A actividade de escrever crónicas, principalmente quando se processa ao longo de anos não se faz sem que sucedam alguns percalços pelo meio. Situações que advêm umas da vida do próprio autor e outras do circunstancialismo de quem as lê.
Tenho como regra suprema o respeito pelo leitor, o que significa que prezo a independência relativamente a seja quem for pelo que as opiniões aqui transmitidas são o resultado da reflexão pessoal, evidentemente sempre discutível, mas nunca motivadas por pressões ou tentativas de manipulação mais ou menos escondidas.
Claro que, ao longo dos mais de dezasseis anos que estas crónicas semanais já levam, houve vários momentos em que recebi pedidos para abordar este ou aquele assunto, desta ou daquela maneira, sem que nunca tenha cedido a tais encomendas, chamemos-lhes assim. Bem, houve uma certa vez, já lá vão uns anos, em que alguém pertencente à vereação camarária com pelouro, logo integrando a maioria municipal, me pediu para abordar determinada iniciativa pública que tinha sido da sua autoria política. E, por uma vez, acedi, pela simples razão de que estava inteiramente de acordo, não vindo daí nenhum mal ao mundo, antes pelo contrário. Tal personalidade passando ocasionalmente por mim, uns tempos depois, resolveu dizer que me tinha enviado um cartão de agradecimento mas, claro, o tal cartão nunca chegou, ficando a atitude dessa tal personagem com ela mesma. Outra situação, de certo modo oposta, deu-se com alguém que a determinada altura exercia um dos cargos de maior relevância na Cidade. Entendi que uma sua iniciativa que gerou alguma incompreensão pública merecia e devia ser louvada, pelo que abordei o assunto numa crónica, manifestando o meu apoio à mesma. Sucedeu que, exactamente seis meses depois da publicação da crónica, recebi um cartão extremamente simpático dessa personalidade agradecendo o texto da crónica que, como é evidente, nunca se destinou a ser motivo de qualquer manifestação de gratidão, pretendendo apenas fazer o que considerava justo. O prazo decorrido levou-me, no entanto, a fazer uma interpretação óbvia: a personalidade em causa temeu que da minha parte houvesse algum pedido a fazer como eventual pagamento, só se decidindo pelo agradecimento quando se convenceu que tal não surgiria. Na realidade, provou assim conhecer mal o autor destas linhas levado, talvez, pela circunstância de as nossas respectivas opções políticas pessoais serem, à época bastante divergentes.
O exercício de “cronicar” tem, como se vê, frequentes consequências que ficam normalmente na discrição de situações que se costumam resolver de forma pacífica. Outras há, infelizmente, em que a manifestação de discordância com os escritos se faz de forma desagradável levando mesmo, por vezes, ao desfazer de relações de dezenas de anos o que, infelizmente, já aconteceu. Já as situações em que alguém desconhecido se abeira de mim e retira da carteira o recorte de uma crónica, algo que já sucedeu por diversas vezes, têm de alguma forma o condão de juntar algum espanto a alimento de amor-próprio que até poderá nesse momento andar por baixo. Interessante é também a situação em que no restaurante habitualmente frequentado alguém de saída atira alto e bom som: «agora veja lá o que escreve na próxima semana!». O que aos companheiros de mesa terá parecido uma ameaça, eu sabia ser apenas uma manifestação de esperança em que a próxima crónica fosse de igual agrado à anterior.
Já no que ao autor destas crónicas diz respeito pessoalmente, a continuidade sem qualquer falta ao longo de todos estes anos significou, por vezes, uma insuspeita, mesmo para o próprio, capacidade de ultrapassar situações de alguma delicadeza, sem que tal transparecesse nos escritos. Incluindo falecimento de entes queridos e, felizmente, também nascimento de netos, sem dúvida uma das maiores alegrias desta vida. Sem falar de situações de dificuldades de saúde, felizmente ultrapassadas, sempre graças ao excelente SNS que temos, como naquela vez há uns doze anos em, depois de uma delicada e demorada intervenção cirúrgica, acordei da anestesia para pouco depois ouvir o sinal acústico de emergência típico e ainda ter tempo de olhar para o monitor dos sinais vitais e só ver traços horizontais. O cuidado e competência técnica da equipa de cirurgia levaram a intervenção imediata que me permitiu voltar a acordar algumas horas mais tarde e recuperar para continuar a viver uma vida normal e a «cronicar» e dialogar semanalmente com os leitores do Diário de Coimbra. O que faço com todo o gosto, fugindo sempre àquela posição de «tudólogo» que tudo sabe e para tudo tem uma resposta, bem pelo contrário pertencendo ao grupo daqueles que partilham de perplexidades e que apenas tentam contribuir para a ultrapassagem de problemas.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 21 de Fevereiro de 2022
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