumulando dívidas gigantescas e o estado o que faz? Tapou o buraco e continua a pagar. Em Guimarães houve uma Capital Europeia da Cultura e muito bem. O que já não esteve bem foi que se tivesse criado uma orquestra exclusivamente para esse ano, no que se gastaram mais de seis milhões de euros. Muito mais barato e sustentável, como hoje se diz, teria sido contratar as várias orquestras já existentes para fazer os concertos previstos, até porque só nas proximidades há duas orquestras profissionais apoiadas pelo Estado (e bem).
E em Coimbra? Na nossa cidade existe a Orquestra Clássica do Centro que recebe da Câmara Municipal um apoio anual de cento e setenta e cinco mil euros. Basta comparar com os números acima referidos para se perceber a diferença de tratamentos por parte dos Governos embora e, felizmente, a actual Câmara Municipal já tenha aprovado o apoio para este ano, garantindo o funcionamento da OCC. A qualidade do trabalho é reconhecida e a adesão do público é uma realidade, como aliás se viu no último concerto de Pascoa, com o Pavilhão Centro de Portugal completamente esgotado.
Para o conseguir, a OCC tem conseguido mobilizar o apoio de diversos mecenas e instituições com quem tem celebrado protocolos de colaboração ao longo dos anos, ultrapassando assim muitas das dificuldades.
Sabendo-se isto tudo, nos últimos anos as principais instituições da Cidade, como sejam a própria Câmara e a Universidade parecia que tinham juntado as mãos para acabar com a OCC. Só assim se compreende a enorme quantidade de concertos realizados em Coimbra pela Orquestra do Norte, pagos por essas entidades. Claro que havia responsáveis que achavam não poder Coimbra suportar uma orquestra clássica ou mesmo sinfónica, bastando uma orquestra de câmara. A política do para quem é, bacalhau basta! ou Coimbra no seu pior. Claro que também na cultura as eleições servem muitas vezes para mandar as ervas daninhas pelo Mondego abaixo.
Mas a questão dos apoios do Estado mantém-se. É insuportável que o ministério da Cultura continue a dormir na forma, garantindo os apoios sempre aos mesmos de forma corporativa, sem dar oportunidade a outros de mostrarem o que valem.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 28 de Abril de 2014

1 comentário:

Anónimo disse...

Sr João Paulo, a sua reflexão é muito peculiar! Qual é o seu referencial musical? Fica a dúvida da real índole do seu escrito, se reflectir verdadeiramente sobre os problemas culturais, mais concretamente na música, se por outro lado apoiar o "corporativismo no seu pior".