segunda-feira, 25 de abril de 2011

TEMPOS DIFÍCEIS

Estamos a 25 de Abril de 2011 e hoje não há comemorações do 25 de Abril na Assembleia da República, havendo uma cerimónia comemorativa no Palácio de Belém, promovida pelo Sr. Presidente da República, com a participação dos presidentes seus antecessores que espero sejam ouvidos com atenção. Claro que, apesar dos tempos difíceis por que passamos hoje é feriado, e na passada quinta-feira, como é tradição, quase todo o país parou na parte da tarde, se é que não foi durante todo o dia. Sorte para os hoteleiros do Algarve e espanto seguro para a chamada “troika” que entre nós analisa o verdadeiro estado do País para propor os sacrifícios que vamos suportar em troca do dinheiro que nos vão entregar (com juros, claro).

Chegámos a este ponto depois de anos a fio em que os indicadores sociais, económicos e financeiros se foram todos orientando para o que temos hoje. Alguns desses indicadores são impressionantes:

Temos a maior taxa de desemprego dos últimos 90 anos (620.000 desempregados, dos quais metade há mais de uma ano); na última década tivemos o pior crescimento económico dos últimos 90 anos; temos a segunda maior vaga de emigração dos últimos 160 anos; temos a pior dívida pública (em % do PIB) dos últimos 160 anos; temos a maior dívida externa dos últimos 120 anos (quando a dívida externa bruta era de 40% do PIB em 1995, ela atinge hoje os 230% do PIB; nos últimos 10 anos, os défices da balança corrente andaram entre os 8% e os 10% do PIB. É hoje evidente para os estudiosos de macro-economia que os nossos problemas graves começaram na segunda década de noventa. Por essa altura, quase todos pensavam que a entrada no euro era a porta de acesso num paraíso económico: enganaram-se redondamente, como hoje se vê). Vítor Constâncio dizia mesmo quando tomou posse em 2000 como Governador do Banco de Portugal:"...Sem moeda própria não voltaremos a ter problemas de balança de pagamentos iguais aos do passado. Não existe um problema monetário macroeconómico e não há que tomar medidas restritivas por causa da balança de pagamentos".

As taxas que pagamos aos mercados para nos financiarmos ultrapassaram há vários meses o valor de 7% que o Sr. Ministro das Finanças tinha definido como o máximo admissível antes de pedirmos intervenção do FEEF/FMI e continuaram paulatinamente a crescer, antes e depois do PEC IV, tendo já ultrapassado os 11%.

Referir os factos da nossa economia que acima reproduzi (via “Desmitos” do Prof. Álvaro Santos Pereira) não é um acto de campanha eleitoral. Aproximam-se eleições cruciais para o nosso futuro, embora muitos de entre nós estejam convencidos de que a EU e o FMI entraram e vão ficar a mandar em nós durante muitos anos e de que a nossa soberania ficará entretanto em boa medida suspensa. Conhecer da forma mais completa possível a situação em que estamos e como a ela chegámos é meio caminho andado para podermos decidir com responsabilidade sobre o nosso futuro, dos nossos filhos e dos filhos deles, que é isso que está em causa neste momento grave.

De facto, a saída é estreita, mas a nossa obrigação é usar com inteira consciência a Liberdade, valor essencial que se celebra neste dia, para assumir o nosso destino nas nossas mãos já no próximo dia 5 de Junho.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra de 25 de Abril de 2011

segunda-feira, 18 de abril de 2011

FALTA DE ELEITORES, OU SINTOMA DE DECLÍNEO?

Enquanto o país se arrasta penosamente até que um novo Governo com a capacidade efectiva de decisão que a EU e o FMI permitirem possa sair das eleições de 5 de Junho, as notícias que nos caem em cima são cada vez mais aflitivas.

