«Quando tudo é cultura, então nada é cultura»
Manuel Maria Carrilho
jpaulocraveiro@ gmail.com "Por decisão do autor, o presente blogue não segue o novo Acordo Ortográfico"
O conhecido economista Jean Tirole deu há poucas semanas uma entrevista à revista Exame onde entre outras coisas, afirmou que Portugal deverá permanecer no euro, para o que será necessário "assegurar que o país é solvente" isto é, conseguirá pagar as suas dívidas. Mas depois disse ainda que provavelmente Portugal terá uma recessão decorrente das medidas de redução abrupta do défice (exigência alemã, como é sabido). Já nesta semana, o Banco de Portugal publicou o seu habitual Relatório de Verão onde se aponta que o crescimento da actividade económica em Portugal deverá ser este ano de 0,9% devido a um primeiro semestre favorável, mas que deverá descer já neste segundo semestre até uma previsão de 0,2% em 2011. Isto é, ou teremos estagnação ou mesmo recessão, de novo. O relatório do BP conclui ainda que "neste contexto, assume um papel primordial a implementação de alterações ao enquadramento institucional em que se desenvolve a actividade empresarial de forma a melhorar a afetação de recursos internos e a atrair projetos inovadores". Na linguagem um pouco cifrada do BP, isto significa apenas que é urgente alterar o ambiente em que se processa a actividade empresarial. Isto é, o mercado laboral português tem uma rigidez que gera demasiada contratação a prazo e elevado número de recibos verdes, com consequências nefastas no normal crescimento da economia.
A consequência desgraçada é que a produtividade da nossa economia é muito baixa comparada com a dos outros países nossos concorrentes. Note-se que isto não significa que os portugueses trabalhem poucas horas: significa é que a rentabilidade média de cada uma dessas horas é muito baixa.
Temos todos que tomar consciência de que são as empresas e os impostos sobre aquilo que produzem que pagam todo o funcionamento do país. As despesas do Estado, quer seja para as suas funções de soberania, quer seja para as funções sociais e outras que entende por bem exercer, vêm todas das receitas do Orçamento Geral do Estado (directa ou indirectamente). É a produção económica isto é, os resultados daquilo que as empresas fazem e vendem que gera impostos para pagar tudo isto. Ou devia ser, já que o Estado gasta tanto que se vê permanentemente na necessidade de pedir dinheiro emprestado para pagar apenas o seu funcionamento. Dentro da produção económica, o que propulsiona crescimento real é aquilo que é exportado, ou que evita importações. Se o nosso problema crónico é o da competitividade, fácil é concluir ser absolutamente necessário proporcionar aos empresários condições para que a sua actividade possa gerar rentabilidades a médio e longo prazo que tragam sustentação e sustentabilidade para a economia nacional.
Contrariando o negativismo em que temos vivido, na semana passada foi assinado o contrato de instalação de uma fábrica de alta tecnologia em Coimbra, mais concretamente no Coimbra Inovação Parque (iParque). Trata-se da primeira fábrica de nanomateriais em Portugal, criada pela empresa Innovnano. Tal só é possível porque o iParque está construído, porque em Coimbra há os recursos humanos qualificados que uma unidade de alta tecnologia exige e porque hoje em dia a Câmara Municipal tem vontade e é capaz de fazer esforços para atrair e apoiar a instalação de investimentos de qualidade. Trata-se de um investimento de dez milhões de euros que dará origem a 40 empregos de grande qualificação acima de licenciatura, e que gerará produtos de altíssimo valor acrescentado e com uma procura em todo o mundo com acentuado crescimento real e potencial. Ainda melhor, para além desta, outras empresas ligadas a alta tecnologia se preparam para se instalar no iParque graças aos esforços e competentíssima acção do Prof. Norberto Pires.
É certamente este o caminho certo. Claro que há muitas actividades económicas tradicionais que fecham, muito por causa da globalização e concorrência de países emergentes e isso é uma grande infelicidade para quem lhes dedicou tanto esforço e se vê sem empresa e sem trabalho para sustentar as suas famílias. Mas o que é essencial é que em sua substituição surjam novas actividades altamente rentáveis que contribuam para melhorar decisivamente a competitividade da economia nacional.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 19 de Julho de 2010
Já por diversas vezes abordei nestas crónicas a questão da segurança rodoviária, nas suas diferentes vertentes.
A ocorrência recente de um trágico acidente na nossa cidade, num local em que as condições de segurança de circulação não são de facto as melhores leva-me, de novo, a abordar este tema.
Sabe-se que para além do comportamento dos utentes das vias, sejam eles automobilistas, motociclistas ou peões e das condições externas que se verificam em cada momento, as próprias vias são cruciais para a segurança da circulação rodoviária. Essa segurança depende de muitos factores, quase todos de ordem técnica, incluindo a manutenção dos pisos e da sinalização.
Como é evidente, a maior parte dos utentes das vias não tem formação técnica que lhes permita ter uma percepção clara das inconsistências de projecto ou de construção das vias, nem é suposto que a tenha. Por isso mesmo, as vias devem proporcionar um ambiente rodoviário que facilite a rápida percepção da envolvência, não devendo esse ambiente ser alterado radicalmente em determinados pontos. No entanto, é fácil verificar a existência de muitos locais com elevada perigosidade para os utentes, apenas por causa das condições da via.
O próprio Plano Nacional de Prevenção Rodoviária de 2003 referia já a existência de "infra-estruturas rodoviárias com deficiências de vária ordem nas diferentes fases do respectivo ciclo de vida, nomeadamente no que respeita a inconsistências a nível de projecto, a falta de qualidade na construção…". Aquele Plano apontava também para a necessidade da criação de uma entidade reguladora para a qualidade das infra-estruturas rodoviárias e da elaboração de um manual de regras obrigatórias a seguir em projecto, necessidades essas que eu próprio já referi nestas linhas, por mais que uma vez. Essas regras são necessárias e urgentes para todas as vias rodoviárias, desde as auto-estradas às ruas urbanas, a fim de proibir aquela "imaginação" e capacidade de desenrascanço tão portugueses, através da invenção de "novas soluções" que amiúde dão maus resultados e garantir uma qualidade mínima dos projectos. Dever-se-ão ainda evitar aquelas situações que todos conhecemos em que o Estado, aos seus diversos níveis, se desresponsabiliza dos erros através da simples colocação de sinalização a limitar drasticamente a velocidade: isso poderá ser uma solução provisória mas nunca definitiva, substituindo as obras de correcção dos defeitos.
Em Coimbra é fácil verificar a existência de vários locais em que as infra-estruturas viárias são por si mesmas perigosas, quer em vias de responsabilidade municipal, quer em vias cuja competência é do Instituto de Estradas, apontando-se desde logo, por exemplo, os acessos da Ponte Rainha Santa em ambas as margens (a rotunda ao pé do Hotel D. Luís é todo um programa), a nova rotunda do Almegue, a Av. Gouveia Monteiro em boa parte da sua extensão e a Avenida da Guarda Inglesa.
Em termos locais, não ficará nada mal aos municípios que elaborem uma carta de pontos negros rodoviários permitindo projectar e programar as acções de correcção necessárias. Sabe-se que algumas delas acarretarão despesas consideráveis que serão no entanto perfeitamente justificadas e mesmo necessárias face a outras bem menos prioritárias, tendo em conta a gravidade e consequências dos acidentes que aí se verificam.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 12 de Julho de 2010