Daqui a pouco mais de um mês vamos escolher o
presidente da República para os próximos cinco anos. Mas esta eleição tem
características muito próprias já que, na realidade se trata de uma reeleição
por duas razões concretas: em primeiro lugar, todos os presidentes da presente
República foram reeleitos e em segundo lugar porque quem se recandidata é Marcelo
Rebelo de Sousa.
Muito pessoalmente, estas eleições surgem
numa altura da minha vida, interesse isso a quem interessar, em que considero a
independência pessoal, a todos os níveis, um bem demasiado valioso para ser
desperdiçado. Em consequência nada nem ninguém me influencia hoje nas minhas
opiniões e tomadas de posição no espaço público, em que incluo estas crónicas
semanais que o Diário de Coimbra me publica desde há 15 anos.
Depois, a situação do país é de uma
complexidade verdadeiramente extraordinária, com factores que fogem
completamente ao controlo de quem tem que assumir responsabilidades. Essa
circunstância decorrente da pandemia do COVID-19 exige, ou deveria exigir, uma
atitude de rigor e absoluto respeito pela verdade, em todas as vertentes da
governação e mesmo da actividade política, desde o Governo às Juntas de
Freguesia. E exige, também, que quem cuida dos portugueses e da coisa pública
seja capaz de enfrentar dificuldades impensáveis há escassos dez meses.
Deveremos ter ainda em conta o fenómeno da
abstenção em Portugal. Nas últimas presidenciais de 2016, foi de 51.34% isto é,
a votação obtida pelo vencedor e actual presidente que foi de 2.411.925 votos
correspondentes a 52% dos votos expressos, na realidade correspondeu à vontade
de um pouco menos de 25% dos portugueses inscritos como eleitores que eram 9.741.377. A dimensão
da abstenção significa que mais de metade dos portugueses não querem, não podem
por qualquer motivo ou não estão para se maçar para participar num acto cívico
tão importante como escolher o Presidente da República por cinco anos. A
representatividade real dos eleitos perante o universo dos portugueses é muito
baixa. E isso deveria levar os eleitos, quer Presidente da República, quer
Deputados, a questionar-se e a tudo fazer para que os portugueses se sintam
realmente representados por eles.
E é tendo em conta estas
circunstâncias que, como qualquer português comum, me coloco perante as
diversas candidaturas já apresentadas que tudo indica serão as definitivas, não
havendo outras hipóteses de escolha que não estas. Em primeiro lugar há as
candidaturas saídas de partidos. Estão nesta situação João Ferreira do PCP,
Marisa Matias do BE, André Ventura do Chega e Tiago Mayan Gonçalves da
Iniciativa Liberal
As duas candidaturas à esquerda buscam marcar
terreno por parte dos respectivos partidos tentando segurar os respectivos eleitores
habituais. Embora possam almejar conseguir algum apoio exterior fruto das
características pessoais de João Ferreira e Marisa Matias, na realidade não
trazem nada de novo, mesmo com a candidata do BE a afirmar-se
surpreendentemente como social-democrata. O caso de André Ventura é diferente,
dado que o Chega é um partido construído à sua volta, muito personalizado: o
objectivo será obter mais votos que mais tarde venham a ampliar os resultados
eleitorais para a assembleia da República, dando continuidade à sua cruzada
contra pobres e desfavorecidos da sociedade. Quanto a Tiago Gonçalves a sua
intervenção pública pessoal ainda não deu para se perceber ao que vem, para
além de também tentar marcar terreno do partido.
E depois há Ana Gomes e Marcelo Rebelo de
Sousa.
Com o voluntarismo que se lhe reconhece, Ana
Gomes avançou de forma independente do seu partido, o PS. É evidente ter
consigo uma parte da família socialista que, ou não se sente bem com António
Costa, ou não admite que socialistas votem em Marcelo. A questão da vacina
contra a gripe que se passou já depois de ser candidata presidencial não deverá
ser uma grande ajuda para a candidata: tratou do seu problema pessoal com
expedientes, ultrapassando a lei e pior, colocando em causa terceiros como as
farmácias e o próprio governo, com uma hipocrisia impossível de se aceitar e
incompreensível em alguém que protagoniza uma candidatura presidencial.
Marcelo
teve um primeiro mandato em que tentou e conseguiu estabelecer uma ligação
directa afectiva com os portugueses, mantendo-se equidistante perante os
partidos. É evidente que a sua formação jurídica superior lhe permitiu que a
sua acção fosse sempre irrepreensível do ponto de vista constitucional e não
caindo em tentações a que alguns dos seus antecessores não conseguiram fugir.
Mas Marcelo candidato tem duas dificuldades essenciais para ultrapassar. Não
lhe é possível provar que a mão que Marcelo Presidente deu a António Costa e
aos seus governos de esquerda, a daria a um governo vindo da direita,
curiosamente a sua área política de origem. Claro que pode sempre argumentar
que a realidade lhe impôs essa situação no passado e não outra, não sendo da
sua responsabilidade se o centro-direita não se conseguiu afirmar nos últimos
anos. E não deixará de ter razão. Por outro lado, por mais bazucas que a EU
mande para cá, será cada vez mais difícil esconder o fracasso da recuperação
económica dos governos Costa. Com Marcelo a Presidente.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 14 de Novembro de 2020