segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Os portugueses e os Bancos




De vez em quando deparamos com uma notícia que nos atinge como um murro no estomago. De tão difícil de acreditar, até parece que alguém está a gozar connosco. Mas se a infvormação consiste no resultado de uma mega sondagem levada a cabo por uma agência credível a nível mundial como a GALLUP; o mais sensato é analisar com atenção e pensar se a nossa própria reacção não consiste num preconceito resultado da enxurrada de informação que diariamente nos inunda os jornais e os computadores.
De facto, a Gallup deu a conhecer há poucos dias o resultado de uma sondagem que realizou nos países europeus com intervenção financeira externa, sobre a percepção que os respectivos cidadãos têm dos seus sistemas bancários.
O que mais surpreende é Portugal ser, dos países intervencionados, o que manifesta mais confiança nos seus bancos. Mais, a percentagem dos portugueses que confiam nos seus bancos é ligeiramente superior à dos alemães, principais financiadores das intervenções financeiras. Claro que 54% dos portugueses não confiam nos seus bancos, mas os 40% que confiam são um número que se pode considerar espantoso, até porque essa percentagem subiu 4 pontos de 2012 para 2013. Apesar do apreciável nível de confiança que ainda manifestam nos seus bancos, os alemães estão longe dos níveis anteriores à crise de 2008, numa queda de 20 pontos que tarda a recuperar. Os alemães sabem bem que foram colocados mais de 640 mil milhões de euros à disposição dos seus bancos desde 2008, para evitar mais falências no sistema bancário.
Para se perceber bem como a taxa de confiança em Portugal é extremamente significativa, basta ver que em Espanha a percentagem dos cidadãos que confiam nos bancos é de 11%, com descida de 7% entre o ano passado e este ano, enquanto na Grécia é de 17%, na Irlanda de 15% e no Chipre de 11%.
Claro que em Portugal, e a Gallup não deixa de o salientar, a crise que levou à intervenção externa foi provocada pela dívida insustentável resultante de défice das contas do Estado exagerado e prolongado, enquanto nos outros países foi essencialmente bancária. Mas também sabemos que os bancos portugueses receberam uma parte do pacote financeiro da troika. Sabemos ainda outras coisas, como seja a elevada quantidade de dívida pública comprada pelos bancos portugueses. E todos os dias somos inundados com notícias sobre o BPN, sobre o BPP e ultimamente sobre o Banif, que se tenta financiar sem grande sucesso. E não esquecemos o que se passou e ainda passa como o maior banco privado português, o BCP, que em Junho de 2012 recebeu 3 mil milhões de euros para não desaparecer, embora o valor das suas acções seja ainda hoje pouco mais que zero.
E mesmo assim…O que levará os portugueses a não perder a grande confiança que continuam a manifestar nos nossos bancos? E será isso bom? E quais as consequências da actual situação europeia para o nosso futuro colectivo?
Na realidade, observando de fora, o elevado nível de confiança dos portugueses nos bancos nacionais parece algo incompreensível. Mas será necessário entender a relação pessoal dos portugueses com os seus bancos que, no fim, ditará os valores estatísticos. E o que se vê é que, apesar da crise, os bancos foram tentando resolver de uma maneira ou de outra os problemas resultantes essencialmente do financiamento para habitação; ao contrário de outros países, não se viu os bancos ficarem repentinamente na posse de todo um património imobiliário resultante do incumprimento das obrigações dos particulares. E deverá residir aí boa parte da razão que leva 40% dos portugueses a confiar nos bancos nacionais quando, no ano passado, eram 36%.
E é bom que os portugueses continuem a confiar na banca portuguesa, para que ela recupere da difícil situação em que se deixou enredar, ou em que a enredaram, particularmente num momento em que os sinais de retoma da economia são indesmentíveis, mesmo que de dimensão ainda reduzida face às necessidades de crescimento.
Mas a Europa continua, no seu todo, a ser a região do mundo com mais baixos índices de confiança nas instituições financeiras. Depois das eleições alemãs, como salienta a própria Gallup, é chegado finalmente o momento de se encontrar acordo para aprofundar a união europeia, também no sistema bancário.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra de 21 Outubro 2013
Nota: Gráficos retirados de Gallup: http://www.gallup.com/home.aspx?ref=b 

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Joyce DiDonato - Lascia ch'io pianga

