segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Coimbra e o Metro


Embora a generalidade dos políticos não goste de o reconhecer publicamente, desde Maquiavel que a política deixou de ser encarada numa perspectiva eminentemente moral, a favor da óptica científica e técnica.
O longo processo do chamado Metro Mondego tem merecido demasiadas posições públicas no domínio da moral, normalmente sob a capa da reivindicação da justiça para estes ou aqueles. A consequência está bem à vista de todos e, infelizmente, as razões apresentadas para as posições que ultimamente têm sido tornadas públicas continuam a fazer tábua rasa da análise fria e objectiva do projecto.
O metro ligeiro de superfície designado por Metro Mondego é uma ideia que se tem tentado passar à prática desde o início dos anos noventa do século passado. Duas razões nem sempre explicitadas levaram a que se tivesse constituído a sociedade Metro Mondego para levar a cabo o projecto. Em primeiro lugar, a Linha da Lousã em modo ferroviário clássico estava claramente em perigo de seguir o caminho de muitos ramais encerrados desde essa altura, dado o evidente desnível entre os custos de exploração e a procura. A integração da linha da Lousã num projecto que abrangesse também o percurso urbano dar-lhe-ia a sustentabilidade económica que impediria o seu encerramento. Por outro lado, a desistência do projecto do túnel ferroviário na zona da Portagem por causa do seu custo proibitivo, levou a Autarquia de Coimbra a defender a alteração da linha do comboio para metro de superfície, o que permitiria encarar uma nova utilização para a margem direita do Mondego, permitindo uma sã ligação da Cidade ao Rio.
A partir daí, os estudos urbanísticos da Cidade, designadamente no que respeita à Baixa e margem direita do Rio, passaram a ter a implantação do Metro como um dado adquirido. A ligação do Metro da margem do rio aos Hospitais garante a sustentabilidade económica de todo o sistema. Mas não só. Essa ligação é hoje crucial para o próprio funcionamento da cidade, que potenciará ainda o desenvolvimento económico de largas zonas da Cidade.
É comummente entendido que um dos principais óbices à recuperação da Baixa, nomeadamente no que respeita ao seu comércio tradicional, mas também ao regresso de moradores à zona, tem a ver com as acessibilidades. O metro irá permitir que os utentes da linha da Lousã, incluindo moradores da zona urbana atravessada, tenham acesso rápido e fácil a grande parte da cidade; mas também os conimbricenses passam a poder procurar o comércio e os serviços da Baixa com toda a rapidez e comodidade, sem a preocupação de procurar estacionamento para o carro. A principal reivindicação dos comerciantes da Baixa devia mesmo ser a construção imediata do Metro que lhes trará de volta os clientes hoje desviados para os centros comerciais, bem como moradores locais, tão importantes para segurança e para o movimento contínuo nas ruas e lojas.
A recuperação para a Cidade de toda a margem direita do Mondego entre o Parque Verde e a Ponte Açude só será viabilizada com a eliminação definitiva do canal destinado aos comboios e a sua substituição pelo metro de superfície.
Os municípios vizinhos que eram servidos pela Linha da Lousã têm tudo a ganhar se lutarem igualmente pelo metro ligeiro de superfície. A metropolização que já hoje em dia é um facto, embora de forma incipiente, poderia expandir-se e estruturar-se com vantagens óbvias para as populações; a exigência da reposição da Linha da Lousã com comboios como era antes é perniciosa para todos, por ir contra toda a lógica técnica e científica.
A actual situação, no que respeita ao Metro Mondego, é claramente esta: ou ganham todos, ou perdem todos. Meus caros concidadãos, coloquemos a razão ao serviço desta discussão, em vez de interesses imediatos ou ideias morais por mais justas ou importantes que pareçam de momento.



segunda-feira, 1 de outubro de 2012

O TITANIC nunca se afundou

Claro que esta história de dançar enquanto o navio se afunda só acontece nas historietas. O Titanic nunca se afundou e Portugal também não.
Dancemos, portanto.

