É hoje pacífico
reconhecer que, se o choque político, cultural, económico e social do fim dos
anos 70 e inícios dos anos 80 no nosso país teve aspectos muito positivos,
outros houve com uma enorme carga negativa que ainda hoje estamos a pagar. Um
deles foi certamente a ocupação do território e a evolução das cidades.
A súbita libertação
de forças sociais que se encontravam abafadas aliada a um esvaziamento
temporário da capacidade de intervenção da autoridade do Estado nos seus
diversos níveis, desde o nacional ao local, levou a uma explosão da actividade
urbanística que demorou muito tempo a ser controlada por legislação adequada.
Não estou tanto a falar da construção clandestina que se desenvolveu
principalmente junto das maiores cidades e também nas praias de maior procura,
como foi o caso do Algarve e que obrigou a programas governamentais específicos
para resolução desse problema.
Refiro-me mais ao crescimento das cidades em
mancha, muito por culpa de uma figura legislativa que vinha dos anos sessenta,
utilizada e aprovada sistematicamente pelos municípios de forma abastardada
relativamente aos seus princípios, que dá ainda pelo nome de loteamento e que
permite a transformação do uso do solo, gerando mais-valias privadas de forma
absurda.
Tudo isto é hoje uma
evidência reconhecida por todos, não carecendo de prova, para além do que se
encontra à vista de todos.
Só bem dentro da
década de oitenta começaram a surgir respostas de planeamento urbanístico,
definindo princípios gerais de ocupação do solo. Foi a época dos Planos
Directores Municipais, que todos os municípios foram obrigados a elaborar para
os seus territórios, muitas vezes sob a ameaça de que, se não o fizessem,
ficariam impedidos de aceder a determinadas verbas. Muitos PDM´s tipo copy/past
se fizeram nessa altura mudando só o nome do município, com a agravante de
serem feitos sem qualquer relação com os dos municípios vizinhos, anulando toda
a possibilidade de economia de escala, e levando à existência de equipamentos
redundantes a poucos quilómetros uns dos outros. Mais tarde, muito mais tarde,
também esse problema foi objecto de solução através de planos regionais e mesmo
nacional, numa altura em que praticamente todo o mal (custos desnecessários) já
estava feito.
Mas o pior ainda
está por aí a acontecer. Os PDM’s, que entretanto já foram todos eles objecto
de revisão, dadas as novas condicionantes técnicas, ambientais e mesmo de
princípios políticos orientadores, continuam em muitos municípios a servir para
aquilo para que não foram feitos. São destinados ao planeamento do território a
nível municipal e não à gestão urbanística que todos os dias é praticada pelos
municípios e que tem a ver com as operações urbanísticas de “licenciamento de
obras particulares” que exige uma escala completamente diferente. Quando surgiu
a necessidade que acima referi de controlar de forma sistemática e com algum
critério mínimo as operações urbanísticas edifício a edifício no interior das
cidades, os urbanistas lançaram mão de um instrumento que poderia ser usado de
imediato, o “índice de construção”. Só por si ou associado a outros conceitos
como a profundidade do terreno, a sua frente de rua ou até o limite de
impermeabilização do solo, servia para limitar a ocupação do território,
evitando excessos volumétricos desadequados. Trata-se, como é bom de ver, de um
instrumento claramente provisório, a utilizar apenas enquanto não avançassem
outros instrumentos urbanísticos mais adequados, com o Plano de Urbanização da
cidade à cabeça e outros planos mais restritos e ainda mais agarrados à
realidade concreta do território, como os Planos de Pormenor.
E é por esta razão,
caro leitor, que na actualidade ainda é possível encontrar edifícios
completamente desgarrados volumetricamente e fora da “moda local” em construção
na nossa cidade. De forma inteiramente legal e sem que a Autarquia o possa
impedir porque não se apetrechou, ao longo destas dezenas de anos, com os
necessários instrumentos para uma gestão urbanística moderna e eficaz.
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