Em boa hora
a CIM Coimbra (Comunidade Inter-Municipal Região de Coimbra) decidiu criar um mapa-roteiro sobre as Invasões Francesas na Região de Coimbra.
As
três Invasões Francesas incluídas na chamada Guerra Peninsular ocorreram entre
1807 e 1811 e tiveram, para além dos aspectos militares, sociais e económicos,
consequências políticas em Portugal que foram muito para além deles e
determinaram em grande medida o país que somos hoje. As mais imediatas foram a
independência do Brasil e as lutas liberais que ocuparam as primeiras dezenas
de anos do século XIX.
Na
nossa região, em particular na 3ª Invasão, as manobras militares tocaram
seriamente locais que nos são familiares, permitindo o mapa-roteiro agora
editado seguir com algum detalhe o que se passou. A 3ª Invasão passou duas
vezes pela nossa região, a primeira na vinda de Espanha com destino a Lisboa e
a segunda na retirada das forças francesas do chamado «Exército de Portugal»,
comandado pelo Marechal Massena a quem Napoleão chamava «filho querido da
vitória» atendendo ao seu prestígio militar.
O
«Bloqueio Continental» ditado pela França a Inglaterra, não seguido por
Portugal em nome da antiga aliança com este país, colocou Portugal na posição de
alvo de invasão por Napoleão que não se podia permitir a utilização do porto de
Lisboa pelos navios mercantis ingleses. Assim, Napoleão decidiu invadir o nosso
país em 1807, tendo mesmo previsto a divisão de Portugal em três partes pelo
Tratado de Fontainebleau, sendo o norte do país entregue à rainha da Etrúria, o
centro com Lisboa a França e o sul designado por «principado dos Algarves» ao
primeiro-ministro espanhol Manuel de Godoy.
Depois
do fracasso das duas primeiras invasões, Napoleão decidiu-se finalmente pelo
envio do grande «Exército de Portugal» que entrou em Portugal por Almeida,
tomada em 27 de Agosto de 1810 após uma explosão gigantesca do paiol da praça-forte,
na sequência de um bombardeamento constante, que provocou a morte de cerca de
800 soldados e 500 civis.
Depois
de Almeida, Massena decidiu avançar para Lisboa, com passagem por Coimbra. Como
caminho escolheu ir pelo norte da cidade, onde o exército aliado (português e
inglês) comandado por Wellinton lhe deu luta na Serra do Buçaco. A batalha
ocorrida em 27 de Setembro saldou-se por uma vitória aliada, tendo os franceses
sofrido a baixa de cerca de 5.000 homens, contra 1.250 do lado aliado.
Perante
o sucedido, Massena rodeou a serra pelo norte e entrou na estrada real por onde
seguiu para Coimbra, supondo que Wellington lhe daria luta pela posse da cidade
o que, para grande surpresa sua, não sucedeu, tendo os exércitos aliados
seguido para sul a grande velocidade. A maioria da população de Coimbra fugiu
para sul a pé, de carroça, de todas as maneiras possíveis. Antes de seguirem
para sul, as tropas portuguesas e inglesas tinham sido implacáveis no
cumprimento da ordem de abandono dos lares e destruição de todos os bens
alimentares que os franceses pudessem aproveitar. Ao entrarem em Coimbra os
soldados de Junot devastaram a cidade e pilharam tudo o que encontraram,
incluindo peças valiosas da Universidade. Como é sabido, Massena seguiu depois
para Lisboa, apenas para ter a surpresa de encontrar pela frente as Linhas de
Torres que Wellington tinha mandado erigir em absoluto segredo. Não tendo
capacidade militar para as ultrapassar, desvia para Santarém onde fica até se
decidir finalmente pela retirada, iniciada em 5 de Março de 1811.
Na
retirada, os exércitos franceses passaram novamente pela nossa região,
provocando mais desgraças e sofrimento numa população já martirizada. Coimbra
tinha sido libertada dos franceses em 7 de Outubro, para desgraça dos milhares
de doentes e feridos franceses que lá tinham sido deixados para trás e que
foram vítimas da vingança dos males que tinham feito às populações civis. Houve
diversos recontros entre a retaguarda francesa e os seus perseguidores aliados
em Pombal, na Redinha, Miranda do Corvo que foi incendiada e outros locais. Em
Foz de Arouce quando franceses e ingleses se encontraram face a face fugiram em
desordem para, ultrapassado o susto, voltarem para recolher envergonhadamente
as armas abandonadas e seguir sem dispararem um único tiro. Massena dirigiu os
seus exércitos até à Guarda, sempre perseguido pelas tropas aliadas e acabou
por seguir para Espanha, tendo a invasão terminado no dia 11 de Abril.
É
sempre interessante partilhar com os leitores as mossas impressões sobre a
nossa História colectiva, mas mais ainda quando algo que nos toca pessoalmente
tem a ver com ela. Na brutal explosão de Almeida em 27 de Agosto de 1810 um
irmão do meu trisavô, de nome Francisco Morgado, foi atingido nas pernas
ficando gravemente ferido. Conseguiu mandar recado para a família sobre o seu
estado, tendo sido recolhido por familiares, com as dificuldades que se
imaginam. Ao chegar ao alto da serra vendo a sua aldeia do Bodelhão, hoje
chamada de S. Francisco de Assis, exclamou que não queria morrer sem a voltar a
ver. Com as pernas gangrenadas veio a falecer em 2 de Dezembro de 1810. A sua
espada foi recolhida como relíquia e, passando de mão em mão, acabou por me ser
oferecida pela minha Avó, pelo que as Invasões Francesas sempre tiveram um
lugar especial no meu imaginário.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 17 de Agosto de 2020