Não deve haver cidade em que se discutam tanto eventuais investimentos públicos, nem durante tanto tempo, como Coimbra. Para além do velho ditado que nos ensina que «casa onde não há pão, todos ralham e todos têm razão», há circunstâncias muito concretas que levam a que seja assim, sem que os conimbricenses se apercebam delas em toda a sua extensão. Na realidade, por vezes ajudam mesmo a que estas situações se verifiquem, sem tomarem disso consciência.
Como foi possível que o projecto do Metro Mondego tenha sido suspenso em pleno andamento das respectivas obras de empreitada em 2010, para agora o projecto ferroviário ser substituído por autocarros eléctricos?
Porque é que a A 13 está parada à entrada de Coimbra e não se vê que seja dada ordem de conclusão até ao IP3? Porque é que o IP3 não é alvo de verdadeira beneficiação para perfil de auto-estrada em toda a sua extensão, constituindo uma ligação decente a Viseu? Porque é que o IC 6 continua inacabado às portas de Oliveira do Hospital, impedindo a ligação de Coimbra à Covilhã?
Porque é que a construção da nova Maternidade faz que anda, mas não anda, enquanto na Cidade se discute a melhor localização, sem conclusões? Porque é que não é construído o estacionamento em silo-auto dos HUC? Porque é que a ampliação já aprovada das Urgências dos HUC não anda para a frente? Como é possível a actual situação do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra em que se abandonam as instalações do Hospital dos Covões em vez de se constituir um verdadeiro Centro Hospitalar com divisão coerente e eficiente de serviços entre as diferentes edificações?
Porque é que ninguém ouviu mais falar do novo Palácio da Justiça e ainda muito menos da nova penitenciária?
Porque é que a Estação Coimbra B vai ser objecto de umas beneficiações e não é construída uma verdadeira nova estação inter-modal, bem como as respectivas infra-estruturas rodoviárias?
Tudo perguntas a que se podem dar respostas específicas que mais soam a desculpas esfarrapadas. Porque, na realidade, a verdadeira questão é o seu conjunto e é na visão global que se encontram as verdadeiras razões.
Portugal tem um «edifício» legal no que diz respeito ao ordenamento do seu território. Na base estão os planos de âmbito municipal, que abrangem os Planos Directores Municipais e os Planos de Urbanização e Planos de Pormenor que desenvolvem os PDM. Num plano acima estão previstos os Programas e Planos Intermunicipais que possibilitam a cooperação entre municípios a serem elaborados no quadro das comunidades intermunicipais, prevendo racionalidade no acesso a serviços comuns de interesse geral. Num nível superior, a legislação prevê os Programas Regionais de Ordenamento do Território, «no âmbito de definição de um quadro estratégico regional». Como tecto do edifício existe o Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT), cuja última versão data de 2019 e que, aspecto importante neste momento, serve de matriz para a «Estratégia Portugal 2030».
E aqui residirá a resposta para as questões que interessam directamente a Coimbra, acima referenciadas. Se formos analisar o PNPOT, verificamos que a estratégia nacional para a política de ordenamento do território lá prevista contempla essencialmente as duas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e o resto do país na sua «multi-polaridade», em que Coimbra surge ao mesmo nível de, por exemplo, todas as outras cidades da Região Centro. É o que se verifica nas cartas referentes ao Modelo Territorial e ao Sistema Urbano, por exemplo. O porquê desta situação não é evidente, e não andará longe da visão macrocéfala a partir de Lisboa mas também do facto de, até hoje, nunca ter sido aprovado o Plano Regional de Ordenamento do Território da Região Centro.
Na actual situação, Coimbra tem um erro de percepção dos seus problemas já que os investimentos a que se julga com direito (com toda a razão) são vistos a nível nacional de uma forma completamente diferente: não há razões para Coimbra ser tratada de modo diferente das outras cidades da região e, sobretudo, não há razão para ter duplicação de serviços que podem ser garantidos, a nível nacional, por Lisboa e Porto.
Olhando concretamente para a área da Saúde, resulta assim evidente que não faz sentido para os decisores nacionais, que Coimbra tenha um Centro Hospitalar e quanto mais dois, quando o Porto tem dois (S. João e Stº António) bem como Lisboa (Lisboa Norte – Sta. Maria e Lisboa Central – S. José). Se Coimbra não acordar, o destino do seu hospital central será tornar-se, em poucos anos, pouco diferente dos hospitais das outras cidades da região. Perderá Coimbra mas, sobretudo, perderá a Região Centro que já está neste momento a ser penalizada a nível de equipamentos públicos, a favor das duas áreas metropolitanas inclusive, embora não só, na área da Saúde historicamente tão cara à nossa cidade.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 31 de Agosto de 2020