RUAS


O recente reconhecimento pela Unesco da importância patrimonial e cultural da Universidade de Coimbra que se traduziu na inscrição na Lista de Bens do Património da Humanidade constitui, em si mesmo, um valor e uma oportunidade que a Cidade, por inteiro, não deverá desperdiçar.
Dado que o bem proposto à Unesco abrangia uma área vasta da Cidade incluindo, não só a Alta Universitária, mas também a Rua da Sofia, a candidatura obrigou a Universidade, mas também a Câmara Municipal. Razão para que se tivesse constituído uma entidade que abrangesse aquelas duas, já que a Unesco obriga à existência de um único interlocutor responsável por cada bem classificado. Surgiu, assim, a Associação RUAS (Recriar a Universidade, Alta e Sofia) em cuja fundação participaram igualmente a Direcção Regional de Cultura do Centro e a Coimbra Viva SRU, Sociedade de Reabilitação Urbana SA, atendendo ao seu papel crucial destas entidades na gestão futura do bem classificado. De facto, à Direcção Regional de Cultura estão cometidas responsabilidades cruciais na defesa do património cultural e arquitectónico, que a tornam um parceiro fundamental. No que diz respeito à Coimbra Viva SRU, como entidade gestora das duas ARUs (Áreas de Reabilitação Urbana) Baixa e Rio durante os próximos quinze anos, cabe-lhe um papel decisivo em todo este processo, designadamente, como entidade licenciadora das operações urbanísticas, além de promotora das dezenas de acções previstas para reabilitação urbana desta extensa área da Cidade.
Cabe aqui dizer que o bem classificado abrange toda a zona da Alta e edifícios universitários, mas também edifícios nessa área que hoje não pertencem à Universidade e ainda o Jardim Botânico e a Associação Académica com o seu jardim e o Teatro Académico de Gil Vicente. Na Rua da Sofia está incluído todo o seu lado Nascente, desde o Colégio de S. Pedro até ao Colégio das Artes, mas também Câmara Municipal, Igreja de Sta Cruz e Colégio de Santo Agostinho. No seu lado Poente, estão incluídos o Colégio de S. Tomás (Palácio da Justiça) e ainda o Colégio de S. Boaventura. Todo este bem está rodeado pela chamada Zona de Protecção, que abrange desde a Penitenciária e o Jardim de S.ta Cruz à Av. Sá da Bandeira e Montarroio, delimitada ainda pela Rua de Aveiro, Arnado, Av. Fernão de Magalhães, Av. Navarro, Ladeira do Baptista, Hospital Militar e Seminário.
Como se verifica, trata-se de um território extenso, que levanta muitas dificuldades na sua necessária reabilitação urbana, já que grande parte do património edificado se encontra degradado, fenómeno que acompanha uma evidente degradação a nível económico e mesmo social, a exigir intervenção coordenada sob todos esse aspectos. Isto para além da questão financeira, cuja resolução é crucial para que tudo funcione.
A associação RUAS já está em funcionamento, embora de uma forma ainda incipiente, ainda que compreensível, no que respeita aos seus objectivos essenciais de salvaguardar e promover o território do bem classificado e ainda de promover, apoiar e dinamizar iniciativas no âmbito da actividade científica, cultural e social. Certamente por um excesso de voluntarismo, na sua missão os estatutos prevêem ainda a gestão do território da área classificada e da área de protecção. De facto, por lei, a competência de autorizar as operações urbanísticas pertence à Câmara e à SRU nos casos em que essa competência lhe é delegada e não são os estatutos de uma associação de direito privado que podem alterar isso. A própria análise técnica e legal das operações urbanísticas na área em causa na RUAS nunca deverá corresponder a mais uma camada de burocracia e a confusão para os promotores, a bem da celeridade, da transparência dos processos e de uma visão global da Cidade.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 14 de Outubro 2013

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

CRÓNICA DE UM ACTO FALHADO


Para quem observava de fora, a recente candidatura autárquica do PSD em Coimbra mais parecia uma tentativa de “take over” da Universidade à Câmara Municipal. Sabemos bem que não o era, porque a instituição Universidade de Coimbra não tem nada a ver com as listas às autárquicas, qualquer que seja a forma como elas são constituídas. Mas a presença de professores nos três lugares cimeiros, assim como toda a linguagem utilizada, designadamente pelo mandatário da candidatura durante a campanha, fazia apelo à importância dessa presença, acentuando mesmo que há muitos anos que Coimbra não tinha um professor universitário como presidente da sua Câmara. Como bem se sabe, em política o que parece é, mesmo não o sendo na sua essência e foi pois, assim, que a candidatura foi percepcionada pela maioria das pessoas.
Por outro lado, todos sabíamos que o PSD nunca anteriormente tinha ganho a Câmara de Coimbra sem ir coligado com o CDS. Quando no início do Verão os responsáveis pela candidatura, fracassaram na sua negociação com o CDS, o cidadão comum teve a percepção clara de que a vitória iria para a candidatura do PS, sem apelo nem agravo, ficando ambos os partidos da ex-coligação “Por Coimbra” a perder.
Os resultados eleitorais vieram mostrar à evidência os erros estratégicos cruciais do PSD em todo este processo. O Partido Socialista ainda perdeu 1.700 votos em relação às eleições autárquicas de 2009. Mas o PSD perdeu 10.000 votos: é obra! E não se tente escamotear o resultado com a situação nacional. De facto, se os eleitores quisessem castigar o partido do governo, teriam votado massivamente na oposição. E não foi isso que sucedeu. Na realidade, o que engordou foi a abstenção e o nº de votos em branco, que foi superior ao nº de votos no CDS que, como era de esperar, ficou fora da Câmara. A abstenção em Coimbra foi superior a 50%. Isto é, quase todos aqueles 10.000 votos perdidos pelo PSD foram transferidos para a abstenção e não para outro lado, porque embora não apoiando a candidatura socialista, também recusaram votar na candidatura apresentada pelo PSD.
A candidatura do PSD ainda se foi segurando nas freguesias urbanas, mas muito à pele. Nas freguesias não urbanas a razia foi gigantesca, surpreendendo até a candidatura socialista pelos resultados aí conseguidos, prova da inadequação das propostas em relação a esses eleitores.
Não tenho qualquer satisfação em partilhar esta minha análise sobre o sucedido com os meus leitores e note-se que não critico pessoas, mas opções políticas, designadamente as estratégicas sobre uma candidatura autárquica. O resultado é certamente triste para os que participaram activamente e com todo o entusiasmo na campanha, em particular os jovens sempre generosos. Mas é-o ainda mais para quem em devido tempo fez notar tudo o que acima fica escrito, sem qualquer resultado.
Por tudo isto, estou firmemente convencido que o PSD só perdeu estas eleições em Coimbra por culpa própria, o que não pode deixar de ter consequências para o futuro. A Cidade e todo o concelho exigem que o verdadeiro PSD que sempre foi republicano, laico e social-democrata regresse (com caras novas, que as tem) para ultrapassar o desaire que constituiu este acto falhado de tentar impor a todo o custo uma solução que o povo de Coimbra claramente não quis.

Publicado no Diário de Coimbra em 7 Outubro 2013