segunda-feira, 6 de junho de 2016

A crítica gestão de territórios urbanos


 É hoje pacífico reconhecer que, se o choque político, cultural, económico e social do fim dos anos 70 e inícios dos anos 80 no nosso país teve aspectos muito positivos, outros houve com uma enorme carga negativa que ainda hoje estamos a pagar. Um deles foi certamente a ocupação do território e a evolução das cidades.
A súbita libertação de forças sociais que se encontravam abafadas aliada a um esvaziamento temporário da capacidade de intervenção da autoridade do Estado nos seus diversos níveis, desde o nacional ao local, levou a uma explosão da actividade urbanística que demorou muito tempo a ser controlada por legislação adequada. Não estou tanto a falar da construção clandestina que se desenvolveu principalmente junto das maiores cidades e também nas praias de maior procura, como foi o caso do Algarve e que obrigou a programas governamentais específicos para resolução desse problema. 

Refiro-me mais ao crescimento das cidades em mancha, muito por culpa de uma figura legislativa que vinha dos anos sessenta, utilizada e aprovada sistematicamente pelos municípios de forma abastardada relativamente aos seus princípios, que dá ainda pelo nome de loteamento e que permite a transformação do uso do solo, gerando mais-valias privadas de forma absurda.
Tudo isto é hoje uma evidência reconhecida por todos, não carecendo de prova, para além do que se encontra à vista de todos.
Só bem dentro da década de oitenta começaram a surgir respostas de planeamento urbanístico, definindo princípios gerais de ocupação do solo. Foi a época dos Planos Directores Municipais, que todos os municípios foram obrigados a elaborar para os seus territórios, muitas vezes sob a ameaça de que, se não o fizessem, ficariam impedidos de aceder a determinadas verbas. Muitos PDM´s tipo copy/past se fizeram nessa altura mudando só o nome do município, com a agravante de serem feitos sem qualquer relação com os dos municípios vizinhos, anulando toda a possibilidade de economia de escala, e levando à existência de equipamentos redundantes a poucos quilómetros uns dos outros. Mais tarde, muito mais tarde, também esse problema foi objecto de solução através de planos regionais e mesmo nacional, numa altura em que praticamente todo o mal (custos desnecessários) já estava feito.
Mas o pior ainda está por aí a acontecer. Os PDM’s, que entretanto já foram todos eles objecto de revisão, dadas as novas condicionantes técnicas, ambientais e mesmo de princípios políticos orientadores, continuam em muitos municípios a servir para aquilo para que não foram feitos. São destinados ao planeamento do território a nível municipal e não à gestão urbanística que todos os dias é praticada pelos municípios e que tem a ver com as operações urbanísticas de “licenciamento de obras particulares” que exige uma escala completamente diferente. Quando surgiu a necessidade que acima referi de controlar de forma sistemática e com algum critério mínimo as operações urbanísticas edifício a edifício no interior das cidades, os urbanistas lançaram mão de um instrumento que poderia ser usado de imediato, o “índice de construção”. Só por si ou associado a outros conceitos como a profundidade do terreno, a sua frente de rua ou até o limite de impermeabilização do solo, servia para limitar a ocupação do território, evitando excessos volumétricos desadequados. Trata-se, como é bom de ver, de um instrumento claramente provisório, a utilizar apenas enquanto não avançassem outros instrumentos urbanísticos mais adequados, com o Plano de Urbanização da cidade à cabeça e outros planos mais restritos e ainda mais agarrados à realidade concreta do território, como os Planos de Pormenor.

E é por esta razão, caro leitor, que na actualidade ainda é possível encontrar edifícios completamente desgarrados volumetricamente e fora da “moda local” em construção na nossa cidade. De forma inteiramente legal e sem que a Autarquia o possa impedir porque não se apetrechou, ao longo destas dezenas de anos, com os necessários instrumentos para uma gestão urbanística moderna e eficaz.

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