terça-feira, 17 de outubro de 2023

A História, sempre a História a ensinar

 


Há cem anos o mundo e, em particular a Europa, tinha saído há pouco de uma das guerras mais mortíferas da História. Pelo Tratado de Versalhes de 1919 a Alemanha foi considerada como culpada pela Guerra, tendo assim de pagar vultuosas indemnizações aos vencedores, com a França à cabeça. Perdeu igualmente parte do seu território, bem como os seus sete milhões de habitantes.

Na sequência do Tratado, foi constituída a Sociedade das Nações, acreditando os seus fundadores que assim estaria garantida a paz entre os países europeus, para sempre.

Entretanto, a Rússia conhecia as grandes transformações iniciadas com a Revolução de Outubro em 1917 com os sovietes, a subsequente formação do governo bolchevique e a guerra civil que se seguiu. Os comunistas venceram em 1922, tendo aí início a União Soviética com a anexação, pela força, de territórios do antigo Império Russo incluindo a Ucrânia e a Bielorrússia entre outros. Os soviéticos sonhavam com um mundo novo de inteira igualdade entre cidadãos e exportar essa ideia para o mundo inteiro, fosse de que maneira fosse. Por essa altura um antigo cabo do exército austríaco tomava conta do Partido Alemão dos Trabalhadores e levava a cabo um fracassado golpe em Munique em 1923, e foi preso. Na prisão Adolf Hitler escreveu o Mein Kampf, tendo sido libertado em 1924. A partir daí suscitou o apoio de grande número de alemães essencialmente pela sua oposição às condições draconianas do Tratado de Versalhes. Não demoraria muito até Hitler se tornar chanceler em 1933 e transformar a Alemanha num estado totalitário e terrorista com pretensões a criar um mundo novo perfeito dominado por arianos puros. Em Itália Mussolini tornava-se primeiro-ministro em 1922, atribuindo-se o título de “Duce do Fascismo” e instalando a sua própria ditadura totalitária e militarista.

Entretanto, em Portugal vivia-se a Primeira República nascida da Implantação da República em 5 de Outubro de 1910, escassos dois anos após o atentado que vitimou o Rei D. Carlos e o príncipe herdeiro Luís Filipe em Lisboa em 1 de Fevereiro de 1908. Os ventos da História daquele tempo também cá chegaram. Após apenas 16 anos houve o golpe militar de 28 de Maio de 1926 que deu origem à Ditadura Militar a que se seguiu o Estado Novo de Salazar que só viria a cair em 1974. Durante aqueles 16 anos da Primeira República, Portugal conheceu 45 governos com 40 chefias de Governo. O Estado Novo viria a governar durante dezenas de anos em ditadura de partido único sem que os chefes de Governo alguma vez se tenham submetido a eleições.


É bem possível que Marx tenha acertado quando dizia que a História se repete, a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa. É que não é preciso ser imaginativo para ver as semelhanças entre o ambiente político de há cem anos e o que se passa nos nossos dias.

Os regimes democráticos, um pouco por todo o mundo, nas Américas e na Europa, estão de novo a permitir que partidos e políticos que não acreditam na democracia usem os votos populares para chegar ao poder. Outros ainda lá não chegaram, mas as probabilidades de que tal aconteça, mesmo em países decisivos, são cada vez maiores. E depois temos a Rússia. Os argumentos usados por Putin para invadir a Ucrânia e manter essa guerra indescritível contra um povo soberano são estranhamente parecidos com os de Hitler quando ocupou a Áustria e a Checoslováquia, antes de invadir a Polónia. O fim da URSS e a divisão territorial que se lhe seguiu pode ser visto pelos russos como os alemães sentiam o Tratado de Versalhes. É por isso que Putin continua a ter o apoio dos seus concidadãos, apesar de se comportar como um tirano vulgar. Relembro que só se mantém na presidência porque procedeu a uma alteração constitucional que o permite, para além de se apoiar numa clique de favoritos a quem proporcionou gigantescas fortunas e que só manterão essa condição enquanto Putin se mantiver no poder.

Infelizmente, a Humanidade aprende pouco com a História. Mas andaríamos todos bem em estudar o passado para não cometermos os mesmos erros.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 9 de Outubro de 2023

Imagens recolhidas na internet

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