A Finança em vez da Economia



O dinheiro tem uma história muito longa, desde que surgiu da necessidade de encontrar uma medida comum de valor para as trocas de mercadorias. Muito mais tarde a evolução da humanidade levou ao surgimento da empresa como peça central da economia, garantindo não só a produção das mercadorias necessárias a uma vida cada vez mais complexa, mas também o emprego a grande parte da população activa.
O dinheiro fazia parte deste sistema, através do financiamento das empresas e das próprias famílias, mas também pelo pagamento do trabalho. Para isso, era essencial o funcionamento do sistema financeiro, através da banca clássica ou de crédito. Ao lado, mas separada desta banca, existia também a chamada banca de investimento, trabalhando com níveis de risco mais elevados, e portanto com limites e controles bem definidos.
Nas últimas décadas temos, no entanto, assistido a alterações radicais desta situação. O surgimento da internet e o desenvolvimento das capacidades informáticas, associados à globalização, soltaram as movimentações financeiras das amarras que as seguravam e de alguma forma controlavam. O dinheiro passou a ser ele próprio apenas uma mercadoria. Mesmo o cidadão comum está perder o contacto com o dinheiro, com o uso crescente de cartões multibanco, os pagamentos de serviços por transferência automática etc.
A finança desenvolveu-se a níveis antes inacreditáveis, tomando conta da economia e mesmo substituindo-a em grande parte. A banca de investimento fundiu-se com a banca de crédito, inundando os habituais e seguros depósitos com os chamados “produtos derivados”. Os “fundos soberanos” agem por todo o mundo sem qualquer tipo de regulação. Os “hedge funds” com os seus “produtos estruturados” que, tendo provocado as bolhas imobiliárias por todo o lado se viraram agora para os produtos primários e mesmo alimentares, são movimentados de forma altamente especulativa, sem qualquer controlo.
O mercado de capitais, usando os meios disponibilizados pela informática, inclui hoje em dia a actividade de autênticos “robots” que, de forma automática, detectam toda e qualquer grande compra ou venda institucional logo no seu início, fazendo operações extremamente rentosas para os “broker” em milésimos de segundo. Mais de metade dessas transacções são anuladas no segundo seguinte.
A questão que se coloca é simples e imediata: o que fazem os governos e as entidades responsáveis pelas bolsas e bancos centrais para acabar ou limitar estas situações que estão a erodir o desenvolvimento económico do último século? Sem que se perceba a razão, não fazem nada ou quase nada. E no entanto, há coisas relativamente simples que poderiam limitar este estado de coisas. Se o fim dos “paraísos fiscais” parece muito difícil, já a introdução de uma taxa, ainda que pequena, sobre todas as transacções financeiras acabaria com a chamada finança de alta frequência. A separação entre a banca de crédito clássica e a banca de investimento traria segurança e lógica a toda a economia. A proibição imediata do “short selling” traria uma nova segurança ao mercado de capitais. É isto que devemos exigir já a quem governa aqui e na Europa.
O mundo está a mudar a uma velocidade estonteante, o que exige dos responsáveis políticos novos conhecimentos e capacidades bem como independência relativamente aos mentores deste estado de coisas. Sobretudo numa altura de crise profunda, têm que mostrar estar à altura dos acontecimentos e ser muito mais que gestores de memorandos com troikas que vão e vêm.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 1 de Outubro de 2012

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Opções (in/adiáveis) de novo?



