sábado, 20 de setembro de 2025

A regulação é necessária e fundamental

 

No meio das notícias sobre outros assuntos que tomaram a primazia na comunicação social, passou praticamente despercebida uma decisão do Tribunal Constitucional, talvez porque se pensou que com essa decisão o assunto ficara morto e enterrado. Refiro-me, claro está, à recusa daquele Tribunal em reverter a anulação das coimas impostas pela Autoridade da Concorrência (AdC) aos bancos no âmbito do chamado processo do “Cartel da Banca”.

Recordo que os factos a que se refere este processo ocorreram entre os anos 2002 e 2013, portanto há mais de doze anos e teve início com uma denúncia de um dos bancos participantes, o Barclays, que já não tem actividade em Portugal. Ficou provado que os bancos visados praticaram uma “troca contínua de informações sensíveis sobre preços e outras condições comerciais de crédito à habitação, crédito ao consumo e crédito para PMEs durante aquele período. Estas práticas anti concorrenciais permitiram aos bancos em causa cobrar taxas de juro aos clientes superiores às que deveriam acontecer em condições de concorrência normal originando lucros indevidos. O Tribunal da Concorrência condenou os bancos a coimas no montante de cerca de 225 milhões de euros. Nomeio os principais bancos condenados por aquele tribunal: CGD (82 milhões de euros), BCP (60 milhões), Santander (35,65 milhões), BPI (30 milhões) Banco Montepio (13 milhões de euros), BBVA (2,5 milhões), BES (700 mil), BIC (500 mil), Crédito Agrícola (350 mil), UCI (150 mil). É genericamente considerado que aqueles valores nem seriam demasiado elevados atendendo aos montantes indevidamente ganhos pelos bancos. O facto de o banco do Estado, a CGD, estar incluído neste rol, quando deveria ter também um papel regulador é algo de inaceitável.

Por causa de prescrições, e embora tenha confirmado os factos em julgamento, o Tribunal da Relação de Lisboa, chamado a pronunciar-se, anulou as coimas aos bancos.

Isto é, mais uma vez os portugueses veem-se confrontados com uma prescrição que constitui uma tremenda falha da Justiça em que, tendo dinheiro, se conseguem sucessivos adiamentos das decisões judiciais.

Desde há cinquenta anos que os portugueses sucessivamente confirmam a sua escolha eleitoral por um sistema de livre mercado. Este sistema, para ser minimamente justo, necessita de uma regulação séria da actividade económica que defenda os cidadãos de uma concorrência falseada. Em particular, a actividade financeira tem de ser regulada com especial cuidado, por ser essencial a toda a restante actividade económica.

Uma das razões por que muitas nações falham é a existência generalizada de rentismo, quer por parte do Estado através de impostos excessivos, quer pelas grandes empresas por preços artificialmente elevados. A falta de uma concorrência sã provoca aumentos dos custos para os clientes e tem ainda como consequência uma deficiência de empreendedorismo e diminuição da qualidade da oferta.

A verificação de que, de facto, o sistema financeiro durante anos cartelizou a sua actividade sem que o Estado, que nos devia defender, consiga a devida penalização é um sinal de que algo corre muito mal no sistema em que escolhemos viver. Se a banca teve estas práticas, quem nos garante que as grandes empresas que trabalham em áreas quase reservadas não fazem o mesmo? Desde a grande distribuição às telecomunicações e distribuidoras de combustível todos dependemos da regulação que, supostamente, o Estado nos garante. Mas será que isso acontece mesmo?

O fracasso da acção da regulação neste caso do “cartel da Banca” dá-nos uma resposta e não é de forma nenhuma de molde a colocar os portugueses confiantes. E nem vale acusar o Sistema Judicial de ser responsável pela situação, já que apenas aplica as leis como elas são aprovadas pelo correspondente poder, que é o legislativo, ou seja, a Assembleia da República.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 15 de Setembro de 2025 

 

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