terça-feira, 6 de novembro de 2018

F. Liszt - "Ständchen" Piano Transcriptions After Schubert - Khatia Buni...

Feminismo em 1975

Em 1975, algumas mulheres anunciaram que iam queimar soutiens publicamente no Parque Eduardo VII, em Lisboa, em nome da sua liberdade, com a Alexa aqui em primeiro plano. Foi um descalabro. Atraíram uma multidão de homens que, rapidamente, passaram da simples curiosidade voyerista a uma violência inacreditável contra as mulheres. Uma mostra do atraso social da altura no nosso país. Relembro esta manifestação, com solidariedade para com elas,
 https://youtu.be/HZgaDPl_2NY

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Armistício: mitos e celebrações




Desde muito novo que me lembro de ouvir falar na heróica participação portuguesa na 1ª Guerra Mundial, onde os soldados portugueses teriam demonstrado mais uma vez a sua bravura, nomeadamente na batalha de La Lys ocorrida em 9 de Abril de 1918 que, assim, tinha passado a fazer parte do conjunto das glórias militares portuguesas. Era tido como certo que os soldados do Corpo Expedicionário Português (PEP) tinham lutado com toda a valentia contra o poderoso inimigo alemão, sacrificando-se gloriosamente pelo seu país que, de forma una, lhes tinha confiado essa missão.
Sabemos hoje que a realidade do sucedido não teve nada a ver com aquele mito propagado quer na 1ª República, quer no Estado Novo, embora por razões diferentes. Em primeiro lugar, não houve nada que se parecesse com unanimidade no país, no que toca à participação naquele conflito. Nesta guerra defrontaram-se os representantes de um mundo que estava a acabar, em que os respectivos chefes de Estado até eram quase todos primos que nem se aperceberam bem por que começou o conflito, mas sem capacidade para se sentarem à mesa e evitarem a hecatombe que acabou com 4 impérios.
A decisão da participação portuguesa na guerra ocorreu poucos meses depois do 14 de Maio de 1915, em que morreram centenas de pessoas nas ruas de Lisboa. Afonso Costa e o seu PRP ficaram donos e senhores absolutos do poder, embora não do país, pelo que pressionaram a Inglaterra a pedir a Portugal o apresamento dos navios alemães no porto de Lisboa, o que foi feito em 23 de Fevereiro de 1916. O objectivo assumido era o de conseguir uma “unidade nacional” que lhes permitisse a manutenção no poder, sem limitações, além de Portugal vir a poder sentar-se à mesa com os vencedores. A Alemanha declarou guerra a Portugal e o General Norton de Matos preparou os pouco mais de 50.000 homens do Corpo Expedicionário Português para seguirem para o teatro de guerra, na Flandres. 

Soldados mal preparados, mal alimentados e pior vestidos e calçados para o que os esperava. E o que os esperava era uma desgraça imensa, numa guerra de trincheiras horrível, com a qual Portugal nada tinha a ver, e na qual os soldados portugueses não eram mais do que carne para canhão. Literalmente. Os diversos ministérios da guerra, quer da “União Sagrada”, quer de Sidónio Pais, deixaram os soldados na frente sem procederem à sua necessária rotatividade, a comerem alimentos ingleses que detestavam e com roupas que se desfaziam na humidade das trincheiras. A partir de Março de 1918 os alemães lançaram uma última ofensiva no Somme e, na noite de 8 para 9 de Abril, atacaram o sector português em La Lys numa ofensiva fortíssima de artilharia e posterior ataque de infantaria numa frente de 20 quilómetros que desbaratou as defesas portuguesas, provocando mais de 400 mortos e 6.000 prisioneiros.
Tudo correu mal nesta nossa participação na Primeira Grande Guerra. Tal não impediu que, depois da guerra, Portugal ainda tentasse receber a espantosa indemnização de guerra de centenas de milhões de libras correspondentes a 1.050 libras por cada um dos muitos milhares de civis africanos supostamente mortos na guerra e antes vítimas de bárbaro colonialismo, numa falta de vergonha a vários títulos lamentável.
Por tudo isto mal se percebe o entusiasmo das comemorações portuguesas do centenário do Armistício, que ocorre no próximo dia 11 de Novembro e a que se decidiu dar “grande relevo”. Nem as razões da entrada na guerra, nem a desgraça que foi essa participação são de molde a suscitar orgulhos e festividades militares. Deveriam ser antes motivo de reflexão sobre o nosso papel no mundo e de como os nossos atrasos atávicos servem de base para os maiores disparates dos governantes com sacrifícios acrescidos para os portugueses que não têm culpa nenhuma disso, a não ser pela sua passividade crónica.
A construção de mitos históricos corresponde à necessidade de sublimar colectivamente desgraças e frustrações, dizendo mais de quem a promove do que dos acontecimentos que lhes estão na origem. E os mitos são frequentemente nocivos para as sociedades: lembremo-nos do sebastianismo que se seguiu à derrota de 4 de Agosto de 1578 e do mal que fez e faz à maneira de ser portuguesa.