No início do mês de Abril de 1979, Sá Carneiro enfrentou uma das maiores crises da sua liderança partidária. Dos 73 deputados do PSD, 37 passaram a independentes, por divergência com o presidente do partido, não tendo seguido a orientação partidária de abstenção na votação do Orçamento. Esta situação tinha antecedentes, que se prendiam com a publicação do documento conhecido por “Opções Inadiáveis” em que vários notáveis ou barões do partido, ao defenderem “a socialização crescente da economia” estabeleciam uma linha programática de “consenso” com o “status quo” político que então se vivia. Sá Carneiro pensava já na AD como alternativa ao socialismo e à semi-tutela militar ainda prevalecente no país e que meio ano depois viraria o país do avesso.
De uma forma que denota uma clara convergência de interesses no objectivo de apear a liderança partidária, de novo se ouvem vozes no PSD a apelar a uma dissidência dos deputados. São outra vez as chamadas reservas do Partido, que se acham “donos” dele. Só que, desta vez, o apelo à revolta dos deputados tem uma agravante crucial: o PSD está no Governo e é responsável pela governação. Discutir opções, discordar de propostas, apresentar alternativas, tudo isso é sério e mesmo necessário, num tempo em que o país está a tentar ganhar espaço para respirar após uma governação criminosamente irresponsável nos ter atirado para as mãos das instâncias internacionais corporizadas na Troika. Tentar arranjar soluções governativas não surgidas de eleições como alternativa a um governo legitimamente eleito, em que o próprio partido participa e que dispõe de maioria confortável na Assembleia da República é apenas inqualificável não só do ponto de vista partidário mas, acima de tudo, do ponto de vista nacional. Não será necessário recordar que o país está a ser ajudado financeiramente para pagar as suas contas e sob vigilância rigorosa das estâncias internacionais.
Coisa semelhante seria o Governo passar a ser ele próprio um problema em vez de solução, por dissidências entre os dois partidos que lhe servem de base. A questão não está sequer em tentar manter problemas fora da esfera pública. Os sentimentos de desconfiança e mesmo de reserva mental na abordagem dos graves problemas nacionais não são algo que se consiga esconder dos portugueses. Para o bem e para o mal, o PSD e o CDS estão amarrados entre si numa solução governativa de emergência que tem a obrigação de retirar Portugal da aflita situação em que o colocaram. Estamos num ponto em que se puxa o lençol para tapar algo e fica sempre algo a descoberto porque o pano é curto, o que dá permanentemente razões de queixa a alguém. A questão da coordenação política entre os dois partidos do Governo é crucial, não só para o próprio governo, mas para o país. Uma crise séria que colocasse em questão a estabilidade governativa, seria o suicídio do PSD e do CDS como partidos do arco governativo, mas essencialmente, um desastre para Portugal que passaria a ser visto como um país pária incapaz de se governar e sem capacidade de cumprir os seus compromissos internacionais. Espera-se que tal não venha a suceder.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 24 de Setembro de 2012

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Coimbra, menina e moça



“Vivi ali tanto tempo quanto foi necessário para não poder viver em outra parte. Muito contente fui em aquela terra, mas, coitada de mim, que em breve espaço se mudou tudo aquilo que em longo tempo se buscou e para longo tempo se buscava”
Bernardim Ribeiro em “Menina e Moça”

Certamente não por acaso, Coimbra tem um efeito algo estranho em muitos dos que nela vivem. Por vezes quase parece mesmo uma relação amor/ódio.
Não deve haver muitas cidades em que durante a maior parte do tempo os moradores digam tão mal dela, como Coimbra. Desde que me conheço que ouço a mesma ladainha do parado no tempo, do fim das indústrias, dos malvados shoppings onde todos acabam por ir, da velha universidade, da comparação negativa com as outras cidades da região, etc. etc.
Depois, repentinamente, surgem picos do que parece ser um acrisolado amor, como quando surge algum ranking a colocar a Universidade de Coimbra como a melhor portuguesa, o que até acontece quase todos os anos, mas esses entusiamos são de curta duração, logo se passando à mesma lamúria de sempre.
Conheço na nossa cidade pessoas que são do melhor que há, tanto em termos de capacidade profissional, como de espírito livre e disponibilidade para participar em tudo o que possa ajudar a um futuro melhor. Isto independentemente de opções ideológicas e mesmo partidárias. Um certo realismo e até experiência de vida, diz-nos que uma adequada e profícua gestão do dia-a-dia integrada numa visão estratégica exige dos intervenientes ideias claras em termos de opções políticas, mas também uma experiência e formação profissional que permitam ultrapassar a floresta de dificuldades que a complexa organização social e política hoje apresenta.
Claro que, como em todo o lado, também cá há muita gente que em vez de assimilar aqueles dois aspectos, apenas consegue fazer vincar apenas um deles, seja o político ou o técnico. É assim que vemos pessoas com grandes capacidades profissionais, mas sem a mínima ideia do que é uma intervenção política. E há também o oposto, que ainda é mais notório, através de intervenções políticas algo estridentes, mas qualquer continuidade no tempo, para além dos tais picos muito conspícuos.
A proximidade das escolhas das candidaturas autárquicas provoca muitos frémitos de emoção e necessidade de picar o ponto na comunicação social. Nada que nos deva espantar ou chocar, porque todos têm direito aos seus desejos e às suas ambições políticas. A sociedade, incluindo partidos, deve é ter consciência de que boa parte destas atitudes não são mais do que provas de vida, já que durante todo o resto do tempo os seus autores tratam calmamente das suas vidas, não se lhes detetando qualquer resquício de intervenção social ou política.
Coimbra dispensa bem aquela atitude que Bernardim Ribeiro tão bem descrevia no seu romance, de paixões amorosas a necessitar dos tratamentos ou remédios de amor prescritos por Ovídio na sua “arte de amar”. Ao contrário, necessita muito mais de quem sabe, quer e trabalha.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 17 de Setembro de 2012

