segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Mercados, para que vos queremos?



Portugal procedeu à primeira colocação de dívida pública nos mercados internacionais após o Memorando de Entendimento.
Relembremos o essencial: em Maio de 2011, Portugal teve que pedir o apoio do FMI e da União Europeia, por já não conseguir financiamento nos mercados internacionais; tal devia-se a um défice das contas públicas superior a dez por cento e uma dívida pública gigantesca. Os juros de dívida pública ultrapassaram a famosa barreira dos 7%, rondando os 10%. Portugal viu-se na obrigação de se entregar à Troika para conseguir financiamento desta em vez dos mercados, comprometendo-se em troca a aplicar as medidas impostas no Memorando de Entendimento. Logo a seguir as eleições ditaram a mudança de Governo e teve que ser a coligação do PSD/CDS a aplicar as difíceis medidas que todos estamos a ver e sentir.
Desde então, o défice das contas públicas tem vindo a descer, sendo neste momento de 5%. Após a sexta avaliação favorável da troika ao programa de ajustamento português, o Governo decidiu antecipar a ida aos mercados fora da protecção do FMI e do BCE e colocou 2,5 mil milhões de dívida pública a longo prazo com uma taxa ligeiramente inferior a 5%, ficando com as necessidades de financiamento para o corrente ano garantidas logo em Janeiro. Em paralelo, negociou com a troika um prolongamento dos prazos de pagamento dos seus empréstimos, baixando assim os riscos de tesouraria dos anos mais críticos para os reembolsos.
Entretanto soube-se também que, excluindo os juros da dívida pública, Portugal terminou o ano passado com saldo positivo nas suas contas públicas: em vez do défice previsto de 89,2 milhões de euros, obteve-se um valor positivo de 517,4 milhões de euros. Acresce que, pela primeira vez desde 1943, Portugal teve balança comercial positiva.
A verificação do que está a suceder teve reacções. Alguns vieram dizer que tinham razão em exigir um alargamento dos prazos desde o princípio, “esquecendo” que esse alargamento só seria possível e vantajoso para Portugal, como consequência do sucesso da aplicação das medidas e não ao contrário.
Outros salientam que a ida aos mercados significa mais dívida pública e têm alguma razão nesse ponto. No entanto, essa dívida gigantesca só poderá começar a ser “comida” quando a nossa economia virar o ciclo descendente e atingir um crescimento mínimo de 2%. Até lá, há que reformar profundamente, diminuir custos do Estado, criar condições objectivas e subjectivas para o crescimento económico sustentado, atrair investimento externo e ir pagando o serviço da dívida existente através de novos empréstimos com as melhores condições possíveis, até que as taxas de financiamento externo a longo prazo desçam ao valor sustentável dos 2%.
Que tudo isto está a ser conseguido com os enormes sacrifícios dos portugueses que todos conhecemos, é hoje evidente. Portugueses aliás, que dão sinais crescentes de não esquecerem quem nos trouxe aqui, de não admitirem que alguém desconsidere esses mesmos sacrifícios, e ainda de não quererem um regresso ao desregramento da despesa pública. Isto mesmo virá ao de cima nas eleições deste ano, ao contrário do que muitos pensam ou sonham.
O regresso aos mercados não é um fim em si, nem sequer um ponto de chegada. É apenas o fundamental início de uma longa caminhada para a necessária recuperação económica do país.



Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 28 de Janeiro 2013

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

A importância do acessório



Adicionar legenda
 O País geme com a aplicação das medidas trazidas pela “troika” que há quase dois anos chamámos para nos salvar da bancarrota. Como todos sabemos, a enorme, gigantesca dívida pública que acumulámos durante anos, associada a um défice excessivo das contas do Estado, levaram a que os nossos credores perdessem a confiança na nossa capacidade de pagar a dívida. Por isso, as taxas a que nos emprestavam dinheiro subiram a níveis insustentáveis, causando uma impossibilidade prática de financiamento externo de Portugal.
As medidas do chamado “memorando” assinado pelo governo anterior são duras e isso faz-se sentir na vida de todos. Essas medidas visam essencialmente colocar os índices de referência dentro dos parâmetros exigidos pela presença no Euro. Os resultados desse esforço e sacrifício de todos começa a ver-se. Na semana passada, Portugal colocou dívida pública a curto prazo a uma taxa inferior a 2% e com uma procura largamente excedentária sobre a oferta. O presidente socialista francês veio logo depois “considerar que os difíceis esforços que Portugal está a fazer estão a dar frutos”, embora os que ainda por cá defendem os responsáveis pela situação a que chegámos tenham logo tentado tirar importância a essas declarações chutando para o lado com a PAC.
Mas há algo que falta de facto fazer e isso é mesmo o mais importante. Não chegámos a este ponto de um momento para o outro, nem a crise caiu do céu aos trambolhões. Fomos nós que construímos o caminho que aqui nos trouxe. Torna-se absolutamente necessário proceder a reformas profundas em toda a organização do país para sairmos do atoleiro em que nos encontramos.
Tudo, desde as funções do Estado até ao necessário “estado social” capturado pelas mais diversas corporações, tem que ser revisto, avaliado e reformado. São as gerações dos nossos filhos e netos que o exigem. É mesmo necessário e urgente um pacto inter-geracional que proteja as futuras gerações do egoísmo e falta de solidariedade da actual geração que sistematicamente tem colocado o seu bem-estar à frente de tudo e de todos de uma forma social e economicamente insustentável.
Tendo consciência disto mesmo, o Governo está a organizar conferências com diversas personalidades de diferentes quadrantes profissionais e ideológicos para encontrar caminhos para as reformas. A primeira decorreu há poucos dias. Porque o objectivo é que aí se diga o que se tem a dizer com inteira liberdade, essa conferência foi aberta à comunicação social, mas com regras estritas na divulgação do que lá foi dito: para reproduzir as intervenções dos diversos intervenientes, os jornalistas deveriam assegurar autorização dos próprios para tal, com excepção dos membros do Governo, que poderiam ser citados com toda a liberdade. O leitor teve certamente ecos desta conferência. E o que lhe chegou não foram as participações dos intervenientes, porque a comunicação social resolveu substituir-se à conferência como notícia. Rebelando-se de uma forma infantil e patética contra um prática seguida em muitos países e instituições quando o que está em causa é uma sessão discussão livre e franca de apresentação de sugestões e propostas para a qual são definidas regras que visam precisamente garantir essa liberdade, muitos dos jornalistas presentes substituíram o seu trabalho por intervenção política directa. Desta forma abandonaram e desrespeitaram os seus leitores para quem deveriam trabalhar informando com liberdade, mas também com seriedade e respeito pela verdade.
Quando não há pão, todos ralham e ninguém tem razão, diz o povo na sua sabedoria. Cabe a quem tem responsabilidades acrescidas pelas suas funções sociais e políticas, contribuir para a solução dos problemas e não ser mais um problema. A História não perdoará a quem se colocar de fora no esforço de encontrar soluções consensuais para construir um futuro mais digno para as gerações vindouras. 

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 21 Janeiro 2013 

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Profissão: político



 O nosso actual regime foi fundado em Abril de 1974 e vai fazer, portanto, 39 anos daqui a pouco tempo. Um regime político, qualquer regime político, precisa de pessoas que ocupem os lugares de exercício de funções de Estado, nos seus mais diversos níveis e sectores, com a maior competência possível.
Na nossa democracia, há um órgão de soberania cujas funções são exercidas por uma pessoa escolhida directa e pessoalmente pelo povo, que é o presidente da República. Todos os outros são escolhidos através dos partidos políticos ou, em alguns casos, poucos, por listas independentes.
Para o regular funcionamento de um regime democrático, é necessário que o povo possa escolher em liberdade. Mas não é menos importante que os partidos reflictam internamente essa liberdade e que os processos de escolha dos seus representantes sejam transparentes.
Depois do 25 de Abril houve uma substituição das pessoas que ocupavam os lugares de representação política do Estado. Mas as responsabilidades inerentes às mais diversas funções, muitas delas de elevada complexidade, obrigaram a que a classe política do novo regime tivesse sido formada durante o antigo regime, tendo todos eles uma experiência profissional sólida. Foi assim que, só após cerca de 25 anos, o actual regime começou a ter o poder exercido por personalidades que se formaram após o seu início, havendo hoje já muitos políticos em actividade que nasceram mesmo depois do 25 de Abril.
Esta situação traz novidades, desde logo pelos referenciais sociais e políticos destas novas gerações de políticos que não têm qualquer memória pessoal quer do regime anterior, quer do chamado PREC e primeiros anos fundacionais do regime democrático.
Por outro lado, a formação de muitos destes novos políticos é muito diferente da anterior. Iniciaram as suas carreiras políticas muito cedo, boa parte deles dentro das juventudes partidárias. Muitos nunca exerceram mesmo qualquer actividade profissional digna desse nome fora da política: são políticos profissionais.
Há quem defenda que os políticos profissionais colocam a Democracia em perigo. Pessoalmente, não irei tão longe. Mas que a profissionalização da política tem riscos, isso parece evidente. Desde logo, porque tende a criar um mundo artificial no qual se movem os políticos, com um afastamento da realidade que leva a promover uma desadequação das políticas aos interesses e necessidades efectivas das populações; nesse mundo próprio surge até uma linguagem que só os “iniciados” conhecem em profundidade e cujo significado é muito diferente daquele que o cidadão comum lhe atribui. Depois, porque esse é um mundo artificial que se auto-defende de quem efectivamente conhece a realidade e quais as melhores soluções para os problemas concretos.
O perigo está, portanto, no mundo fechado e artificial que os políticos profissionais tendem a criar. Esse perigo é real e cabe-nos a todos conhecê-lo e fazer o necessário para o prevenir. A limitação de mandatos vai nesse sentido, mas deverá ser estendida aos Deputados da Assembleia da República. Outra reforma importante será a alteração profunda da lei eleitoral, de forma a que qualquer eleitor possa cortar nomes das listas propostas pelos partidos. Só assim as máquinas partidárias deixarão de trabalhar em circuito fechado, o que permite aos políticos profissionais continuarem a sua actividade sem nunca se confrontarem directamente com aqueles que supostamente representam.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

