Não foi por acaso que, na transição de um regime não
democrático que se intitulava a si mesmo de “corporativista” para um regime
democrático, muitos interesses instalados e outros que entretanto se instalaram
encontraram grandes facilidades em continuar a garantir facilidades para si
próprios. De facto, é difícil perder velhos hábitos compensadores e, pela
própria natureza das coisas o Estado Democrático é muito mais permeável à actuação
de corporações que se movimentam no seu interior como peixe na água. Deve
assim, em Democracia, o Estado ser suficientemente forte para se defender da
apropriação por alguns daquilo que é de todos.
Os casos das rendas excessivas na energia e muitas parcerias
público privadas, nomeadamente na rede rodoviária, estão aí para o provar e só
um cego pode afirmar não o ver.
Mas há muitas outras áreas em que o Estado foi tomado por
dentro por interesses corporativos. A Cultura é, evidentemente, uma delas e
desde há muito tempo. Verifica-se isso, por exemplo, no que respeita à Música,
com injustiças relativas criadas e mantidas e, certamente, muito dinheiro
deitado à rua com ineficiências patrocinadas e pagas pelos próprios ministérios
da Cultura ao longo de muito tempo.
Os concursos do ministério da Cultura para escolher quais
as “orquestras” a apoiar a nível regional cessaram subitamente em 2003: as
orquestras escolhidas no último concurso antes dessa data continuam a ser
apoiadas pelo Estado, sem qualquer alteração. E assim se mantém a situação,
agora por razões de constrangimento orçamental, como se lê no Despacho nº 1793
de 2012, recebendo essas orquestras entre seiscentos e setecentos e sessenta
mil euros por ano (esta última a Orquestra do Norte sediada em Amarante).
Orquestras como por exemplo a do Algarve, foram
acumulando dívidas gigantescas e o estado o que faz? Tapou o buraco e continua
a pagar. Em Guimarães houve uma Capital Europeia da Cultura e muito bem. O que
já não esteve bem foi que se tivesse criado uma orquestra exclusivamente para
esse ano, no que se gastaram mais de seis milhões de euros. Muito mais barato e
sustentável, como hoje se diz, teria sido contratar as várias orquestras já
existentes para fazer os concertos previstos, até porque só nas proximidades há
duas orquestras profissionais apoiadas pelo Estado (e bem).
E em Coimbra? Na nossa cidade existe a Orquestra Clássica
do Centro que recebe da Câmara Municipal um apoio anual de cento e setenta e
cinco mil euros. Basta comparar com os números acima referidos para se perceber
a diferença de tratamentos por parte dos Governos embora e, felizmente, a
actual Câmara Municipal já tenha aprovado o apoio para este ano, garantindo o
funcionamento da OCC. A qualidade do trabalho é reconhecida e a adesão do
público é uma realidade, como aliás se viu no último concerto de Pascoa, com o
Pavilhão Centro de Portugal completamente esgotado.
Para o conseguir, a OCC tem conseguido mobilizar o apoio
de diversos mecenas e instituições com quem tem celebrado protocolos de
colaboração ao longo dos anos, ultrapassando assim muitas das dificuldades.
Sabendo-se isto tudo, nos últimos anos as principais
instituições da Cidade, como sejam a própria Câmara e a Universidade parecia
que tinham juntado as mãos para acabar com a OCC. Só assim se compreende a
enorme quantidade de concertos realizados em Coimbra pela Orquestra do Norte, pagos
por essas entidades. Claro que havia responsáveis que achavam não poder Coimbra
suportar uma orquestra clássica ou mesmo sinfónica, bastando uma orquestra de
câmara. A política do para quem é, bacalhau basta! ou Coimbra no seu pior.
Claro que também na cultura as eleições servem muitas vezes para mandar as
ervas daninhas pelo Mondego abaixo.
Mas a questão dos apoios do Estado mantém-se. É insuportável
que o ministério da Cultura continue a dormir na forma, garantindo os apoios
sempre aos mesmos de forma corporativa, sem dar oportunidade a outros de
mostrarem o que valem.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 28 de Abril de 2014
1 comentário:
Sr João Paulo, a sua reflexão é muito peculiar! Qual é o seu referencial musical? Fica a dúvida da real índole do seu escrito, se reflectir verdadeiramente sobre os problemas culturais, mais concretamente na música, se por outro lado apoiar o "corporativismo no seu pior".
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