Está quase a acabar este ano de 2020, que é um ano que todos gostaríamos de esquecer, mas que vamos todos, certamente, recordar pelos mais diversos motivos. Alguns bons, que têm a ver essencialmente com a resposta a uma pandemia viral. Pela primeira vez a humanidade foi capaz de identificar com rigor o vírus causador da pandemia pouco tempo depois do seu início e, muito importante, conseguiu desenvolver vacinas específicas em menos de um ano. Proeza farmacológica só tornada possível pelo desenvolvimento científico na área do ADN e ARN que se verificou nas últimas décadas e da capacidade tecnológica associada à investigação dos grandes laboratórios farmacêuticos. O investimento público de diversos países no apoio à investigação com vista ao desenvolvimento destas vacinas terá sido fundamental para que os prazos de desenvolvimento tenham sido tão encurtados, sabendo-se do tempo que normalmente é necessário para preparar novas vacinas. A resposta dos serviços de saúde um pouco por todo o mundo, em termos tecnológicos, humanos e organizacionais marcou a diferença relativamente a outras pandemias da História. Entre nós a dádiva pessoal e profissional dos profissionais de saúde, aos vários níveis, que tiveram que lidar directamente com os doentes COVID-19, em particular nos serviços cuidados intensivos, foi e é de registar, de louvar e de agradecer por toda a sociedade por ter, tantas vezes, raiado o puro heroísmo.
Mas, embora não se possa comparar com outras pandemias ao longo da História, as consequências da pandemia são, ainda assim, graves tanto a nível mundial, como no nosso país. Na totalidade verifica-se a existência de cerca de milhão e meio de mortes no mundo, havendo a registar, entre nós mais de 6.400 óbitos devidos ao vírus SARS-CoV-2 com cerca de 400.000 casos confirmados. No ano de 2020 deverá verificar-se um total de mais de 120.000 óbitos em Portugal, algo que não sucedia desde 1946. Se o envelhecimento da população pode explicar uma parte deste aumento, a verdade é que há 4 a 5 mil mortes não devidas ao COVID-19, sendo ainda de ter em conta a radical diminuição de gripes relativamente aos anos anteriores. Isto é, podemos felicitar-nos dizendo que «o SNS respondeu bem», que tal não corresponde à verdade; há estes óbitos a mais e sabemos todos muito bem que milhares de operações cirúrgicas ficaram por realizar, ainda muitas mais consultas por fazer e, o que pode revelar-se trágico nos próximos anos, muitos cancros ficaram por ser precocemente detectados.
As consequências directas na economia, quer na produção, quer no emprego estão ainda por se conhecer na totalidade, dados os apoios excepcionais e temporários que o Estado proporcionou a empresas e pessoas individuais, embora esse apoio tivesse sido dos mais reduzidos da Europa, pela nossa fragilidade orçamental e enorme dívida externa, nomeadamente pública. Os apoios têm-se traduzido essencialmente em empurrar as dificuldades para diante, pelo que mais cedo ou mais tarde as falências e desemprego irão fatalmente crescer de uma forma que até hoje desconhecemos. Qualquer que seja a dimensão dos apoios financeiros europeus, não será suficiente para cobrir as quebras já verificadas na economia e nas famílias, pelo que a recuperação dos níveis de 2019 estará ainda muito longe.
O Primeiro-Ministro reconheceu há poucos dias que foram cometidos erros pelo Governo na resposta à pandemia. Ainda bem que o fez, mas só manifestou uma evidência, aos olhos dos portugueses, para quem a realidade não se limita aos telejornais das televisões e que não podem deixar de notar o crescente número de pessoas a precisar de ajuda alimentar. Uma das consequências mais evidentes da pandemia é o agravar das desigualdades sociais atirando para a miséria uma larga franja da classe média.
A luta contra a pandemia é uma verdadeira guerra que se trava em diversas frentes; científica, sanitária, económica, educacional e social. Para além do estabelecimento do medo generalizado, é sabido que nas guerras a primeira coisa a morrer é a verdade. Também nesta guerra a mentira, a desinformação e mesmo as teorias da conspiração têm tido um palco enorme de actuação. Cabe-nos a nós um esforço, ainda maior do que em tempos comuns, para perceber quem, como e porquê nos tenta manipular, mantendo uma atitude de abertura à ciência e a todos os que, com verdade, nos tentam apoiar e mesmo orientar neste mar encapelado de informação.
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