A crise do chamado comércio tradicional de rua não é um problema só de Coimbra, nem sequer de Portugal, mas comum a muitas cidades europeias. Se bem que haja razões económicas conjunturais ou mesmo causas locais específicas, um aspecto se sobrepõe a todos os outros, sendo necessário tomar consciência dele, para se poder fazer frente à situação, com eficácia. É hoje claro que há uma mudança generalizada de hábitos de compras. Terá a ver com a utilização mais intensiva do automóvel, com a oferta alternativa dos centros comerciais que dispõem de estacionamento próprio as mais das vezes gratuito e coberto, com o próprio surgimento e grande divulgação das lojas na internet, com o facto de praticamente todas as mulheres trabalharem, comprimindo-se os períodos que as famílias podem dedicar às compras, etc.
Na realidade, não se vê praticamente ninguém que não destaque a necessidade e as vantagens de fazer compras no comércio tradicional instalado nos centros históricos das cidades. Mas, na prática, esse comércio vê-se confinado a ter como clientes os turistas que visitam os centros históricos, bem como as pessoas que trabalham nessas zonas. É raro que os consumidores se desloquem propositadamente a essas zonas para fazer compras, ainda que se digam grandes defensores do comércio tradicional.
Dir-me-ão, com alguma razão, que o fecho das ruas de comércio tradicional ao tráfego automóvel por completo lhes retirou acessibilidade e, em consequência, muitos clientes. E ainda que a autorização de instalação de centros comerciais lhes retirou ainda muitos mais.
Mas, na realidade, foi a evolução extremamente rápida da sociedade e dos modos de vida que mudou tudo, não ficando os hábitos de compra de fora dessa mudança. É isso que é necessário ter em conta nas políticas de recuperação económica dos centros urbanos, fazendo parte da reabilitação urbana, que não é apenas física.
Da parte dos comerciantes, será necessário ir ao encontro dos clientes, não ficando passivamente à espera que passem em frente da loja e entrem. As lojas tradicionais têm que deixar de ser tão “tradicionais” na atitude, promovendo-se na internet, criando apetência pelos seus produtos, praticando preços mais acessíveis que os dos centros comerciais (que têm a desvantagem das rendas caríssimas), estando abertas todos os dias, exibindo qualidade e diferenciação no atendimento e, talvez acima de tudo, oferecendo variedade nos seus produtos que nos centros comerciais estão hoje completamente normalizados; isto inclui a possibilidade de oferecer produtos portugueses de qualidade, tradicionais ou modernos, que tão dificilmente entram no circuito das redes de lojas dos centros comerciais.
As autarquias têm um papel importantíssimo na dinamização do comércio tradicional. Desde logo, facilitando e mesmo promovendo o comércio de rua, não lhe criando dificuldades artificiais e burocráticas. Por exemplo, uma das formas de aumentar o número de habitantes nas zonas centrais é criar condições para que os comerciantes voltem a morar por cima das suas lojas, como acontecia antigamente. Depois, garantindo que é agradável fazer compras nas ruas centrais das cidades; isso significa limpeza cuidada e constante das ruas e segurança permanente e visível. Pode-se acrescentar algo que os centros comerciais praticam, que é uma constante animação de rua, que atraia clientes e faça as crianças puxarem pelos pais para esses locais. Não esquecendo a questão crucial da acessibilidade que tem tanto a ver com o estacionamento dos clientes e moradores como com o facilitar o acesso dos moradores às suas habitações situadas nos centros.
Os tempos estão difíceis para todos, mas é nestas alturas que as lideranças se podem afirmar, verificando aquilo que ao longo dos tempos tem acentuado as dificuldades, percebendo os sinais do futuro que o presente já indica e assumindo que as cidades são para os seus habitantes em cada momento e não qualquer outra coisa.