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Notícias de (o) Eucaliptal




Quem viaja hoje pelo norte de Portugal, seja pelo litoral, seja pelo interior, não pode deixar de se impressionar com a  enorme superfície ocupada pela plantação de eucaliptos. Se ainda não se pode dizer que se trata de uma monocultura, já não anda muito longe disso. Nas últimas dezenas de anos o eucalipto tem vindo a substituir paulatinamente o pinheiro bravo como paisagem habitual das nossas zonas florestais.
O eucalipto tem características que o diferenciam das outras espécies arbóreas a que estamos habituados. Em primeiro lugar, é claramente uma espécie exótica. Isto é, o seu plantio em larga escala traduz uma alteração profunda nos nossos ecossistemas, o que inclui não só a área vegetal, mas também tudo o que respeita aos animais que vivem nas florestas, desde os insectos, às aves e mamíferos, sendo a biodiversidade prejudicada através do empobrecimento dos ecossistemas locais. Daqui resulta que a sua monocultura é muito prejudicial para o equilíbrio ecológico do país, com profundas implicações futuras, inclusive económicas.
Depois, trata-se de uma espécie que cresce muito depressa, pelo que consome muita água.
Por outro lado, curiosamente, o eucalipto é aquela espécie vegetal que mais beneficia com os incêndios que, desgraçadamente, todos os verões faz desaparecer boa parte das nossas manchas florestais. Após os incêndios, os eucaliptos nascem espontaneamente nas áreas ardidas, ocupando cada vez mais espaço que anteriormente era de outras espécies.
Muitos ecologistas começam hoje em dia a deixar de atacar o plantio de eucaliptos ou mesmo a defendê-lo ainda que de forma algo tímida, mas significativa pela mudança de posição. De facto, com o aquecimento global, o maior problema ecológico que se põe hoje à escala global terá a ver com o excesso de anidrido carbónico na atmosfera. Sendo assim, o aumento de área de florestas e, fundamentalmente, a escolha de espécies de crescimento rápido que proporcionam um grande sequestro de carbono durante o seu crescimento o que é o caso, precisamente, do eucalipto, será uma necessidade contemporânea.
Estamos no mesmo país em que uma árvore é protegida, e bem: o sobreiro. Só que neste caso se vai ao extremo de fazer depender de despacho ministerial o corte de uma pequena árvore solitária que surge no meio do caminho de uma estrada para um serviço público de reconhecido interesse.
Como em tudo na vida, um equilíbrio ponderado será a melhor solução que deverá respeitar sempre a sustentabilidade, isto é, não deverá colocar o futuro em causa.
Num momento em que se fala na liberalização do plantio de eucalipto em Portugal, é caso para dizer: já chega; limite-se é com veemência a plantação de novos eucaliptais. Não é preciso ser muito observador nem um grande cientista de biologia para perceber que o eucalipto está hoje em dia prestes a ser uma monocultura florestal em Portugal, transformando o país num gigantesco “eucaliptal”. Não se questiona o interesse económico do eucalipto. O que já começa a estar em causa é o próprio equilíbrio ecológico nacional e esse é um valor que todos temos obrigação de preservar para as gerações futuras.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra

domingo, 9 de setembro de 2012

César das Neves ao "i"