PRIMAVERA/S



A Primavera é certamente a estação do ano mais celebrada pelos artistas. Significa o equilíbrio da Natureza com a igualdade dos dias e das noites que traz as temperaturas amenas, depois dos frios do Inverno. Condições que fazem a vida brotar de novo com exuberância com as novas plantas e as flores primaveris e fazendo realçar a sensibilidade dos que a têm mais desenvolvida, os artistas.
O célebre quadro de Botticelli que representa a Primavera representa tudo isto de forma exuberante. Encontra-se exposto na Galeria Uffizi em Florença, fazendo parte do valioso património cultural daquela cidade italiana.
Também a música tem celebrado a Primavera ao longo dos séculos, através de obras compostas por autores dos mais diversos estilos, alguns deles certamente bem conhecidos de todos nós.
Coimbra é uma cidade privilegiada, do ponto de vista patrimonial. O seu património construído é mais ou menos conhecido dos conimbricenses e mesmo de todo o mundo, através dos milhares de turistas que todos os anos nos visitam. Mas a importância da música nesse património é também crucial para compreender e amar a nossa cidade. A guitarra portuguesa, na sua versão de Coimbra, tem uma enorme importância na nossa cultura e, portanto, na definição da nossa identidade.
Certamente não por acaso, Francisco Martins deu o nome de PRIMAVERA a duas das suas composições mais marcantes para Guitarra de Coimbra. São raros os músicos que, além de instrumentistas exímios, são igualmente compositores de gabarito. Francisco Martins é um desses exemplos. As suas composições atingem uma beleza marcada por uma perfeição melódica rara que provoca nos ouvintes uma vontade de as ouvir mais e mais vezes, deixando-nos sempre com sabor a pouco quando terminam.
Francisco Martins foi sempre uma pessoa reservada, nunca tendo pertencido a grupos musicais formais, reservando as suas actuações para momentos por si escolhidos. Aluno de guitarra de Coimbra de António Portugal desde muito novo, as fotos mais antigas das suas actuações são do casamento de Luis Góis em 1959, então com apenas 13 anos. A sua discografia inclui, não apenas as PRIMAVERAS I e II, mas dezenas de outras composições suas, para além de interpretações de outras peças musicais. O seu primeiro álbum data de 1969 e intitula-se “Flores para Coimbra”, fazendo apelo a outra das referências primordiais da Cidade: as rosas da Rainha Santa.
Os Homens passam, mas as Músicas ficam. As composições de Francisco Martins são hoje tocadas por muitos dos instrumentistas da Guitarra de Coimbra, que as ouviram tocar a ele mesmo ou através da audição dos discos publicados. No entanto, para que essas músicas possam ultrapassar as fronteiras da distância e do tempo, é crucial preservá-las em papel que qualquer músico, em qualquer parte do mundo, possa ler e interpretar no seu instrumento. Só assim esse verdadeiro património cultural será preservado e legado de forma perene.
Foi isso mesmo que a Orquestra Clássica do Centro fez. Emília Martins juntou vontades e esforços que tornaram possível publicar em livro as partituras de 13 das mais conhecidas composições de Francisco Martins, sendo desejável que venha a acontecer a publicação das restantes obras. Sem qualquer apoio oficial, o património cultural de Coimbra surge assim, não só protegido, mas divulgado de forma perene para todo o mundo, porque a escrita musical é universal. Esta publicação das Edições Almedina contém, para além das partituras, os depoimentos de Rui Pato, extraordinário executante de guitarra clássica que acompanhou Francisco Martins em boa parte da sua obra musical, gravada e ao vivo, praticamente desde a infância e ainda de Armando Carvalho Homem que testemunha de forma tocante a impressão que a música de Francisco Martins provoca em ouvidos e intelectos sensíveis.
“AS PRIMAVERAS” é hoje um livro fundamental na biblioteca de todos os que se preocupam com o património artístico de Coimbra, mas também de todos os que admiram Francisco Martins, seja pela sua obra musical verdadeiramente excepcional, seja como médico, ou simplesmente como Homem.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 7 de Janeiro de 2013