Há precisamente cem
anos, a Argentina inaugurava em Buenos Aires a estação de comboios Retiro que é,
juntamente com o Teatro Colón, um dos edifícios emblemáticos da prosperidade em
que vivia nesses tempos. A Argentina era, por esses dias, um dos dez países
mais ricos do mundo, mais rico que a França, a Alemanha ou a Itália. O nível do
seu produto per capita era de 92% da média dos 16 países mais ricos do mundo.
Durante os 43 anos que precederam a Primeira Guerra Mundial, a Argentina foi um
país politicamente estável que conseguiu o maior crescimento do mundo, a uma
taxa anual de 6%.
A partir dessa
altura, a Argentina mudou de rumo e passou a ser um país politicamente instável
às mãos, ora de militares golpistas, ora de políticos populistas. Os golpes de
estado militares sucederam-se a partir do primeiro ocorrido em 1930. Incluindo
o último que aconteceu em 1976 e que substituiu o governo de Isabelita Péron
pela Junta Militar houve nada mais, nada menos, que seis golpes militares. O
último ainda tem consequências graves na sociedade argentina, pela brutalidade
insana com que tratou milhares de opositores políticos e suas famílias.
O
regime instaurado pelo general Videla e seus sequazes, só acabou na sequência
da invasão militar pela Argentina das Ilhas Malvinas/Falkland, a que se seguiu
a reocupação das mesmas pelas Forças Armadas britânicas, naquela que ficou
conhecida pela Guerra das Malvinas/Falkland, entre Abril e Junho de 1982.
Em 1946 Juan
Domingo Perón foi eleito para o seu primeiro mandato presidencial, com base
numa mescla ideológica, o chamado justicialismo, intervindo fortemente na
economia, fechando-a ao exterior, limitando as importações, promovendo
nacionalizações, enquanto em simultâneo aumentava o salário aos trabalhadores
incluindo o salário mínimo, 13º mês, benefícios nas aposentações, etc.
Entretanto,
a sua mulher Eva exercia um fascínio sobre a sociedade em geral, mas
especialmente sobre os mais pobres, os chamados “descamisados”. O populismo
tinha tomado conta da política argentina. Se num primeiro tempo, o país pareceu
recuperar em termos económicos e sociais, rapidamente se afundou. Perón acabou
por exercer três mandatos presidenciais, sempre eleito com grandes maiorias,
alternando com golpes militares. Após o seu falecimento em 1974, sucedeu-lhe a
mulher conhecida como Isabelita, que tentou prolongar o peronismo, experiência
terminada tragicamente em 1976.
No regresso ao regime
democrático que substituiu a Junta Militar após a Guerra das Malvinas, a Argentina
teve a possibilidade de, finalmente, entrar pelo caminho da recuperação
sustentada da economia e de regressar ao caminho do progresso e do crescimento
económico. Tal foi o caminho traçado pelo presidente eleito Raúl Alfonsin, mas
não pelos seus sucessores que voltaram ao justicialismo e populismo inerente,
com péssimos resultados. De presidente justicialista em presidente
justicialista, hoje em dia quem preside é Cristina Kirchner que, para não
variar, é a viúva do anterior presidente, Néstor Kirchner.
Comparando com os
valores do início desta crónica referentes à Argentina de há cem anos,
verifica-se que o produto per capita da Argentina é hoje apenas 43% do dos 16
países mais ricos. A tradição justicialista continua nos dias de hoje, com uma
intervenção estatal que produz resultados desastrosos, como acontece na
tradicional exportação de carne, em que a Argentina caiu de 4º maior exportador
em 2006, para 10º em 2013.
A Argentina de
hoje é o resultado de dois factores cruciais: em primeiro lugar, uma tradição
de golpismo militar. Em segundo lugar, a persistência de opção democrática por
políticos populistas, que prometem o que não podem cumprir e levam à prática
políticas sociais insustentáveis pela economia do país e que têm levado a
pesadas intervenções de apoio financeiro pelo FMI que podem resolver
pontualmente dificuldades financeiras, mas não colocam o país noutro caminho.
E, na realidade, embora os seus responsáveis, como a actual presidente, caiam
na tentação de o fazer, não podem verdadeiramente acusar ninguém pela situação.
São os próprios argentinos que, com as suas escolhas democráticas, e recorda-se
que o actual ciclo democrático tem já quase quarenta anos, têm sistematicamente
levado o seu país para a miséria e desencanto através de escolhas de políticos populistas.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Fevereiro de 2015
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Fevereiro de 2015