segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

E A CULTURA, MEUS CAROS PARTIDOS?

 


Se há algo que me tem surpreendido nestes meses de pré-campanha e campanha efectiva para as eleições legislativas antecipadas de 30 de Janeiro de 2022 é a total ausência de referência e debate partidário relativamente à política cultural, da esquerda à direita.

A noção de cultura evoluiu muito nas últimas décadas, em particular depois da Segunda Guerra Mundial, momento histórico trágico e decisivo, já que tornou impossível dissociar o desenvolvimento cultural da capacidade humana de fazer o Mal absoluto traduzido pelo Holocausto como George Steiner vincou nos seus trabalhos, mormente sobre a História e caracterização cultural da Europa. A ideia elitista da Cultura à maneira de T.S. Eliot ficou muito prejudicada, embora se mantenha a ideia fundamental e consequente de que a cultura não é o mesmo que conhecimento. É com Giles Lipovetsky e Jean Serroy que se conclui que depois da cultura clássica surge a «Cultura-Mundo» com alterações profundas, das quais a menor não será certamente o predomínio da imagem e do som sobre a palavra, com o espectáculo a tomar a primazia.

Em consequência de todas estas mudanças, a política cultural. é hoje parte integrante das políticas fundamentais dos Estados liberais modernos, tal como o são a Saúde, a Habitação ou a Educação, por exemplo.

De acordo com a própria União Europeia, «a cultura está no centro do rico património e da história da Europa». Daqui se parte para concluir sobre a importância da cultura, não só para a descoberta de locais únicos e significativos o que constitui o motivo do já hoje importante e em crescimento turismo cultural, mas para todo o desenvolvimento de uma actividade económica vasta, abrindo portas a um empreendedorismo baseado na Cultura.

As actividades económicas que se consideram ligadas à Cultura são hoje muito variadas, constituindo o que se designa por «indústrias culturais e criativas» que vão das artes e arquitectura à publicidade e relações públicas, passando pelo cinema, design gráfico e de internet, publicações, música e entretenimento, artesanato artístico e design de moda ou mesmo jogos e multimédia.


Ao valor artístico junta-se agora a importância económica de todas estas actividades, com potencial para proporcionar crescimento económico às cidades e regiões. Crescimento esse com características próprias que, na actual situação do planeta, possui enormes vantagens comparativas. Desde logo do ponto de vista ambiental, mas também pela capacidade de criar emprego com exigência de formação superior e também melhores níveis salariais. O sector representa 4% do emprego nos EUA e mais de 6% em Inglaterra, por exemplo.

Os valores atingidos nos últimos anos por estas indústrias são impressionantes. De acordo com o Banco Mundial, a economia da Cultura significa 7% do PIB mundial e quase 8% do PIB dos EUA, por exemplo. Neste caso dos EUA o sector cultural é mesmo responsável pela maior fatia das exportações. O crescimento deste sector tem ainda sido superior ao do conjunto da economia, pelo que, pelo seu dinamismo, pode ser considerado motor do crescimento.

Antes do interesse económico, o valor intrínseco da Cultura vem da capacidade de conhecer e apreciar as produções artísticas, em particular de amar o belo, algo que define o melhor da Humanidade. Por alguma razão as ditaduras, sejam ideologicamente de esquerda ou de direita, têm como característica constante o corte da liberdade de produção artística e da tentativa de eliminar as obras de arte que não servem os seus objectivos ou não estão em conformidade com os cânones que definem.

Lamento que numa campanha eleitoral com a importância que têm sempre umas eleições legislativas, não haja um único partido que defina publicamente as suas opções para a política cultural. Sabe-se que as circunstâncias económicas que o país vai atravessar nos próximos anos não serão fáceis, para ser simpático. Contudo, para que os portugueses sejam cidadãos e não meros produtores e consumidores têm também que tratar do espírito. O aviso de Camões continua vivo:

Não mais, Musa, não mais, que a lira tenho

Destemperada e a voz enrouquecida,

E não do canto, mas de ver que venho

Cantar a gente surda e endurecida,

O favor com quem mais se acenda o engenho

Não no dá a pátria, não, que está metida

no gosto da cobiça e na rudeza

Duma austera, apagada e vil tristeza.

 

 Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 24 de Janeiro de 2022

Imagens recolhidas na internet


 

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