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Nara Noïan - Hier Encore

MEMÓRIAS E NERVOS À FLOR DA PELE




Em muitos países democráticos existe a tradição de os dirigentes políticos, após o exercício de funções de grande relevância, escreverem as suas memórias em que descrevem factos passados, o relacionamento com outros agentes e os sentimentos perante as situações que viveram.
Entre nós, não se tornou ainda habitual que os dirigentes políticos escrevam as suas memórias. Eventualmente, como fez o antigo Presidente Jorge Sampaio, participam na elaboração das suas biografias, através da colaboração de terceiros. Contudo, temos que convir na grande diferença entre a autoria de memórias na primeira ou na terceira pessoa.
Podemos atribuir esta situação portuguesa a várias causas, desde pessoais a sociológicas. Na realidade, não será fácil passar toda uma vivência pessoal ao papel, o que exige a tomada permanente de notas durante o exercício do cargo e uma posterior disponibilidade pessoal para assumir a tarefa dessa escrita, que dá muito trabalho. Também é bem conhecida, entre nós, a inexistência de uma cultura de avaliação do trabalho feito, mesmo de prestação de contas de dirigentes como é um facto corrente nos países de cultura anglo-saxónica. Por outro lado, há altos responsáveis políticos que afirmam não escrever memórias para preservar o presente e o próprio futuro, já que a sua acção se verificou em tempos tão conturbados que o conhecimento de alguns factos poderia ser desestabilizador. É o caso de Ramalho Eanes, cuja presidência ainda coincidiu com o PREC e também com os primeiros tempos de normalização democrática. Penso, no entanto, que ficamos todos a perder com isso, embora Eanes esteja no seu pleno direito ao tomar essa posição.

A excepção portuguesa notória é Cavaco Silva. Publicou as suas memórias de quando foi Primeiro-ministro e acaba agora de publicar o segundo volume sobre o seu exercício da presidência da República. Os motivos para essa publicação são assumidos pelo próprio como uma exigência ética pessoal de prestação de contas à boa maneira anglo-saxónica. Eu acrescentarei que, em minha opinião, um dirigente político tão atacado como ele sempre foi, à esquerda e mesmo à direita, não quis deixar passar a oportunidade de fornecer, para memória futura, a “sua verdade” sobre esses tempos. Se não o fizesse, correria o risco de, no futuro longínquo e mesmo próximo, a sua acção vir a ser descrita apenas pelo que dele dizem os seus adversários, passando ao lado daquilo que ele, eventualmente, achasse que seria mais justo dizer.
Mas não me lembro de que a publicação de um livro de memórias políticas tenha provocado de imediato tantas reações negativas, mais parecendo mesmo ter caído o Carmo e a Trindade. Qual o motivo imediato de tanta contestação? Falta de sentido de Estado, denuncia Carlos César que acrescenta: “mostra atitude de devassa e delação presidencial”. César confessa assim não ter gostado da revelação de situações descritas por Cavaco relativas às reuniões semanais dos primeiros-ministros socialistas com Cavaco Silva, enquanto presidente da República. Parece considerar essas reuniões como se se tratasse de conversas entre amigos à mesa do café e não relações institucionais entre Governo e presidência da República, logo de extrema responsabilidade. Já António Costa diz que não comenta memórias presidenciais, porque tem sentido de Estado. E lá vem outra vez o sentido de Estado que passa assim a ser como a água benta: cada um toma a que quer. Depois, acrescentou-se que o período de tempo a que este volume se refere ainda é muito recente, pelo que o autor deveria deixar passar mais uns anos; a esta crítica quase apetece responder que depois de morto ninguém escreve memórias.
É evidente que o autor destas memórias continua a suscitar uma rejeição profunda por parte de determinados sectores da sociedade portuguesa. Não por acaso, são os mesmos que por ele foram impiedosamente derrotados nas urnas em três eleições legislativas, sendo duas delas com maioria absoluta e duas eleições presidenciais à primeira volta. Claro que também perdeu umas presidenciais, mas das derrotas não reza a História, como se sabe. E, como se costuma dizer, o povo, em quem reside a legitimidade democrática, tem sempre razão quando vota, quer nas suas escolhas, quer nas suas rejeições.