Se há pergunta que se pode fazer a qualquer pessoa para obter uma resposta fácil e imediata é sobre a sua data de nascimento. De facto, toda a evolução da nossa vida tem esse momento como ponto de referência principal. É a partir dele que nos tornamos independentes da Mãe, ao princípio a precisar de muita ajuda, mas assumindo depois a plenitude da vida e mesmo da continuidade futura da espécie, a verdadeira máquina do tempo, como se costuma dizer.
Os países precisam também de simbolismos que encerrem em si elementos suficientemente fortes para unir diferentes gerações ao longo de centenas de anos e as diferentes sensibilidades existentes em cada momento.
A Independência de um país é, seguramente, o traço de união mais forte dos seus cidadãos e que assegura a sua própria identidade social e política no mundo cada vez mais globalizado que tende a esbater diferenças essenciais para a própria diversidade da humanidade. O seu simbolismo reflecte a memória histórica do país e fornece a base para que colectivamente se possam ultrapassar momentos de dificuldades e grandes clivagens.
Portugal tem no dia 1 de Dezembro a memória de um facto concreto que foi a Restauração da Independência em 1640, depois de 60 anos de dominação espanhola. Não foi fácil, obrigou a decisões pessoais e colectivas corajosas e a enfrentar um adversário muito mais forte, durante dezenas de anos. Levou a derramamento de sangue e muitos sacrifícios, mas os portugueses conseguiram o feito notável de assegurar a sua independência e continuarem a ser a única nação ibérica fora do domínio de Madrid, definindo o seu próprio destino. Portugal assegurou então a sua independência sem a ajuda de ninguém exterior, antes pelo contrário. E Portugal estava em estado de quase falência, na maior das pobrezas, após anos de exploração filipina que nos levou couro e cabelo, como se costuma dizer. Se a Revolução foi feita por conjurados nobres, o povo aderiu de imediato a ela, por todo o país. O imposto especial criado na altura para pagar a guerra com Madrid, a chamada “décima militar”, foi aceite sem discussão. Só esta união permitiu resistir à extraordinária força da maior potência do mundo de então, governada pelos Habsburgo.
Muitos momentos terá Portugal na sua longa História que mereçam destaque. Mas este é único pelo seu significado patriótico profundo, sem clivagens ideológicas, nem de regimes e suficientemente ancorado para dizer respeito a todos nós, independentemente de sensibilidades políticas. É por isso que o seu simbolismo é mais forte que qualquer um dos outros feriados ligados quase todos eles a momentos de fundação de regimes políticos e não do próprio país. Mesmo o dia de Portugal celebrado a 10 de Junho é completamente artificial, não estando ligado a qualquer facto histórico positivo que nos una. A celebração da morte de Camões em 1580 remete precisamente para os momentos fatídicos em que perdemos a independência para Espanha e coincide com um dos períodos mais negros da História de Portugal.
Como todos sabemos, atravessamos momentos de grandes dificuldades que obrigam a um aumento da produtividade nacional e à diminuição dos dias em que não se trabalha.
Mas todos sabemos também que, quando se destrói o simbólico, se perdem para sempre referências que unem. E não se pode perder a perspectiva do que é essencial e do que é acessório em cada momento. Cada um defenderá a manutenção dos feriados que lhe dizem mais na sua perspectiva pessoal, seja política, religiosa, ou outra mais restrita. Mas se há feriado que representa Portugal com maior e mais profundo simbolismo, sem remeter para patriotismos estéreis ou referências ideológicas particulares, é o Primeiro de Dezembro. Não o deitemos para o caixote do lixo da História, por causa de uma situação conjuntural.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 19 de Dezembro de 2011
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