No meio da avalanche de desgraças, houve uma notícia que, se chamou a atenção aos partidos (et pour cause), passou relativamente despercebida à população em geral. O Distrito de Coimbra passou a ter direito a eleger 9 Deputados, em vez dos dez das últimas eleições e dos doze que elegia ainda há poucos anos. Os responsáveis partidários tiveram umas palavras de circunstância sobre o sucedido e passaram adiante. Qual a posição do Distrito de Coimbra em comparação com os outros? Do total dos círculos eleitorais, sete elegem mais deputados que Coimbra, doze elegem menos e outros dois elegem o mesmo número: Faro e Viseu. Saliente-se que, relativamente às últimas eleições, o Distrito de Coimbra até aumentou o número de eleitores em pouco mais de 2.200, mas Faro que ganhou o Deputado que Coimbra perdeu, aumentou esse valor em mais de 10.000. Dos distritos vizinhos, Aveiro elege 16 deputados e Leiria 10.

A perda de importância do nosso Distrito ao longo dos anos da Democracia tem sido notória e há razões para isso, sendo elas endógenas e exógenas.

Começando por estas últimas, há desde logo a normal e sã competitividade entre cidades. Muitas das cidades que são capital de Distrito mudaram radicalmente ao longo dos últimos anos. Pegaram nas suas fraquezas e delas fizeram forças, montaram estratégias de desenvolvimento, atraíram novas populações, apoiaram a criação e atracção de empresas, limparam a cara, construíram parques de estacionamento centrais, criaram novos jardins, ordenaram a ocupação do território, criaram novas universidades, etc.

Depois, houve acções do Estado Central ou mesmo de responsáveis regionais em sua representação que introduziram factores externos. Por exemplo, os acessos rodoviários de Coimbra à Beira Interior continuam praticamente os mesmos de há décadas, a Estação Ferroviária continua absolutamente miserável à espera de um mirífico TGV e, quando há obra nova é muitas vezes mal feita e desadequada ao desenvolvimento urbano como a passagem do IC2 sobre a cidade e a vergonha mais recente dos acessos da Ponte Europa e da rotunda final da variante do IC2 ao Almegue sem que a cidade gema. Isto para não falar da retirada de Direcções Regionais como a da Agricultura e da Economia, relativamente às quais conviria agora saber quais os custos e benefícios que originaram para o próprio Estado. Ou da retirada da sede do Turismo do Centro, introduzindo em simultâneo uma “marca” absolutamente inócua chamada Centro, quando existe aqui uma das marcas turísticas mais valiosas de Portugal: Coimbra.

Para não falar ainda das teses peregrinas de desenvolvimento regional que “matam” Coimbra, através do conceito da região polinucleada.

Que ninguém em Coimbra se iluda: tudo isto ajuda a retirar paulatinamente Coimbra do mapa, seja eleitoral ou outro qualquer.

Mas entre nós também temos responsabilidades no que tem acontecido e isso não deve ser escamoteado. Desde logo, aquela espécie de pudor que todos temos em assumir a liderança, quando na realidade os municípios à nossa volta só têm a ganhar se Coimbra for forte. Depois, a Cidade deixou-se levar outra vez pelo espírito coimbrinha, completamente provinciano. Não é por acaso que os dois eventos principais da Cidade voltaram a ser, como há cinquenta anos, a procissão da Rainha Santa e…a Queima das Fitas, felizmente regressada, senão nem isso.

Eu sei que estou a ser algo injusto para algumas situações e que temos cá do melhor que há em Portugal. Mas não chega e que diabo, assumamos o famoso direito à indignação e exijamos sem vergonha nem contemplações o melhor para Coimbra, quer lá fora, quer cá dentro. Sejamos capazes, como já aconteceu antes, de unir as mãos, estabelecer bases mínimas de entendimento e forçar que a curva inclinada descendente mude para ascendente, não para termos mais deputados, mas para alterar tudo aquilo que leva a que tenhamos ainda menos, no futuro.

