sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

TROTSKY

Notável a série russa da Netflix sobre a vida de Trotsky. Como fundo, a revolução russa e as questões que se colocam sobre essa realidade trágica. É possível apreciar as diferentes personalidades de Trotsky, Lenine e Estaline, as suas lutas e como Estaline acabou por ganhar e ficar como líder da URSS até morrer.
Penso que qualquer pessoa que ainda hoje seja comunista perceberá que os diferentes caminhos comunistas irão sempre desembocar numa hecatombe de que a principal vítima é sempre o próprio povo em nome de que dizem fazer a revolução. Uma verdadeira tragédia. Mas percebe-se como intelectuais com mentes frágeis e "boas intenções" se deixaram, ao longo anos, enfeitiçar por Trotsky.

Porpora: Nell' attendere mio bene (Ed. Sanderson)

Lindíssimo

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

«POESIA É MAIS SABOR QUE SABER»


Há alturas em que revisitar o passado nos oferece, não só a possibilidade de trazer à tona factos e personagens históricas que nos podem apontar caminhos de dignidade e progresso, mas também relembrar como a mentira e a traição constituem parte integrante da vida e tantas vezes elas próprias moldam o futuro.
A descrição da vida de quase todas as figuras históricas ligadas a Coimbra chega até nós de uma forma em que o mito impregna a realidade de uma tal forma que se diria que esta se dissolve naquele, construindo uma figuração em que a pessoa concreta que a originou provavelmente se reveria com dificuldade.
O Duque de Coimbra Dom Pedro foi vítima de manipulações, mentiras e traições quer em vida, quer depois de morto, através dos textos que os cronistas oficiais sobre ele deixaram escritos. A exaltação do rei D. Afonso V passou, para Rui de Pina, pelo apoucamento de Dom Pedro, na senda de Gomes Eanes de Azurara.
A manipulação histórica foi tão profunda e tão eficaz que ainda hoje, se formos pelas nossas ruas perguntar quem foi Dom Pedro, a probabilidade de encontrar quem saiba alguma coisa sobre essa relevantíssima figura da nossa História, e em particular da de Coimbra, é praticamente nula. Não há na nossa cidade um monumento, uma instituição, algo que leve as pessoas a terem a curiosidade de se perguntar sobre quem foi. Na toponímia há um arruamento entre a Fonte da Cheira e a Rua dos Trabalhadores.
O facto é que Coimbra ainda hoje não se reencontrou com o Infante Dom Pedro, Duque de Coimbra. E no entanto…
Dom Pedro era filho do rei D. João I e de D. Filipa de Lencastre pertencendo, portanto, àquela a que Camões chamouÍnclita geração, altos Infantes". Na sequência da tomada de Ceuta, em 1415, foi um dos dois primeiros Duques portugueses, ele de Coimbra, e o irmão Dom Henrique, de Viseu.
Na infância, esteve na corte de Inglaterra onde aprendeu línguas, mas também tomou conhecimento de outros viveres e adquiriu uma cultura excepcional para um jovem português da época. Depois viajou pela Europa, tendo ficado conhecido como o «Príncipe das Sete Partidas». Ao seu irmão mais velho Dom Duarte que seria Rei, enviou em 1427 aquela que ficaria conhecida como «Carta de Bruges», com conselhos para a futura governação. Entre outras coisas, nela propunha que na Universidade de Lisboa fossem instituídos colégios à imitação dos de Oxford e de Paris, reconhecendo que os clérigos portugueses tinham uma instrução muito deficiente. Dava ainda conta a seu irmão do atraso português relativamente aos países mais evoluídos da Europa.

Enquanto foi regente do reino, após o falecimento de D. Duarte e até à maioridade de D. Afonso V, Dom Pedro promoveu a compilação das leis do Reino no que ficaria conhecido como «Ordenações Afonsinas», um verdadeiro código em cinco volumes, regulando a vida dos súbditos portugueses.
Com base no tratado de Séneca «De Beneficiis», Dom Pedro foi autor, a partir de certa altura com o seu padre confessor Frei João Verba, do livro “Da Virtuosa Benfeitoria” que muitos consideram ser o primeiro tratado de filosofia e política moral escrito em língua portuguesa. Dedicado a seu irmão D. Duarte e escrito por insistência deste, nele se dão indicações sobre a melhor conduta de um príncipe. No «Tratado da Virtuosa Benfeitoria» se distinguem os vários tipos de benefícios, como devem ser requeridos, como devem ser recebidos, as formas de agradecimento e como pode ser destruída a relação entre o autor e os destinatários dos benefícios.
Dom Pedro concebeu o projecto de uma universidade em Coimbra, sede do seu Ducado, tendo mesmo estabelecido os processos para o seu estabelecimento e financiamento, ideia abandonada após a sua morte.
Sobre a personagem fascinante de Dom Pedro que foi o primeiro Duque de Coimbra, príncipe da Idade Média com uma sensibilidade que lhe permitia afirmar que «POESIA É MAIS SABOR QUE SABER» e que morreu de forma traiçoeira e trágica na chamada batalha de Alfarrobeira em 20 de Maio de1448, aqui ficam apenas alguns apontamentos. São mais do que suficientes para mostrar o Príncipe das Sete Partidas como uma figura cimeira das mais cimeiras da História da Cultura da nossa Cidade.
Como de Coimbra, que se quer candidata a Capital Europeia da Cultura, continua a ser difícil extrair algo sobre o seu primeiro Duque, aqui se cita o PRANTO PELO INFANTE D. PEDRO DAS SETE PARTIDAS de Sophia de Mello Breyner Andersen:

Nunca choraremos bastante nem com pranto
assaz amargo e forte
aquele que fundou glória e grandeza
e recebeu em paga insulto e morte


Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 20 de Janeiro de 2020

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

A EPIFANIA DA ESQUERDA


Numa reunião de apresentação da proposta governamental do Orçamento Geral de Estado para 2020 ao partido Socialista, o ministro das Finanças Mário Centeno garantiu, por mais de uma vez, ser este OGE de esquerda. Ao contrário de muita gente, à direita e mesmo na comunicação social, eu dou toda a razão ao ministro das Finanças nesta sua observação.
As «contas certas», como agora o Primeiro-ministro não se cansa de dizer, são fundamentais para o funcionamento da economia e, essencialmente, para o pagamento da dívida pública que cresce nominalmente de cada vez que o Estado tem défice. Para a esquerda, trata-se de uma verdadeira descoberta e só podemos ficar satisfeitos com isso, já que deixa de ser apenas a direita a defender as «contas certas», passando as mesmas a ser uma base comum, o que só pode ser saudado pela própria direita ao ver a esquerda juntar-se a ela neste seu novo entendimento. Para não ir mais longe, todos nós nos recordamos de José Sócrates, ainda há poucos anos, defender que «a dívida pública não é para se pagar, é para se ir gerindo». Um proeminente político socialista, hoje ministro, chegou mesmo a declarar que «basta ameaçarmos não pagar, que as pernas dos banqueiros alemães até se lhes tremem». E atribui-se a outro político socialista, que foi presidente da República, a afirmação de que «há mais vida para além do défice», em que se resumia uma posição política de toda a esquerda naquela matéria que seria, precisamente, a que estabelecia a maior clivagem ideológica entre esquerda e direita portuguesas. Não será preciso mais para concluir que houve, portanto, uma alteração radical da posição da esquerda portuguesa sobre o significado do défice e da dívida pública. As razões profundas desta mudança crucial serão, eventualmente, conhecidas um dia, mas não deverão andar longe da imposição da realidade sobre a fantasia, muito pela participação na União Europeia e, em particular, pelas ambições de alguns políticos socialistas.
Digo epifania da esquerda, e não apenas do partido Socialista, por boas razões. Bem poderão o PCP e o BE soltar uns resmungos (chamam-lhes avisos) sobre a falta que os dinheiros para pagar a dívida fazem na falta de investimento público e na degradação da prestação dos serviços públicos, de cujo estado os portugueses começam, finalmente, a aperceber-se. Na realidade, andaram quatro anos a aprovar OGE’s cuja principal característica era precisamente fazer aproximar o défice de zero, a todo o custo. E no OGE para 2020 não deverá ser diferente, ainda que por abstenção, já que o objectivo será o mesmo: conseguir que o Orçamento seja aprovado.
Eis-nos, portanto, chegados, finalmente, ao primeiro OGE, depois do 25 de Abril, em que não se discute a necessidade de «contas certas». Demorou, mas chegámos. A partir daqui, já não se discutirá o défice zero ou mesmo excedente, mas partir-se-á desse ponto para depois se discutir o resto. E o resto são a qualidade da despesa pública e o montante e justiça dos impostos, isto é, a receita. Aqui, sim, entram as diferentes propostas da direita e da esquerda.
É nesta perspectiva que, pessoalmente, defendo que o ministro das Finanças tem toda a razão em considerar o OGE para 2020 como sendo de esquerda. A carga fiscal é altíssima, talvez a maior de sempre, já não se devendo tal apenas aos impostos indirectos que, como todos sabemos, são os socialmente mais injustos, mas também à subida do próprio IRS para as famílias. Bem pode a esquerda argumentar que não somos o país europeu com a carga fiscal mais elevada, porque o que as famílias sentem é a «pressão fiscal» que relaciona os impostos com o nível salarial e, aí, somos mesmo dos piores. Como é bem conhecido, se há matéria em que direitas e esquerdas divergem é precisamente nos impostos, com a direita a propor a sua diminuição e a esquerda a usar todos os argumentos para os manter ou aumentar. A outra diferença histórica entre direita e esquerda reside na despesa. À defesa pela direita da reestruturação do Estado para a reduzir, as tais reformas estruturais, a esquerda tem respondido sistematicamente que está a defender o «estado social». Também aqui o OGE 2020 é bem de esquerda.
Tal como na questão do défice e da necessidade de diminuição da dívida a esquerda se juntou à direita, resta aguardar que o faça noutras matérias essenciais para que o crescimento efectivo e sustentável de Portugal se torne numa realidade. 

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 13 de Janeiro de 2019