Terá finalmente chegado ao fim o longo período de turbulência que caracterizou a vida do maior banco privado português durante quase todo o último ano.
Durante este período assistiu-se a quase tudo aquilo que seria impensável que pudesse acontecer numa grande instituição bancária.
Desde logo, as lutas intestinas entre órgãos de gestão do banco que reflectiram divisões profundas sobre a governação do BCP que se esperaria fossem mantidas no interior da instituição e que acabaram por ser travadas na praça pública.
Depois, o conhecimento público de decisões de gestão que no mínimo se podem considerar altamente controversas.
As ingerências políticas no processo foram também públicas e notórias, o que não augura nada de bom para a cada vez mais necessária libertação da economia relativamente ao Estado.
A actuação das entidades reguladoras ao longo de todo o processo terá também deixado muito a desejar, alimentando fundadas dúvidas sobre a sua real e efectiva independência.
Muito grave, e pouco esclarecida, foi ainda a ideia que perpassou ao longo de todo este processo sobre a cedência a interesses de Angola, designadamente através da Sonangol. Curiosamente no último número da revista TIME, aparece uma análise sobre a corrupção em vários países africanos. Os dados sobre Angola mostram ser este um dos piores países africanos quanto a esse aspecto, com uma taxa de controlo de corrupção de 8,7% e uma taxa de legalidade de 7,1%. Pior é quase impossível, sendo certo que o petróleo de Angola contagia praticamente todos os negócios adjacentes.
No meio de tudo isto, ressalta a atitude corajosa e independente de Miguel Cadilhe. No que à primeira vista pode parecer uma atitude quixotesca, mostrou ao país que na sociedade civil existem ainda reservas de resistência à progressiva influência estatal na economia e até na vida diária das pessoas. No momento em que se apresentou já não era possível cortar a complexa teia de interesses montada, mas poderá ter sido uma semente que germinará mais cedo ou mais tarde.
Publicado no DC em 21 Janeiro 2008