Publicado originariamente no Diário de Coimbra em 18 de Abril de 2011

segunda-feira, 11 de abril de 2011

A GRANDE CRISE

Propositadamente, as minhas crónicas das últimas semanas abordaram temas que a muitos leitores poderão ter parecido um pouco alienígenas, dadas as preocupações generalizadas e justificadas com a situação económica e financeira do país que, como era previsível, desembocou na semana passada num pedido de ajuda ao FEEF/FMI.

Os leitores que me perdoem se esperam o contrário, mas vou continuar a não escrever sobre essa matéria. Não é que esteja tudo dito, nem que os mitos se não continuem propalar, mas francamente o que está feito, feito está e as consequências que vamos sofrer durante anos são também mais ou menos conhecidas. O resto será objecto da natural e legítima luta política pré-eleitoral e os resultados deverão relevar mais do bom-senso que de outra coisa.

Chegámos ao ponto em que estamos depois de algumas décadas de um crescimento económico mundial absolutamente avassalador que se seguiu ao fim da Segunda Grande Guerra. O sistema capitalista ou de livre-mercado provou que era o melhor sistema para criar riqueza e dar origem a crescimento económico, emprego e desenvolvimento. Até aos anos oitenta do século passado, ao lado do sistema capitalista existia no entanto uma boa parte do mundo que seguia outro caminho: o sistema socialista. A certa altura, a pressão de crescimento do lado ocidental ou capitalista foi de tal forma que o outro lado implodiu: na realidade, em vez de Sol na Terra que tantos sonhavam era apenas um gigantesco buraco negro. Todos pensámos que a partir daí todo o mundo poderia assistir a um crescimento semelhante ao que o mundo ocidental tinha experimentado até então. No entanto, o desaparecimento do mundo socialista levou a que, algo contraditoriamente, o sistema de livre mercado desenvolvesse internamente uma crise de enormes proporções, ampliada pela falta de capacidade de resposta de políticos imaturos e impreparados, designadamente na nossa União Europeia.

A desregulação económica e financeira que se seguiu à queda do Muro de Berlim foi acompanhada de uma “economização” generalizada da sociedade. Os critérios para toda a actividade humana passaram a ser os mesmos do investimento económico puro e duro, criando-se uma sociedade egoísta e crescentemente desprovida de valores. A cultura sólida foi sendo substituída por turismo e conhecimentos “light”. Não será por acaso que na nossa Europa e mais acentuadamente entre nós, a taxa de fertilidade tenha descido até aos actuais níveis insustentáveis e que uma doença chamada depressão alastre pela sociedade e, em particular, pela juventude, da forma que se conhece. Não tenhamos dúvidas que a angústia mata, como costuma dizer o meu amigo Giuseppe, distribuidor da Cais na Baixa,. E a organização ou direi mesmo, a desorganização da nossa sociedade actual é mesmo angustiante. Tenhamos todos a humildade e a capacidade de o reconhecer e de exigir a quem tem mais responsabilidades a nível da organização social, que tenham respeito pelas pessoas e pelas suas necessidades e legítimas ambições de valorização cultural e humana e não apenas de enriquecimento material. É que, ao contrário do que alguns possam pensar, é precisamente em alturas de aflição económica como a actual, que é mais necessário pensar nas pessoas e não apenas em economia.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 11 de Abril de 2011

segunda-feira, 4 de abril de 2011

ERCOLE SUL TERMODONTE

ERCOLE SUL TERMODONTE

É raro, mas de vez em quando deparamo-nos subitamente com uma obra de arte que nos deixa absolutamente esmagados pela capacidade humana de elevar o espírito acima das tristes e desoladoras manifestações de inveja, mesquinhez e capacidade de perseguir os semelhantes do nosso dia-a-dia.

Como disse, sensações dessas são raras, mas felizmente acontecem. Sucedeu-me, por exemplo, a primeira vez que me defrontei com a Guernica de Picasso. E também com Las meninas de Velasquez e a Pietà de Miguel Ângelo.