Os bancos dizem que têm dinheiro...
Mas têm medo. O terceiro elemento é a própria economia, que está muito frágil. Num momento em que há muita desconfiança internacional sobre a banca, muita desconfiança específica sobre Portugal, têm medo de emprestar. Mas um aspecto novo, que já aconteceu mas que está a voltar e num clima completamente diferente, é o que me preocupa mais: temos outra vez a banca no bolso do Estado. Resultado do último consulado Sócrates – e é preciso ver que o sistema português cabe num táxi, qualquer dia até o banco de trás do táxi chega –, as empresas desses grupos, sendo algumas indiscutivelmente privadas, como o Banco Espírito Santo, emprestaram dinheiro ao Estado porquê? Porque é que o BES emprestou tanto, se sabia que era uma estupidez? Esta nova influência política, descarada numa altura em que o mundo é completamente diferente, em que a Europa está toda aberta financeiramente, assusta-me.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

21 Julho 1969, 02:56 GMT



O momento em que Neil Armstrong poisou o pé na superfície lunar fica para sempre registado na História da Humanidade como um dos mais importantes e significativos.
Tinham passado oito anos desde que John Kennedy havia estabelecido o objectivo de levar um homem à Lua e trazê-lo são e salvo para a Terra, antes que a década de 60 terminasse, cumprindo-se assim a promessa feita pelo presidente americano perante o Congresso.
Não foi fácil fazê-lo. Custou muito dinheiro e exigiu o trabalho de mais de 400.000 pessoas durante anos a fio, sem os meios tecnológicos, essencialmente os informáticos, de que se dispõe hoje. Após a Apollo 11, houve ainda várias missões que levaram homens à Lua, sendo a última a Apollo 17 em Dezembro de 1972, faz este ano 40 anos!
Foram feitas muitas comparações com as viagens marítimas dos portugueses, inclusive pelos próprios astronautas que tiveram aquela sensação assustadora de partir para o desconhecido sem ter o regresso por certo. A comparação é ainda mais acertada porque, ao contrário do que muitos ainda hoje pensam, as viagens portuguesas foram meticulosamente preparadas, exigiram muitos esforços e grande capacidade organizativa, além da utilização intensiva de todo o conhecimento científico disponível à época.
Aquela noite de Julho de 1969 é também uma recordação pessoal gravada indelevelmente na memória. A transmissão da televisão durou muitas horas e ainda bem novo fiquei acordado à espera do momento crucial da saída de Armstrong e Aldrin para a superfície lunar, o que sucedeu já bem depois das 3 da madrugada, altura em que acordei todo o resto da família. Foi uma viagem vista em directo por todo o mundo. Desde o lançamento do gigantesco foguetão Saturno V em 16 de Julho, até à descida no Oceano Pacífico em 24 de Julho, passando pelo passeio de mais de duas horas na superfície lunar, centenas de milhões de pessoas tiveram a oportunidade de seguir a viagem pela televisão.
Sabemos hoje dos pormenores da descida do Módulo Lunar “Eagle” desde a separação do Módulo de Comando “Columbia” onde ficou Collins a observar e a aguardar o regresso dos dois companheiros de viagem. Neil Armstrong pilotou o “Eagle” na descida e antes que o combustível acabasse teve de encontrar um local seguro para poisar, enquanto os computadores de bordo emitiam sinais aflitivos de mau funcionamento, que lhe provocaram mais de 156 batidas do coração. Foi um momento chave em que a experiência e formação excepcional de piloto de Armstrong salvaram toda a missão. A frase que proferiu quando pisou a Lua e que ficou célebre (um pequeno passo para o homem, um salto gigantesco para a humanidade) terá vindo à sua cabeça precisamente naqueles momentos de aflição antes do pouso do “Eagle” na superfície lunar e é de uma felicidade espantosa na sua simplicidade.
Neil Armstrong foi o primeiro homem a pisar a Lua. Morreu agora. Foi um exemplo, não só pela coragem, sangue frio e determinação em momentos de tensão extrema, mas também pela humildade com que viveu todo o resto da sua vida, recusando honrarias e exposições mediáticas, salientando sempre que, além dele, muitos contribuíram para o sucesso da missão.
Depois da Apollo 17, nunca mais nenhum homem voltou a pisar a Lua. Grandes progressos científicos, inclusivamente na astronáutica se verificaram depois disso, mas o facto é que as novas gerações nunca tiveram a experiência de olhar para o nosso satélite natural, com a consciência de haver lá homens a trabalhar e a representar toda a Humanidade em missões exclusivamente científicas e de paz. Sensação estranha mas simultaneamente propiciadora de esperança no futuro da Humanidade.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 3 de Setembro de 2012