terça-feira, 12 de dezembro de 2023

A guerra, sempre a guerra

 


A guerra é, ao contrário do que se possa pensar, o estado natural da Humanidade desde os seus primórdios há cerca de duzentos e cinquenta mil anos e mesmo antes disso com os proto-homens. Como escreveu Clausewitz, “A força é o meio da guerra; impor a nossa vontade sobre o inimigo é o seu objectivo”. E é isso mesmo que acontece desde que na pré-história os homens viviam em grupos e lutavam por alimentos. Continuou depois quando apareceram as famílias com alguma estabilidade social ligada à agricultura e necessidade de defesa dos alimentos guardados, até se chegar ao que se chama a História com as guerras de que já temos conhecimento algo documentado. Nesses primeiros tempos a percentagem de mortes violentas era esmagadora, vindo a descer ao longo dos milénios até aos dias de hoje em que esse número é, em comparação, baixíssimo. Para se ter uma ideia dessa realidade, na actualidade morrerão de forma violenta 0,7% das pessoas vivas, enquanto esse valor era de 1 a 2% no século XX e de 2 a 5% nos impérios da antiguidade contra uns brutais 10 a 20% na Idade da Pedra. Foi por volta do sec. XVI que o número comparativo de fatalidades em guerra começou a diminuir drasticamente o que, segundo Steven Pinker na sua obra “The Better Angels of Our Nature”, se deverá a vários factores de que sobressaem a existência de Governos e o comércio.

Foi na segunda metade do Sec. XX que a guerra global se tornou uma impossibilidade prática com o nuclear, já que a consequência imediata seria a destruição total dos contendores. Subsistem, no entanto, guerras localizadas como a do Vietname, as invasões soviética e americana do Afeganistão, a Guerra do Golfo, a invasão do Iraque, a guerra no Ruanda ou mesmo na Europa, a guerra do Kosovo. Tragicamente, estamos a assistir a duas guerras também localizadas, mas ambas com significados que ultrapassam em muito o interesse local.


A necessidade da invasão da Rússia à Ucrânia é defendida por Putin como uma reacção de defesa da sua sociedade contra uma degradação moral do Ocidente. Na realidade, trata-se da tentativa de reconstrução dos velhos impérios russo e soviético, aplicando-se-lhe de forma brutal as velhas explicações de Clausewitz. E é por isso que o tal “Ocidente depravado e imoral” tem apoiado, e bem, a Ucrânia na sua luta heróica pela independência e soberania. Mora ali uma fronteira que se percebe passaria bem mais para ocidente e perto do Atlântico, caso Putin conseguisse os seus intentos.

Já a guerra entre Israel e o Hamas tem outra envolvente política e histórica. Foi no médio-oriente e no crescente fértil que nasceram as mais antigas civilizações, tal como as religiões monoteístas. Foi também aí que tiveram lugar algumas das guerras mais importantes da História, sendo raros e muito curtos os períodos de paz que coincidem quase que apenas com a existência de impérios constituídos pela força. Esta guerra começou com um ataque longamente preparado contra Israel levado a cabo em 7 de Outubro último por terroristas do Hamas que assassinaram fria e metodicamente centenas de civis, regressando a Gaza com mais de duzentos reféns. 


Aí se esconderam de forma vergonhosa por baixo de cidades e estruturas civis, assim desafiando Israel a reagir para a libertação dos reféns. O que Israel, obviamente, fez com as consequências trágicas a que todos assistimos diariamente em directo pela tv. Estranhamente, tendo em conta o início desta guerra, generalizou-se a posição de exigir a Israel, que basicamente luta pela sua sobrevivência, que pare com a guerra, mas não se ouvem exigências de entrega imediata dos reféns levados pelo Hamas. E cresce pelo mundo um anti-semitismo racista como não se via desde os tempos em que Hitler matou mais de 6 milhões de judeus só por o serem.

A resolução de conflitos pela guerra e não pela diplomacia e pelo diálogo só se compreende por uma antiga necessidade de demonstração de força que radica numa animalidade que se julgaria ultrapassada e incompreensível nos dias de hoje. O que, evidentemente, não anula o direito de defesa de quem é atacado. Mas a organização internacional, com as Nações Unidas à cabeça e todos os tratados e convenções que se foram assinando depois da II Guerra Mundial estão claramente a ser postos em causa, num mundo em que os fundamentos clássicos estão novamente a ser sistematicamente colocados em causa.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 11 Dez 2023

Imagens retiradas da internet

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