Há poucos dias deparei-me com uma obra-prima absoluta que, certamente pela minha deficiente cultura, desconhecia que existia: a ópera que Vivaldi compôs sobre um dos trabalhos de Hércules: ERCOLE SUL TERMODONTE. Em mais um dos trabalhos que aceitou fazer, a fim de que Eristeu lhe permitisse partir definitivamente de Argos, após todas as tragédias por que tinha passado, Hércules partiu para a Capadócia a fim de buscar o cinturão de Hipólita, rainha das Amazonas. Após uma série de enganos e mentiras, as Amazonas entraram em guerra com o exército de Hércules tendo-se travado violenta batalha nas margens do Rio Termodonte de que resultou a morte das Amazonas e da sua rainha Hipólita. O objectivo que poderia ter sido conseguido facilmente e sem derramamento de sangue, só foi atingido por uma enorme tragédia. Mas de novo o gigante Hércules provou ser imbatível e regressou a casa com mais uma tarefa cumprida.

Foi sobre esta história que Vivaldi compôs a sua ópera verdadeiramente excepcional, que foi originalmente apresentada em Roma, no Teatro Capranica em 1723. Nesta cidade, por influência da Igreja, as mulheres não podiam então pisar o palco (nada que nos possa admirar aliás, se olharmos ao papel secundário que ainda hoje a Igreja reserva às mulheres). Os papéis femininos eram então dados a homens a quem, para conseguirem as vozes femininas, eram cortados os seus órgãos genitais: os famosos CASTRATI. O sucesso da nova ópera de Vivaldi foi estrondoso, tendo sido considerada uma autêntica revolução nessa arte. Felizmente, temos hoje a possibilidade de ouvir esta obra-prima, porque o libretto original do Teatro onde foi apresentada pela primeira vez foi integralmente conservado e as árias individuais foram guardadas em várias bibliotecas.

Os antigos mitos gregos exerceram grande influência da nossa cultura ocidental. Os trabalhos de Hércules mostram como, ao longo da vida, se torna necessário ultrapassar dificuldades diversas. Se umas são mais fáceis e se resolvem com relativa facilidade outras há que, pela sua complexidade exigem destreza, compreensão das circunstâncias e mesmo capacidade de ultrapassar obstáculos que, à partida, pareciam intransponíveis. Momentos há em que a força moral e mesmo a física parecem chegar ao seu limite e descobrimos tantas vezes que ainda temos mais para dar.

Passamos todos nós, nesta altura, por um momento de desânimo nacional, em que apenas se parece discutir a ajuda que os estrangeiros nos podem dar para sair da crise que nós próprios criámos. Haja consciência de que não há tarefas impossíveis. Tal como Hércules, temos que tomar consciência da realidade das tarefas, apetrecharmo-nos dos meios necessários (incluindo financiamento nas melhores condições possíveis) e ter a capacidade e vontade de ultrapassar as dificuldades. Por nós próprios.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 4 de Abril de 2011

sábado, 2 de abril de 2011

COMO CREDIBILIZAR AS NOSSAS CONTAS PÚBLICAS

O Prof. Álvaro Santos Pereira explica como ( Blogue Desmitos):

A transparência das contas públicas é essencial, pois nem o país nem a economia nacional aguentarão um novo governo em que as contas públicas estejam em permanente estado de suspeição. O próximo governo devia assim não só mandatar uma auditoria externa das contas públicas para averiguar a o verdadeiro estado das finanças do Estado, mas também, posteriormente, devia fazer tudo para ser o mais transparente possível na gestão das finanças estatais. Mais: depois do descalabro dos últimos anos, é vital que a consolidação orçamental que precisamos seja alcançada sem recurso a quaisquer malabarismos contabilísticos ou a medidas extraordinárias que só penalizam as gerações e os governos futuros. Basta de truques contabilísticos e de desorçamentações, e basta de pagar a crédito as despesas do Estado (como acontece com as PPPs). Nesta estratégia, a apresentação de orçamentos plurianuais é igualmente altamente recomendável, pois só assim é que pode planificar adequadamente as finanças do Estado.
O segundo pilar das finanças públicas do próximo governo devia ser o equilíbrio orçamental, ou o défice zero.