segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Netos e eleições

 


Uma das maiores felicidades que o andar dos anos nos pode trazer é o surgimento dos netos. Vê-los nascer e crescer transmite-nos sensações substancialmente diferentes daquelas que nos invadiram quando o mesmo sucedeu com os pais deles e nossos filhos. Os filhos são nossos descendentes directos, tudo o que lhes diz respeito tem a ver connosco. Por outro lado, o seu nascimento e crescimento ocorrem normalmente durante a nossa vida profissional completamente activa, pelo que tudo parece acontecer com naturalidade até ao momento em que eles vão à sua própria vida, como eu costumo dizer, quando voam por si. E, a partir daí, a vida dos filhos decorre ela própria paralelamente à nossa, partilhando um mundo comum, até ao momento em que a lei da vida necessariamente nos levará, como levou já os nossos pais.

Já os netos… bem, trata-se de algo completamente diferente. Em primeiro lugar, a responsabilidade do seu nascimento, tal como do crescimento e formação, já não serão da nossa responsabilidade. Podemos e devemos acompanhar, mais de perto ou mais de longe, se possível mais de perto, mas sem nunca tentar substituir o papel dos pais. Pessoalmente, tenho hoje quatro netos, duas meninas e dois meninos. A sensação de os acompanhar e de perceber como são as suas personalidades em desenvolvimento é algo que só nos pode encher de felicidade. Os pais deles nunca entenderão como olhamos para os netos e revemos tantos pormenores físicos e comportamentais deles próprios quando eram crianças e de como esses pormenores se desenvolveram até se tornarem as suas características próprias enquanto adultos. Os netos podem não ser nossos filhos, mas têm muito de nós.

Há uns anos ouvi um professor universitário de Física afirmar que não precisamos de inventar uma máquina do tempo, porque temos os nossos filhos e os filhos deles que constituem a verdadeira máquina que nos transporta para o futuro.


E aqui chegamos à palavra mágica: futuro. Com toda a probabilidade, a maior parte da vida dos netos decorrerá num tempo em que nós próprios já cá não estaremos para ver. E, no entanto, o futuro é construído hoje, tal como o próprio presente que vivemos hoje foi o futuro dos nossos pais e mesmo da nossa geração.

Em Democracia, temos a hipótese de escolher aqueles que terão a responsabilidade de construir o nosso futuro colectivo aos diversos níveis, como por exemplo ao nível local como acontecerá nas eleições das autarquias locais que ocorrerão daqui a duas escassas semanas. Ou não. Na realidade, aquilo de que mais ouvimos falar os diversos candidatos é apenas de questões que deveriam ser de automática resolução técnica e não da construção de um futuro a dez, quinze ou vinte anos, isto é, para os nossos netos. A partidarite, com o caciquismo e a falta de qualidade do pessoal político inerentes tomou conta de todos os partidos, sem excepção, o que se sente de uma forma muito intensa ao nível das autarquias locais

A capacidade de definir estratégias, de perceber o que nos trouxe até aqui e de definir caminhos de mudança é o que distingue os verdadeiros construtores de futuro de vulgares gestores do dia-a-dia. Não se pense que falo aqui de construção de «homens novos» ou algo que se pareça, que isso não existe e não passa de conversa para disfarçar ditaduras encapotadas. O que é necessário é construir uma sociedade que crie condições que permitam a todos e cada um realizar-se plenamente em igualdade de oportunidades, sem excepção, e em que cada um respeite o outro como igual.

Quando olhamos para a evolução das nossas cidades nas últimas duas ou três décadas, após a fase da construção das infra-estruturas básicas, o que vemos com mais frequência é uma falta de definição de caminhos estratégicos claros. O urbanismo e a habitação são, talvez, os maiores exemplos disso mesmo. Hoje em dia ouvimos os candidatos falar, quase sem excepção, da necessidade de resolver os «problemas da habitação», sempre através de construção nova. E nenhum deles aponta as causas desse «problema» que dura há décadas. Enquanto há centenas de milhar de habitações devolutas em Portugal, muitas mesmo sem nunca terem sido habitadas, o que falam é de mais construção, ocupando ainda mais território. As cidades competem hoje entre si, mesmo muito para além das fronteiras entre países, até porque essas fronteiras, na Europa, são já simbólicas a nível de circulação de bens e de pessoas. Sem uma visão estratégia é impossível participar nessa tremenda competição de qualidade e afirmação.

Costuma dizer-se que os fracos reis fazem fracas fortes gentes. Razão, adicionada à necessidade de construção de um futuro melhor para os nossos netos, para sermos cada vez mais exigentes com os políticos, rejeitando claramente os incapazes, mentirosos e caciques que só pensam no futuro imediato, sejam eles de que partido forem.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 13 de Setembro de 2021

Imagens de pinturas da autoria das netas Leonor e Sofia

 

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