Não fora estar
revestido com um relvado imaculado, o solo do local onde decorreu a cerimónia da
passada sexta-feira mais pareceria um mar revolto assolado por forte
tempestade. Entidades oficiais, militares e povo de França e Inglaterra
homenageavam os mais de um milhão de soldados caídos na batalha do Somme
iniciada em 1 de Julho de 1916, na I Grande Guerra e que durou até Novembro. O
resultado da investida iniciada nesse dia contra as barreiras alemãs saldou-se,
no fim da batalha, num avanço da frente aliada inferior a vinte quilómetros,
uma perfeita inutilidade em termos militares. Para isso morreram todos aqueles
soldados na que foi, provavelmente, a batalha mais mortífera da história da
humanidade.
O presidente
francês François Hollande, a família real britânica, o primeiro-ministro inglês
e o ex-presidente alemão Horst Köhler participaram na cerimónia do centenário
do início da batalha em que, só no primeiro dia, morreram mais de 20.000
soldados ingleses.
O solo remexido em
inúmeras crateras é ainda hoje o resultado visível do bombardeamento
sistemático das peças de artilharia. A guerra de trincheiras teve aqui o
exemplo mais trágico da incompetência das chefias militares e da sua
incapacidade de conciliar velhas tácticas com as novas armas, enviando
sucessivas levas de soldados de infantaria para a morte certa.
Nesta batalha
participaram de forma anónima várias personalidades, como Tolkien que
posteriormente escreveu “O senhor dos Anéis”, o pai de Ann Frank e até o cabo Adolfo
Hitler que foi aqui ferido por duas vezes. A I Grande Guerra, cujo início se
deveu a circunstâncias que de modo nenhum justificariam o enorme conflito em
que se tornou num tempo em que os chefes de Estado dos países europeus eram
quase todos familiares próximos, provocou o encerrar de uma era histórica com o
fim de quatro impérios. O seu fim coincidiu com o surgimento das grandes
ideologias que vieram a desembocar todas elas em regimes ditatoriais
sangrentos, qualquer que fosse o seu objectivo. O Tratado de Versalhes que lhe
pôs fim, em vez de ser fonte uma paz duradoura, veio a estabelecer as condições
para que um político como Hitler tivesse sucesso na Alemanha e viesse a
arrastar toda a Europa primeiro, e o resto do mundo depois, para a Segunda
Grande Guerra, que muitos consideram ter sido apenas a conclusão militar da
primeira.
Depois da II Grande
Guerra a Europa veio a conhecer um período de paz e posteridade, que dura há
setenta anos. Ao longo deste período de tempo os países europeus foram-se
aproximando, estabelecendo laços económicos, sociais e políticos num crescendo
em fases sucessivas. Depois da queda do mundo soviético, muitos países do leste
da Europa juntaram-se aos que já integravam a União Europeia, anterior CEE.
A dificuldade de
organizar uma casa comum com esta dimensão e a incapacidade de muitos
dirigentes europeus assumirem as suas responsabilidades com independência têm
aberto a porta às críticas, muitas vezes justas, e que devem ser tidas em
conta. Mas há outras que são apenas ideológicas, vindas da parte dos que tentam
aproveitar as brechas para tentar acabar com a UE que nunca quiseram.
Os movimentos
populistas, à esquerda e à direita, estão também a provocar confusão nos
cidadãos que sentem dificuldades nas suas vidas, não entendendo muitas
decisões, mormente a nível financeiro, e que ficam vulneráveis aos discursos
oportunistas, tantas vezes difíceis de desmontar, porque escondidos em camadas
de mentiras e meias-verdades para parecerem lógicos e verdadeiros.
O caos em que a
Grã-Bretanha está mergulhada por estes dias é paradigmático desta situação.
Depois do resultado do referendo para o chamado Brexit, verifica-se que os
argumentos apresentados eram falaciosos quando não completamente falsos, que os
defensores mais notáveis da saída não estavam minimamente preparados para as
consequências do que propunham com tanto calor e ainda que muitos eleitores que
votaram pela saída não faziam ideia do que estavam a decidir.
A Paz é um bem
inestimável. É também condição necessária para o progresso e o bem-estar dos
povos. A Europa, embora com muitas contradições e problemas, está a passar por
um dos períodos mais longos da sua História sem guerra e é uma das melhores
zonas do mundo para se viver. Os populismos diversos e nacionalismos que surgem
em diversos países ameaçam colocar tudo isto em questão, pelo que é altura de
cerrar fileiras e mostrar solidariedade entre todos.
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