O início da
História da ferrovia em Portugal coincidiu com a «Regeneração» iniciada em
1851, de que a figura mais conhecida é Fontes Pereira de Melo. Após dezenas de
anos de invasões francesas e guerras civis que custaram ao país um atraso
enorme no seu desenvolvimento a todos os níveis face aos restantes países
europeus, houve finalmente um período, embora curto, em que se tentou
ultrapassar essa situação colocando Portugal num rumo de acerto com a Europa.
Depois dos
necessários estudos técnicos, financeiros e organizacionais, o primeiro troço
ferroviário ligando Lisboa ao Carregado foi inaugurado em 28 de Outubro de 1856
com um comboio especial em que viajava o jovem Rei D. Pedro V com a família
real, tendo a exploração comercial tido início dois dias depois.
O
crescimento das linhas férreas foi, a partir daí, muito rápido e estendeu-se a
todo o país. Logo em 1861 chegou a Santarém, em 1863 a Évora e em 1864 a
Taveiro, em 1875 a Braga e em 1877 a Porto-Campanhã. Em 1879 estava na Régua em
1882 estava feita a ligação entre a Figueira da Foz e Vilar Formoso. A ligação
entre Coimbra B e Coimbra estabeleceu-se em 1885 e em 1887 o comboio chegava a
Mirandela. A ligação entre Coimbra e a Lousã estabeleceu-se em 1906 e até
Serpins em 1930.
À excepção
de alguns pequenos ramais de interligação, o investimento português em ferrovia
nova terminou em 1952 com o troço Vila Real de S.tº António-Guadiana. Logo a
partir de 1965 começaram os encerramentos, como por exemplo, Vale de
Santarém–Rio Maior. O maior nº de encerramentos deu-se a partir da década de
80, como a ligação entre o Pocinho e Miranda do Douro ou Vila Real-Chaves.
O
encerramento da linha da Lousã entre Coimbra e Serpins faz parte deste
movimento descendente e ocorreu em 2010.
A variação
da extensão da rede ao longo dos anos é um indicador preciso da evolução da
ferrovia em Portugal. Assim, de zero quilómetros em 1856 passou-se para 1.212
em 1880 e 2.365 em 1900. Isto apenas em 44 anos. Essa extensão cresceu até ao
máximo de 1950, ano em que foi de 3.627 quilómetros. Tendo-se mantido durante a
década seguinte, a partir de 1970 foi-se reduzindo até ao valor de 2.516
quilómetros em 2016, inferior em 300 Km à extensão de linhas existente em 1910.
Não será
preciso muito mais informação para se perceber a falta de investimento na
ferrovia em Portugal, a partir da década de 70 do século passado, pelo que tudo
o que os responsáveis políticos nos prometerem sobre o assunto deve ser
recebido com muitas reticências. E nem a justificação da qualidade versus
quantidade serve, porque o que se exige em cada momento é o melhor serviço
adequado ao seu tempo.
Embora de
início as vias férreas portuguesas tivessem a bitola, isto é, distância entre
carris, de 1435 mm que veio a ser adoptada internacionalmente e no resto da
Europa, na década de 50 foi adoptada a de 1664 mm usada em Espanha, para
uniformização com o país vizinho, nossa única fronteira terrestre. Passámos a
ter a chamada bitola ibérica que transformou a Península Ibérica numa ilha, em
termos ferroviários.
Se há modo
de transporte em que Portugal seja periférico é o ferroviário. Os nossos
vizinhos espanhóis estão há anos a substituir paulatinamente as ligações
ferroviárias a França, isto é, para o resto da Europa, para bitola europeia. Já
o fez nas ligações catalãs, está a terminá-lo-lo no país Basco e está a fazê-lo
para lá da fronteira portuguesa em direcção a Badajoz à Galiza.
É necessário
e urgente alterar a situação. Não se pode defender a continuação da bitola ibérica
nas ligações a Espanha como fraco volume de mercadorias transportadas por este
modo. É precisamente para alterar isso que é necessário facilitar a circulação desde
Portugal até França e restante Europa, directamente, pelo menos em duas
ligações rodoviárias a Espanha em bitola europeia. Não nos podemos deixar
encurralar pela bitola ibérica enquanto Espanha vai fazendo plataformas
logísticas junto à fronteira com Portugal para prever a possibilidade de
circulação, mas indirecta, logo mais lenta e mais cara, retirando
competitividade aos nossos produtos. E as questões ambientais e energéticas aconselham
a substituição do modo rodoviário (veículos de transporte de mercadorias pesados)
por comboios a partir dos 300 Km.
O
desinvestimento português na ferrovia dos últimos 50 anos não pode continuar
sob pena de Portugal, e já não a Península Ibérica, se transformar numa ilha.
Os portugueses devem tomar consciência de que, neste momento, se discutem na
União Europeia decisões cruciais para financiamento das ligações ferroviárias
europeias que são cruciais para a nossa economia e desenvolvimento. E não há a
certeza, muito longe disso, de que os nossos governantes estejam a tomar as
decisões certas nesta matéria.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 24 de Agosto de 2020